Em 1926 Monteiro Lobato mudou-se para os EUA. Ia como adido comercial brasileiro e levava na bagagem um romance americano. Chamava-se O Choque das Raças (depois rebatizado como O Presidente Negro). A história de ficção científica (uma das primeiras do gênero escritas no Brasil) se passava no ano de 2228. Nessa época o eleitorado se dividira em três facções: os homens brancos, as mulheres e os negros. Os negros aproveitam a desunião entre homens e mulheres brancos para eleger um presidente negro. Os brancos se vingam esterilizando os vencedores com um produto para alisar cabelos.
Lobato escreveu O Choque das Raças de olho na série Tarzan, que já alcançava a tiragem de milhões de exemplares. “Eu me acho capaz de escrever para os Estados Unidos por causa do meu pendor para escrever para crianças. Acho o americano sadiamente infantil”.
Mas ele era ingênuo. O americano é um povo muito cioso de sua dignidade. Uma visão tão crua dos conflitos entre negros e brancos acabou não agradando.
O romance não agradou lá, mas aqui teve o mérito de ser a primeira obra de ficção científica a sair da pena de um grande escritor.
A ida aos EUA acabou servindo por outros motivos. Lobato extasiou-se com a civilização americana. Foi aos grandes teatros, onde a fina flor da beleza americana era exibida quase nua, andou de metrô... “A mim o que mais me assombrou foi a New York subterrânea, com suas numerosas linhas de subway, seus trens, suas estações, imensas, restaurantes, lojas, cafés, livrarias, etc, etc. Tudo invisível para quem anda na New York da superfície. Uma pessoa pode passar a vida na cidade subterrânea sem necessidade de vir à superfície para coisa nenhuma”, admitiu ele, numa carta da época.
E os EUA da época eram pura riqueza: “Sente-se em tudo a riqueza espantosa do país. Não há pobres, o pobre daqui é o remediado daí. Toda gente possui auto. O porteiro cá de nossa casa possui um cadillac”.
Monteiro Lobato olhou aquilo e achou que o Brasil também podia ser rico como os EUA. Afinal, eram países quase do mesmo tamanho, descobertos em épocas próximas e com a população constituída dos mesmos elementos: o negro, o branco europeu e o índio. Mas, para isso, era necessário descobrir de onde vinha tanta riqueza. O que fazia dos EUA o que ele era? Lobato matutou, matutou e chegou a uma conclusão - o petróleo e o ferro eram os pilares da civilização americana. Tudo dependia do petróleo e do ferro.
Um livro, por exemplo. Para fazê-lo é necessário cortar uma árvore. Necessita-se, então, de um machado ou de uma serra, que são feitos, adivinhe de quê? Ferro. Se a serra for elétrica, vai precisar de óleo, que é feito de petróleo. A árvore precisa ser transportada por uma caminhão ou um trem. Tanto um como outro são feito de ferro e usam petróleo como combustível. As máquinas que vão transformar a madeira em papel também são feitas de ferro... No final o livro chega às mãos do leitor depois de passar por um longo processo constituído de coisas que são de ferro e se movimentam graças ao petróleo.
Atualmente começa a se delinear um mundo que não dependerá tanto desses dois elementos, mas na época de Lobato, eles mandavam e desmandavam como se fossem donos do mundo. E na verdade eram.
O escritor percebeu isso e quis dar ao Brasil os reizinhos da indústria. Para isso ele tratou de conhecer todos os detalhes sobre o assunto e sobre a indústria americana. Ajudou muito o fato dele ter traduzido para o português um livro de Henry Ford, o magnata da indústria automobilística. Quando chegou nos EUA, um agente da Ford estava esperando-o para levá-lo ao hotel e guardar sua bagagem - uma imensidade de livros - num depósito da empresa até que o escritor achasse uma casa.
Em 1930 acontece uma revolução no Brasil e Getúlio Vargas sobe ao poder, dando início ao Estado Novo. “Revolução nada”, pensou Lobato, lá consigo. “O Brasil é um grande curral eleitoral. Mudam-se os governos, mas ficam os coronéis. Nada muda. Só tiram um coronel para colocar outro no lugar. Revolução é o que vou fazer com o petróleo e o ferro”.
Mas o episódio tem um reflexo na vida do escritor. Da mesma forma que nas cidadezinhas do interior, onde quando a oposição ganhava lá iam para a rua todos os funcionários públicos, Getúlio promoveu a varredura. Lobato perdeu o cargo e voltou para o Brasil. Trazia consigo o sonho de ficar rico explorando o petróleo. Por tabela, o Brasil também ficaria rico. Havia de ser uma potência mundial e de repetir na América do Sul a prosperidade da América do Norte.
Sem comentários:
Enviar um comentário