No início da década de 1970 o desenhista Frank Brunner estava
insatisfeito com o roteirista Gardner Fox, com o qual fazia parceria na série
do Dr. Estranho. A série parecia conservadora demais, focada sempre no monstro
do mês. Quando o editor-chefe Roy Thomas perguntou-lhe quem ele gostaria que
escrevesse o título, a resposta veio rápida: Steve Englehart. Os dois tinham se
conhecido em uma festa e logo descobriram que tinham muita coisa em comum: em
especial o interesse por HP Lovecraft, Carlos Castañeda, ocultismo e drogas
alucinógenas.
Englehart, Brunner, Jim Starlin e outros passavam noites
acordados, rodando por Nova York em estado alterado de consciência, bolando
histórias. Foi assim que surgiu Thanos, a melhor fase de Warlock e do Capitão
Marvel e foi assim que surgiram as histórias clássicas do Dr. Estranhos
reunidas no álbum Uma realidade à parte, da série de graphic novels Marvel.
Englehart introduziu filososofia zen-budista no título |
Desde a fase de Ditko e Lee o personagem jamais havia alcançado
o nível das primeiras histórias. Mas Englehart e Brunner levaram o personagem
muito além, em histórias verdadeiramente lisérgicas em que os limites pareciam
ser testados a cada número. Zen-budismo, taoísmo e lisergia dominaram as páginas.
Englehart começou colocando o personagem em uma situação em que ele é obrigado
a matar o seu próprio mestre (num reflexo da famosa frase zen: se encontrar com
Buda, mate-o) para só depois perceber que ao invés de morrer ele se integrou ao
cosmo. Depois o personagem é obrigado a enfrentar um ser tão poderoso que se
considera Deus e volta com ele ao passado e vê a criação do universo. Finalmente,
enfrenta um fanático religioso e, para não ser morto, refugia-se em um mundo que se revela surreal.
A fase do personagem é resumida na abertura de uma das histórias:
“O cosmo: eterna e proibitiva escuridão. Os homens constroem coisas para se
abrigar de seus mistérios. Uma dessas coisas é a realidade... a convencional
sabedoria das massas. Mas um homem vive uma realidade à parte... uma realidade
verdadeira. Ele não se encolhe diante do desconhecido”.
Se o roteiro levava o personagem a mundos verdadeiramente
estranhos – totalmente diversos do mundo que a maioria dos super-heróis vivia,
o desenho contribuía ainda mais para essa impressão de lisergia, com
experimentações visuais e imagens que se alongavam pela página, quebrando a
diagramação – nem mesmo Ditko havia sido tão experimental em suas imagens para
o título.
Essa junção de elementos faz com que Doutor Estranho – uma realidade
à parte, seja um dos títulos fundamentais da coleção de graphic novels Marvel.
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