quinta-feira, julho 04, 2019

O mestre dos sonhos




            Um dos roteiristas que mais se destacaram na chamada invasão britânica dos comics americanos foi Neil Gaiman.
Quando jovem, ele lia muito quadrinhos e deixou de fazê-lo quando percebeu que as revistinhas não correspondiam mais às suas expectativas literárias. Nos anos 70, Gaiman se dedicou com­pletamente ao jornalismo e à li­teratura até descobrir o trabalho de Alan Moore no Monstro do Pântano.
A partir daí ele resolveu fazer roteiros para quadrinhos adultos e conheceu Dave McKean. Juntos eles produziram as Graphic Novels Violent Cases e Signal to Noise no final dos anos 1980.
Nessa época a editora Karen Berger foi à Inglaterra em busca de novos talentos.  Ansiosos para conseguir trabalhar para a DC, Gaiman e McKean foram procurá-la no hotel. Ao serem informados de que não poderiam tocar nos grandes personagens da editora (como Batman e Super-homem), Gaiman sugeriu a Orquídea Negra. A editora nem se lembrava que a editora tinha essa personagem.
A dupla ganhou carta branca para fazer sua versão da heroina e produziu uma minissérie em três partes. O realismo das imagens pintadas de McKean combinados com o texto poético de Gaiman fizeram com que essa minissérie se tornasse um dos quadrinhos mais cultuados dos anos 1980.
A qualidade do trabalho da dupla fez com que a editora os convidasse para um outro projeto. McKean faria as capas e Gaiman escreveria o texto. O personagem escolhido foi Sadman, um herói secundário da era de ouro que tivera uma breve fase nas mãos de Jack Kirby na década de 1970. “Queremos um novo Sandman. Mantenha o nome, mas o resto é por sua conta”.   
Gaiman re-imaginou o personagem, afastando-o de sua origem super-heroiesca e aproximando-o da mitologia. Assim, Sadman era um dos perpétuos, seres mais longevos que os deuses, que só deixariam de existir quando o universo fosse destruído. Além de Sandman, que era o sonho, havia a Morte, Destruição, Delírio e Destino, todos iniciados com a letra D (em inglês, Dream – sonho  e Death, morte).
Gaiman leu diversos livros sobre sonhos e pesadelos e colocou toda essa pesquisa em seus quadrinhos, em especial as informações sobre a doença dos sono, que de fato existiu. Além disso, encheu as histórias de referências literárias e textos poéticos. Não bastasse isso, trouxe o personagem para a realidade cotidiana de uma forma pouco vista antes nos quadrinhos.
Por outro lado, McKean produziu uma célebre galeria de capas unindo influências dadaístas, surrealistas e expressionistas.
Tudo aquilo era muito diferente do que os quadrinhos americanos publicavam até então (diverso inclusive do Monstro do Pântano, do também britânico Alan Moore, que inspirara Gaiman) e isso chamou atenção de um público que até então parecia ter pouco interesse pelos gibis: as mulheres. Afinal, a revista não era sobre marmanjos trocando socos, mas, ao contrário, aproximava-se de uma espécie de fantasia urbana e contemporânea.
Sandman foi uma das revistas mais celebradas dos anos 1990, arrebatando uma legião de fãs e sendo republicava diversas vezes, agora em formato álbum de luxo. A popularidade conseguida com a revista fez com que Gaiman se tornasse um cultuado escritor de livros de fantasia, entre eles Deuses americanos e Lugar Nenhum.

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