Hitchcock
já era um diretor consagrado quando dirigiu Psicose, em 1960. Seu nome num
cartaz era quase certeza de sucesso de crítica e de público. Mas com Psicose,
um filme barato e despretensioso, transformou-se num deus do cinema, ficou
milionário e provocou verdadeira histeria coletiva. É a história dos bastidores
desse sucesso inesperado que Stephen Rebello conta no livro Alfred Hitchock e
os bastidores de psicose (iluminuras).
A obra
é um relato amplo de todas as circunstâncias relacionadas ao filme, a começar
pela história do serial killer Ed Gein, que, no final dos anos 1950 assassinou
várias mulheres na região rural de Wisconsin. Gein era um solteirão de 51 anos
que vivia de pequenos biscates (entre eles tomar conta dos filhos dos casais da
região), excêntrico, mas aparentemente inofensivo. Um dia o assistente do
xerife foi visitar a sua mãe e encontrou a loja da qual ela era proprietária
fechada. Ao lembrar que Gein mencionara que iria na loja naquele dia, resolveu
visitar a fazenda do cinquentão. O que ele e os demais policias encontraram era
um verdadeiro filme de horror: entre produtos para embalsamento e embalagens
para comida, havia dois pares de lábios humanos pendurados num cordão, alguns
narizes em cima da mesa da cozinha, um bolsa e braceletes feitos de pele
humana, quatro cadeiras estofadas de carne, um tambor feito com pele humana,
uma vasilha de sopa feita com um crânio,
as peles descarnadas de quatro rostos de mulheres, com ruge e maquiagem presos
à parede. Na estufa, o assistente do xerife encontrou sua mãe: estava nua,
pendurada pelos calcanhares como um porco, e estripada.
O fato
chocou a pequena localidade, principalmente depois que o assassino declarou à
imprensa que nunca havia atirado em um cervo (e muitos se lembraram da
deliciosa carne de viado que haviam ganhado dele).
Os
jornais trataram Gein como o “açougueiro louco” e noticiaram seus assassinatos
e suposto canibalismo, mas, com pudor, esconderam o travestismo, o roubo de
cadáveres e a possível relação incestuosa com a mãe.
A 63
quilômetros dali, um escritor de 41 anos, discípulo e apadrinhado de H. P.
Lovecraft, chamado Robert Bloch, procurava um tema para seu novo livro quando
se deparou com uma pequena nota sobre um homem que fora preso após assassinar a
dona de um armazém e pendurá-la, estripando-a como um cervo. Ele ficou intrigado
com o fato de que um homem que nunca fora suspeito de nada e vivia numa pequena
cidade do interior (em que, se alguém espirrasse no lado norte, alguém no lado
sul diria saúde) acabara se revelando um assassino em série. Incrivelmente, as
informações que conseguia sobre o fato eram mínimas, o que o fez usar mais a
imaginação do que os fatos.
Na
época, Freud estava em alta e Bloch decidiu dar ao seu personagem uma motivação
psicológica bem ao gosto do criador da psicanálise: “Pensei: e se ele cometesse
esses crimes num surto amnésico, sob controle de outra personalidade?”. Essa
outra personalidade, seria, claro, a mãe, fechando a relação edipiana. Para
funcionar, a mãe deveria estar morta, mas “Não seria legal se ela estivesse
realmente presente de alguma forma? Foi quando me veio a ideia de que ele
mantinha o corpo dela preservado”.
Segundo
Rebello, ao usar a taxidermia como elemento principal da trama, Bloch cruzou a
linha divisória entre o refinado mistério de salão do tipo “quem matou” e o
puro terror. O livro seria revolucionário em mais um sentido: o escritor criou
uma heroína simpática, deu a ela um problema, fez com que o leitor gostasse
dela e a matou no primeiro terço da história, rompendo totalmente com o
paradigma das histórias convencionais, em que os protagonistas sempre conseguem
se safar das maiores dificuldades.
Bloch
teria mais uma inspiração que seria fundamental para o filme: matar a heroína
no chuveiro: “Eu tinha a opinião de que uma pessoa nunca está tão indefesa
quanto no chuveiro”.
Quando
o livro já tinha sido publicado e era um sucesso, Bloch soube de todos os
detalhes do caso e percebeu o quanto seu romance era semelhante com a história
real: “Ao inventar meu personagem, cheguei muito perto da personalidade real de
Ed Gein. Fiquei horrorizado em pensar como eu podia imaginar tais coisas”.
Tanto que passou anos se barbeando de olhos fechado, pois não se atrevia a
olhar seu próprio reflexo no espelho.
Se de
um lado Bloch estava assustado, do outro, Hitchock se sentia obsoleto com o
sucesso comercial e de crítica do triller francês As diabólicas, de Clouzot.
Ele queria uma história diferente, para um filme tipicamente
“não-hitchcockiano”. Foi um assistente de produção que descobriu o livro,
graças a uma resenha, e o apresentou ao diretor. Hitchock ficou fascinado
especialmente com a cena do assassinato no chuveiro. Além disso havia o
acréscimo da heroína que morria no primeiro terço da história. Sem falar na
esperteza do recurso do travestismo. O diretor viu ali uma ótima oportunidade
para um filme de suspense que superasse As diabólicas. Tanto que, quando os
executivos da Paramount se negaram a financiar o projeto ele bateu o pé. “Você
não vai conseguir o orçamento a que está habituado para fazer uma coisa assim.
Nada de technicolor, nada de grandes atores. “Tudo bem eu dou um jeito”,
retrucou ele.
Uma
das soluções foi utilizar a barata equipe de seu programa de TV, que já estava
habituada a filmar diversas cenas por dia. Para escrever o roteiro, contratou o
iniciante James Cavanagh e, quando este não conseguiu desenvolver a trama (na
primeira versão havia até mesmo uma história romântica para desviar a atenção
do assassinato da mocinha), contratou outro ainda mais novato: Joseph Stefano,
um ex-ator que antes de começar a escrever episódios para TV nunca tinha nem
mesmo lido um roteiro. Para interpretar o vilão contratou o astro em ascensão
Antony Perkins, por apenas 40 mil dólares. Era o salário mais alto de todo
elenco, ironicamente a exata quantia que a heroína Mary Crane surrupia de seu
patrão no filme.
Os
custos de produção eram tão baixos que durante muito tempo acreditou-se que ele
estivesse produzindo um episódio para televisão.
Contrariando
as expectativas dos produtores, o filme foi um sucesso absoluto, faturando
quinze milhões de dólares apenas no mercado americano no seu primeiro ano de
exibição e transformando seu diretor em um milionário.
Psicose
foi mais do que um sucesso. Foi uma febre. Por causa dele a venda de cortinas
de opacas de banheiro caiu nos EUA, assim como o número de hospedes de motéis
de beira de estrada.
É essa
história que o escritor e roteirista Stephen Rebello destrincha em uma prosa
agradável. Um livro de mais de 200 páginas, mas que se devora em um tapa, em
especial se o leitor for fã de cinema.
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