As tecnologias sempre influenciaram o desenvolvimento da arte. A
invenção da perspectiva revolucionou a pintura, criando todo um leque de possibilidades.
Já no século XIX, a invenção da fotografia gerou uma crise artística que
levaria ao surgimento de praticamente toda a arte moderna. E, atualmente, o
desenvolvimento da tecnologia cibernética tem provocado uma revolução ainda
maior. Nunca o mundo de imagens ao nosso redor mudou tão rapidamente, e nunca a
forma como as imagens são produzidas sofreu transformações tão radicais. Isso
afetou muitas áreas da arte. A arte interativa, em especial na sua forma mais
avançada, a arte virtual, tem afetado não só a percepção do público sobre a
arte, mas também dominado as teorias da imagem e da arte. Analisar essa
realidade é o objetivo do livro Arte Virtual: da ilusão à imersão, de Oliver
Grau (Unesp, 2007). Por si só, o tema já tornaria a obra interessante. Mas a
abordagem escolhida pelo autor, ao mostrar que a arte virtual não surgiu com os
computadores, fazem da obra não só uma análise de um momento atual, mas também
um resgate de uma história perdida.
Oliver Grau é professor de história da arte da Universidade de
Humboldt, Berlim, e professor associado da Universidade da Arte de Linz, além
de líder do projeto German Science Foundation, especializada em arte imersiva.
De acordo com o autor, as primeiras tentativas de colocar o observador
em um espaço imagético imersivo, de ilusão, não vieram com a realidade virtual
assistida pelo computador. Ao contrário, a realidade virtual é elemento
essencial do relacionamento dos seres humanos com as imagens e remonta à
antiguidade clássica.
Durante séculos os artistas procuraram criar o máximo de ilusão com os
meios técnicos disponíveis, tentando integrar imagem e observador. O início de
tudo está na grande tradição – principalmente europeia – de espaços imagéticos
de ilusão, encontrada em propriedades privadas e templos em pequenas cidades e
vilas através dos afrescos Nos afrescos, o observador era cercado de todos os
lados, numa imagem que formava uma unidade tempo e espaço. Exemplo disso é o
Grande Friso da Vila dos Mistérios (60
a.C). Esse templo dedicado a Dionísio apresentava uma imagem em 360 graus que
rompia as barreiras entre o observador e o que estava sendo observado. Os
espaços de ilusão também ganharam importância durante o barroco com os tetos
das igrejas, que simulavam que o céu e o espaço que o devoto ocupava estivessem
no mesmo lugar. E, finalmente, o panorama, que representou durante muito tempo
a mais desenvolvida forma de ilusionismo imagético. Mais recentemente temos o cineorama, a
televisão estereoscópica, o sensorama, o cinema e os quadrinhos 3D etc.
A mídia interativa mudou nossa percepção das imagens ao associar a
exploração sensório-motora de um espaço imagético a uma visão panorâmica. Até
mesmo as noções de tempo e espaço são alteradas: “Em um espaço virtual, os
parâmetros de tempo e espaço podem ser modificados à vontade, permitindo que o
espaço seja usado para modelar e fazer experimentos”. A arte virtual, ao
misturar imagens do mundo natural com imagens artificiais cria uma realidade
mista, na qual constantemente é impossível distinguir o original de seu
simulacro.
Nesse contexto, a palavra-chave parece ser imersão. Segundo Grau, ela
é caracterizada pela “diminuição da distância crítica do que é exibido e o
crescente envolvimento emocional com o que está acontecendo”. Para isso,
veda-se hermeticamente a percepção das impressões visuais externas utilizando
recursos de luz indireta para que a imagem pareça real. Nesse mundo artificial,
a imagem gerada preenche todo o campo de visão do observador, num espaço de 360
graus de ilusão. O expectador funde-se com a imagem, tendo toda a sua percepção
capturada pelo espaço virtual, inclusive o tato, a audição e, em alguns casos,
até mesmo o olfato. O objetivo é fornecer ao expectador a impressão de
sentir-se no local onde a imagem ocorre. Softwares e hardwares permitem uma
total imersão, com som estereofônico simulado, impressões táteis, sensações
termorreceptivas e cinestéticas. O olhar não é mais estático, mas, teoricamente
inclui um número infinito de perspectivas possíveis.
Oliver Grau não restringe sua análise às artes plásticas. O cinema, no
livro, ganha destaque com experiências como Cineorama, em que dez filmes de 70
milimetros era projetados simultaneamente para formar uma imagem de 360 graus.
Aliás, o cinema, quando surgiu, era, por si só, uma experiência imersiva: no
seu início, o público ficava extasiado diante da nova experiência visual
chegando a se assustar com o que ocorria na tela, como se o que estivesse sendo
mostrado pudesse pular para fora da mesma.
O cineasta russo Sergei Eisenstein foi um dos que tentaram resgatar
essa percepção mágica. Para isso ele imaginou o Stereokino, em que a imagem,
tridimensional, jorraria da tela para o auditório. Sem deixar detalhes técnicos
de como faria isso, o cineasta pretendia arrebatar o público para dentro do
ambiente de seu filme.
Ao diluir a diferença entre real e simulacro, a arte virtual coloca em
questão a distinção entre o autor e o observador, o status da obra de arte e
até mesmo as funções das exposições. Assim, a discussão sobre a arte imersiva
está no centro do mais importante debate sobre arte da atualidade, fazendo com
que o livro de Oliver Grau seja fundamental para os que estejam interessados no
assunto.
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