quinta-feira, dezembro 31, 2020

Red Sonja: o feiticeiro, a guerreira e o cosplay

 


Até 1974, Frank Thorne era um pouco conhecido desenhista de quadrinhos. Ele tinha feito algumas tiras, quadrinhos românticos e Korak, o filho de Tarzan, para a DC. Foi quando Roy Thomas o convidou para desenhar a heroina Sonja. A personagem, criada por Robert E. Howard, estava ganhando uma revista na esperança de conseguir o mesmo sucesso de Conan, o bárbaro.
Thorne não só adorou a revista, transformando-a em uma das mais vendidas da Marvel, como encontrou o estilo que o marcaria pelo resto da carreira, inclusive com material autoral, a exemplo de Ghita of Alizarr (uma guerreira ao estilo Sonja, mas com sexualidade e violência muito mais aflorada).
Thorne rodeado pelas várias Sonjas. 

Na verdade, o desenhista se envolveu tanto com a personagem que começou a participar de convenções vestido de mago, circundado por cinco garotas vestidas de Sonja, entre elas Wendy Pini, que viria a fazer a série de fantasia Elfquest.
Wendy Pini como Sonja

Em uma espécie de piada interna, Frank homenageou a si mesmo e às garotas em uma história publicada na revista The Savage Sword of Conan 29, (e republicada aqui na Espada Selvagem de Conan 62 da editora Abril).

Na HQ, um mago tenta conjurar a guerreira e acaba trazendo cinco delas. Incapaz de decidir quem é a verdadeira, ele testa uma a uma. A história vale tanto pela auto-referência quanto pela engenhosidade do roteiro... e, claro, vale mais ainda pelos belíssimos desenhos de Thorne, um especialista em desenhar mulheres.



Quadrinhos hiper-reais na revista Nós

 


A revista Nós, da Universidade Estadual de Goiás, dedicou um de seus números mais recentes aos quadrinhos. Entre vários artigos de alguns dos principais pesquisadores de quadrinhos do Brasil, um texto meu sobre a hiper-realidade e simulacro nos quadrinhos do Capitão Gralha.
Para acessar a revista, clique aqui.

Xuxulu nas montanhas da loucura

 

Blueberry: o melhor faroeste franco-belga

 

 
     O faroeste sempre foi um gênero popular na Europa, com vários personagens e vários tipos de abordagens. Mas, no meio de tantos heróis, um se destacou e se tornou um verdadeiro clássico: trata-se de Blueberry, criação do roteirista Jean-Michel Charlier em dupla com o desenhista Jean Giraud, que posteriormente viria a assinar Moebius.
     Blueberry revolucionou ao mostrar um personagem que foge completamente do estereótipo do cowboy clássico: ele é um beberrão, jogador inveterado e indisciplinado. Em outra palavras: um anti-herói. Além disso, constantemente, Blueberry toma partido em favor do índios, uma novidade total, já que até então, com raras exceções, os índios eram mostrados como vilões.
     Além disso, as histórias de Blueberry mostravam um personagem que evoluía e se tornava mais experiente com o tempo. Aliás, essa cronologia era mostrada de forma não-linear, pois a juventude do personagem só foi contada depois que ele já era famoso.
     Jean-Michel Charlier, o roteirista, é uma verdadeira lenda nos quadrinhos franco-belgas. Aos 23 anos ele abandonou o curso de Direito para se dedicar aos quadrinhos. Começou escrevendo aventuras do aviador americano Buck Danny para a revista Spirou, em parceria com o também belga Victor Hubinon. Em 1959, junto com René Goscinny e Albert Uderzo, fundou a revista Pilote, posteriormente comprada pela editora Dargaud. Para o traço de Uderzo, criou os aviadores Tangui e Laverdure. Para Hubinon criou a série juvenil Barba Ruiva, sobre um garoto filho do famoso pirata.
     Jean-Giraud é, talvez, o desenhista europeu mais famoso de todos os tempos. Ele começou sua carreira como assistente de Jijé, criador do cowboy Jerry Spring. Seu primeiro trabalho importante foi justamente o tenente Blueberry. Inicialmente imitando Jijé, ele foi aos poucos criando um traço próprio, extremamente detalhista e original. Mas mesmo nas pranchas iniciais de Blueberry já é possível perceber que ele tinha um talento incomparável. Seu detalhismo chegava ao ponto de, ao desenhar um saloon, colocar dezenas de pessoas em posições diferentes. Na década de 1970, Jean-Giroud mudou seu nome para Moebius, juntou-se com outros desenhistas e roteiristas e revolucionou os quadrinhos franceses com histórias surrealistas de ficção-científica e fantasia para a revista Metal Pesado.
     A junção desses dois mestres não poderia resultar em algo que não fosse uma obra-prima. Embora outros cowboys (como tex) possam ser mais famosos, Blueberry é considerado pela maioria dos críticos como o ponto alto do gênero (honra que é disputada apenas com o quadrinho italiano Ken Parker).
     Charlier fez uma verdadeira investigação sobre a época, retratando de maneira muito detalhista o cotidiano do velho oeste. Além disso, ele introduziu fatos e personagens reais em sua história, num recurso característico da pós-modernidade que seria imitado posteriormente por outros autores.
     Se por um lado, Charlier teve uma grande preocupação histórica, ele também não descuidou da aventura. Como as aventuras de Blueberry eram publicada em seminários antes de serem juntadas num álbum, o roteirista colocava um gancho de suspense no final de cada página, deixando o leitor curioso para ler o resto. Essa técnica virou quase que um padrão no quadrinho europeu.

Homem-coisa - pelas mãos do destino



Se há um personagem subestimado na Marvel é o Homem-Coisa. Ele foi criado na mesma época que o Monstro do Pântano e há quem diga que o Monstro do Pântano é cópia dele (Gerry Conway, o criador do Homem-coisa dividia apartamento com Len Wein, o criado do Mostro do Pântano e os dois conversavam sobre as histórias que estava produzido, de modo que é quase impossível determinar quem veio primeiro).

O personagem teve uma fase de sucesso nos anos 1970, mas nos anos 80, época em que o Monstro do Pântano alcançava o estrelato nas mãos de Alan Moore, sua contraparte na Marvel não tinha mais revista própria e sobrevivia apenas fazendo aparições em conjunto com outros heróis da editora.

Exemplo disso é “Pelas mãos do destino”, crossover da criatura dos pântanos com o Homem-aranha publicado em Marvel Team-Up 122.



Na trama, Iam Destino aparece no pântano. O personagem é um jornalista cuja família foi assassinada por mafiosos e, para se vingar estudou artes místicas a ponto de se tornar extremamente poderoso.  

E ele resolve levar o Homem-coisa para Nova York e mais especificamente para o Clarin Diário, aparentemente com o ituito de produzir matérias positivas, que elevem a humanidade. Mas, uma vez no Clarin, o monstro provoca reação de medo generalizada e sai do controle (o medo machuca o Homem-coisa e, ao tocar em uma pessoa que sente medo, ele a mata).

É uma trama fraca e o plano de Destino não só não fazo menor sentido. Da mesma forma, o leitor ainda fica sem entender qual a função do Homem-coisa na trama.

Ainda assim, o texto de JM DeMatteis e o desenho competente de Kerry Gammill conseguem dar verossimilhança à história. DeMatteis era um especialista em humanizar os heróis da Marvel e consegue fazer isso mesmo com um personagem irracional como o Homem-coisa.

No Brasil essa história foi publicada em Superaventuras Marvel 50.

quarta-feira, dezembro 30, 2020

Público, massa, multidão

 

Edgar Alan Poe antecipou a discussão sobre a psicologia das massas.

 “É uma grande desgraça não poder estar só”

LA BRYÈRE citado por EDGAR ALAN POE

Em 1840, o escritor norte-americano Edgar Alan Poe publicou um texto, depois classificado pelos organizadores de suas obras completas como conto filosófico. “O Homem das Multidões” é narrado por um homem que vai a Londres fazer um tratamento de saúde e se diverte observando, do saguão do hotel, a multidão que passa na rua.
                No começo, o narrador vê apenas uma massa indistinta. Em breve, porém, desce aos detalhes e consegue ver padrões de roupas, comportamentos, jeitos de andar. Vários públicos se descortinam à sua frente: escreventes, homens de negócio, advogados, homens de lazer...
                À certa altura, um homem chama sua atenção. É um velho entre 60 e 70 anos. Sua fisionomia apresenta um misto de triunfo, alegria, terror e desespero.
                A impressão causada pelo personagem é tão forte, que o narrador passa a segui-lo. O homem envereda pela rua repleta de gente e, chegando à praça, passa a andar em círculos, confundindo-se com a multidão. Quando o fluxo diminui, o velho se sente angustiado e procura outra multidão. A narrativa acompanha durante toda a noite sua busca por agrupamentos humanos.
                No final, o escritor o abandona com um comentário: “Esse velho é o tipo e o gênio do crime profundo. Recusa estar só. É o homem das multidões. Seria vão segui-lo, pois nada mais saberei dele, nem de seus atos. O pior coração do mundo é mais espesso do que o Hortulus Animae e talvez seja uma das grandes misericórdias de Deus o fato de que ele jamais se deixa ler”.
                Em “O Homem das Multidões”, Edgar Alan Poe antecipou em muitos anos a discussão sobre a sociedade de massa.
                O século XIX viu aparecer um novo tipo de agrupamento humano. Antes a regra eram pequenas vilas, nas quais todo mundo se conhecia e se relacionava. O processo de industrialização forçou uma grande quantidade de pessoas a se deslocarem para grandes centros nos quais as pessoas não se conheciam e não tinham qualquer relacionamento mais íntimo.
                A aglomeração maciça de seres humanos forçou o contato pessoal com pessoas desconhecidas, muitas das quais permanecerão sempre desconhecidas. Não conhecemos o homem que nos vende alimentos e a moça do correio é apenas mais uma funcionária postal.
                O homem moderno está rodeado de gente, mas é solitário.
                Essa nova realidade tornou patente um novo tipo de comportamento, que não era individual, mas coletivo. Para explicá-los surgiu a psicologia das massas.
                Dois pioneiros dessa nova disciplina foram o italiano Scipio Sieghele e o francês Gustav Le Bom.
                Sieghele escreve A Massa Criminosa, no qual analisa os crimes coletivos, como revoltas e lichamentos, e conclui que não há como indicar culpados. Os que são incriminados são sempre bodes-expiatórios, pois é sempre impossível determinar um culpado no meio da multidão.
                Sieghele trabalha o conceito de multidão como agrupamento geográfico e resultado de uma sugestão, como se seus integrantes estivessem sonâmbulos, hipnotizados. Em toda multidão há condutores e conduzidos, hipnotizadores e hipnotizados. O autor italiano foi um dos primeiros a perceber a importância dos meios de comunicação de massa nesses novos tipos de comportamento. Para ele, a imprensa seria uma manipuladora da massa.
Para Gustav Le Bon,  a civilização estava em perigo com a emergência das massas. Os líderes políticos do século XX seriam aqueles capazes de manipular as mesmas através da mídia (uma profecia acertada, se lembrarmos de Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas).
O pensador Gabriel Tarde discordou desse ponto de vista, argumentando que a massa é geográfica e o publico é formado socialmente. Para ele, a imprensa estava criando públicos, ao permitir que pessoas distanciadas geograficamente pudessem partilhar idéias.
Os pensadores contemporâneos perceberam a dificuldade em se trabalhar com os conceitos de multidão e massa de maneira conjunta e resolveram separá-los. Assim, há três tipos de comportamentos coletivos.
O primeiro deles, e o mais primário, é a multidão. Sua origem é biológica e remonta aos tempos em que o homem passou a viver em sociedade.
Na multidão, os integrantes são comandados pela ação de ferormônios, hormônios expelidos pelo corpo, que fazem efeito ao serem percebidos olfativamente.
                Todos que estiverem no campo de ação dos ferormônios são contagiados e passam a agir como uma só pessoa, de forma irracional. É o caso de linchamentos, revoltas e tumultos em locais repletos de gente. É comum, por exemplo, que em casos de incêndio em casas de shows morram mais pessoas pisoteadas do que em decorrência do fogo.
                A criação de uma multidão passa por quatro estágios.
                No primeiro deles, há um acontecimento emocionante (a informação de que um estuprador foi preso, um trem de subúrbio que deixa de funcionar justamente na hora em que os trabalhadores voltam para casa).
                No segundo, há uma “moedura”: os indivíduos se encontram, se chocam, começam a trocar ferormônios.
                No terceiro, surge uma imagem, uma idéia de ação, a exaltação coletiva é direcionada para um objetivo (lichar o criminoso, quebrar o trem).
                Finalmente, no quarto estágio, a multidão, já totalmente dominada pelos ferormônios, age.
                Uma multidão é como um estouro de boiada: é impossível pará-la com a força ou com a razão. Atirar adianta muito pouco, pois os que estão atrás empurram os que estão na frente, até chegar aos seus atacantes.
                Uma maneira usada para dispersar multidões tem sido o gás lacrimogêneo.
                Os gás impede que as pessoas continuem recebendo os ferormônios umas das outras. Por outro lado, a irritação nos olhos e a fumaça dão aos integrantes da multidão a impressão de que estão sozinhos. Um indivíduo só age como multidão se tiver certeza de que está incógnito. É a certeza de que seus atos individuais não serão percebidos que dá à multidão a liberdade de agir. É por isso que são comuns as desordem em períodos de blecaute.
                Dar um segundo objetivo também é eficiente, pois uma segunda proposta de ação leva a multidão a pensar, e uma multidão que pensa deixa de ser multidão.
                Em uma perspectiva fisiológica, a multidão seria um comportamento coletivo governado pelo complexo Reptiliano. Essa primeira camada de nosso cérebro é responsável pela auto-preservação. É aí que nascem nossos mecanismos de agressão e ações instintivas.
                O comportamento de massa é uma novidade do século XIX e surge em decorrência do processo de industrialização e desenvolvimento dos meios de comunicação de massa.
                A massa age como multidão, de maneira irracional e manipulável. Mas não há proximidade física. Não há ferormônios envolvidos.
                Nos grandes centros, as pessoas estão isoladas, atomizadas, e a principal influência acaba sendo os meios de comunicação de massa. É a multidão solitária.
                A principal característica da massa é o pseudo-pensamento. A massa acredita que pensa, mas só repete o que houve nos meios de comunicação de massa. Segundo Luiz Beltrão, o poder massificante da sociedade é de tal ordem que o indivíduo se recusa a acreditar que é apenas uma peça da engrenagem social e que suas idéias são idéias que lhe foram implantadas pela mídia. Ao ser perguntado o porque de suas idéias, o integrante da massa repetirá exatamente o que ouviu de seu apresentador de TV favorito. Ou então dirá simplesmente: “É claro que é assim. Você não viu que saiu no jornal?” ou “mas todo mundo gosta disso, por que você não gosta?”
                Fisiologicamente, o comportamento de massa é identificado o complexo límbico, a camada do cérebro característica de mamíferos e que governa o instinto de rebanho. Assim, a aspiração máxima do integrante da massa é ser aceito pelos seus pares. Ele fará qualquer coisa para se adequar e procurará repetir os outros em tudo. É o famoso Maria vai com as outras.
                O comportamento de massa fica claro em pessoas que têm ânsia de andar sempre na moda. Vestir a roupa do momento é uma forma de não “estar por fora”. Claro que quem ditará o que é moda são os meios de comunicação de massa, que se aproveitam dessa necessidade de rebanho, de aceitação social, para vender seus produtos e manipular a massa.
                Como a massa não pensa, ela precisa de alguém que pense por ela, ela precisa de um pai, que lhe diga o que fazer. Esse papel já foi exercido por líderes políticos, como Hitler, Stalin e Getúlio Vargas. Não é à toa que o ditador brasileiro era chamado de “pai dos pobres”. Hoje quem normalmente exerce essa função são figuras importantes da mídia, tais como apresentadores de TV. Esse inclusive é um fator potencialmente perigoso da massa. Como obedece cegamente aos impulsos recebidos pela mídia, a massa pode adotar um tom de verdadeiro fanatismo contra qualquer um que ouse discordar de seus pontos de vista.
                Como a massa não tem consciência de sua situação, ela é feliz, feliz como o gado na engorda. Não é à toa que Zé Ramalho nos diz, em musica cantada como toada de boi: “Eh! Oh! Oh! Vida de gado Povo marcado eh! Povo feliz...”.
                O homem das multidões de Poe era um homem-massa, incapaz de estar só, mas também incapaz de criar relacionamentos profundos. Sua única aspiração era ser aceito pelo grupo, mesmo que para isso precisasse sacrificar sua identidade. Poe o abandona dizendo que de nada adiantaria continuar a segui-los, pois tudo que se poderia saber dele já se sabe. A massa não tem é oca por dentro. São pessoas de palha, como definiu Ray Bradbury no livro Fahrenheit 451, referindo-se às pessoas que assistiam à televisão.
                A terceira forma de comportamento coletivo é o público. A palavra vem do latim “publicus”, que significa depois da adolescência. Ou seja, público é aquele que alcançou a maturidade intelectual e psicológica.
                A característica do público é ser racional e defender sua individualidade. Enquanto na multidão, o indivíduo quer ser anônimo, enquanto na massa, quer ser igual aos outros, no público ele quer ser ele mesmo.
                O público não se deixa manipular e seus argumentos são frutos de um raciocínio interior. O público defende tal ponto de vista porque refletiu sobre ele e chegou à conclusão de que essa é a melhor idéia, e não porque alguém lhe disse. O comportamento de público é governado pelo neocórtex, a camada mais recente do cérebro, que controla a linguagem simbólica, a leitura, o cálculo, a criatividade e a crítica.
                Em uma perspectiva junguiana, o público é aquele que passou por um processo de individuação e tornou-se capaz de tomar decisões sozinhos, sem precisar de um pai que lhe diga o que fazer. O integrante do público é um livre-pensador. 

A arte impressionante de Mike Mignola

 


Mike Mignola é um artista norte-americano conhecido por seu estilo expressionista com fortes contrastes, perfeita para quadrinhos de terror. Ele ficou famoso no Brasil com a publicação a revista Um conto de Batman - Gotham City, em que o Cavaleiro das Trevas enfrenta Jack, o estripador.  Outro trabalho de destaque foi a graphic Marvel Dr. Estranho & Dr. Destino Triunfo e Tormento. Mignola foi desenhista do filme Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola. Sua criação mais famosa é Hellboy. 












Ironias quadrinísticas

 


Uma das grandes ironias dos quadrinhos é que muitas vezes os criadores de determinado personagem acabam vendo suas crias se tornarem grandes sucessos nas mãos de outro autor. Isso era especialmente comum na era de bronze, em que roteiristas e desenhistas trocavam facilmente entre a Marvel e a DC.
Os exemplos são muitos.
Talvez o mais óbvio sejam os Novos X-men. Eles foram criados por Len Wein, que escreveu o primeiro número e entregou o título para um jovem estagiário da Marvel, Chris Claremont. Afinal, ele tinha coisas mais importantes para fazer, títulos mais importantes para escrever e os X-men nunca tinham sido um sucesso. Pouco tempo depois o grupo de mutantes se tornou um sucesso absoluto, especialmente depois da entrada de John Byrne nos desenhos. Em poucos anos era o título mais vendido da Marvel, os mutantes espalhava-se por vários gibis. O sucesso comercial foi tão grnade que Claremont ficou rico.
Len Wein, aliás, foi o roteirista criador do Monstro do Pântano, que fez algum sucesso na época, mas só se tornaria um sucesso absoluto de público e de crítica nas mãos de Alan Moore.
Aliás, Wein e Gerry Conway eram colegas de quarto. Não se sabe ao certo quem copiou quem, mas na época em que a DC lançou o Monstro do Pântano, Conway lançou o Homem-coisa na Marvel, uma sensação do recomeço do terror na editora, um título que estabeleceu nas mãos de Steve Gerber!
Um dos maiores sucessos da era de bronze foi o Mestre do Kung Fu, criado por Steve Englehart e Jim Starlin. Apesar de existirem na época diversos outros personagens tentando aproveitar a popularidade de Bruce Lee, alguns inclusive anteriores, foi Shang Chi que melhor captou o espírito dessa época. A revista foi uma das mais vendidas da Marvel, sendo publicada por anos... mas escrita por Doug Moench e  com desenhos de Paul Gulacy!
Outro exemplo é o personagem Demolidor, de Stan Lee e Bill Everett.
Everett tinha sido um dos criadores de Namor, o príncipe submarino, um dos maiores sucessos da Marvel na Era de Ouro e Lee queria trazê-lo para o barco nessa nova fase da editora. Assim surgiu o convite para desenhar o personagem. Mas Everett, que na época trabalhava com publicidade, mal conseguiu terminar o primeiro número. Foi substituído por Wally Wood e depois por outros desenhistas. Várias equipes criativas foram se sucedendo no personagem, que vendia cada vez menos.
No início dos anos 80 a revista estava para ser cancelada quando foi assumida pelo jovem Frank Miller, que revolucionou o personagem transformando-o num dos mais vendidos da Marvel. A popularidade do Demolidor de Miller era tão grande que no Brasil ele era o carro-chefe da revista Superaventuras Marvel. O personagem criado por Stan Lee e Bill Everett só se tornou realmente um sucesso nas mãos de Frank Miller.

O que são paradigmas?

 

Uma das expressões mais recorrentes no vocabulário de quem tenta falar difícil é paradigma. No entanto, são poucas as pessoas que conhecem o real significado dessa palavra.
O termo paradigma, no sentido definido pelo filósofo T.S. Kuhn, está intimamente relacionado à ciência e às revoluções científicas. Ele representa um guia, para análise e interpretação da natureza. Ou, como costumo dizer, é um óculo que ajuda o cientista a ver e compreender a natureza.
Vamos a um exemplo. Durante uma aula de ciências, o professor solta uma pedra e ela cai ao chão. O mestre, em seguida, explica aos alunos que o objeto despencou em decorrência da força da gravidade, que o puxou para baixo.
         A explicação é baseada no paradigma newtoniano, segundo o qual matéria atrai matéria. Quanto maior o objeto, mais atração ele exerce. Como nosso planeta é muito maior que a pedra, ele a atrai, e não o contrário.
Assim, o paradigma estabelecido por Newton nos ajuda a observar e entender o fenômeno das coisas que caem.
A explicação pode parecer óbvia, mas não é. Os aristotélicos, anteriores a Newton, tinham uma maneira diferente de compreender o fenômeno. Para eles, a tendência das coisas é voltar ao seu estado natural. O estado natural dos objetos pesados é os locais baixos, assim como o estado natural das coisas leves são os locais altos. Assim, uma pedra cai pelo mesmo motivo pelo qual um balão sobe: ela está voltando ao seu estado natural.
Digamos, no entanto, que, ao invés de cair, a pedra fique flutuando no ar. Professores e alunos certamente ficariam estarrecidos. Por quê? Porque a natureza estaria contrariando o paradigma. A pedra voadora seria uma anomalia, um fenômeno que não se encaixa na expectativa que temos com relação à natureza.
(Detalhe: um bebê não acharia nada de anormal no episódio, pois ele ainda não aprendeu o paradigma segundo o qual as coisas caem quando soltas)
A maioria dos cientistas tende a ignorar as anomalias. “Ei, crianças! Isso é apenas uma alucinação. Essa pedra não está flutuando”, diria o professor.
Mas alguns pesquisadores, jovens e aventureiros, decidem pesquisar a anomalia e descobrem que, para explicá-la, é necessário mudar a maneira como vemos o mundo. São as chamadas revoluções científicas.
A história é repleta de revoluções científicas: o Heliocentrismo de Galileu; a Teoria da Evolução, de Darwin; a Teoria da Relatividade, de Einstein e, mais recentemente, a Teoria do Caos.
Ao contrário do que se poderia pensar, ou do que nos fazem crer os livros de história, os cientistas revolucionários dificilmente são aclamados pela sociedade de seu tempo. Galileu quase morreu na fogueira. Darwin sofreu todo tipo de crítica. A Teoria do Caos chegou a ser acusada de charlatanismo.
A principal contribuição da noção das revoluções científicas parece ter sido acabar com o mito da ciência acumulativa, vista como um muro no qual cada cientista ia acrescentando seu tijolinho. Durante as revoluções científicas, gerações de novos pesquisadores entram em conflito com os cientistas “normais”. E o que definirá se um paradigma irá sobreviver não é a sua cientificidade, e sim sua capacidade de explicar o mundo. E, bem, há uma outra razão: a comunicação. Triunfam aquelas teorias cujos adeptos divulgam seu ponto de vista. 

MAD 13 – Rephorma hortográfica

 




Na MAD 13 eu estava em minha terceira participação na antológica revista de humor da qual eu era fã desde criança. Na época estava entrando em vigor a reforma ortográfica e o editor Raphael Fernandes teve a ideia fazer piada com isso. Para isso, colocamos o professor Pasquale (devidamente renomeado como Pasquase) explicando a rephorma hortográfica. Uma das mudanças se daria no trânsito, onde os palavrões agora seriam politicamente corretos. FDP, por exemplo, passaria a ser “Faça o dispor de passar”. Os desenhos ficaram a cargo de Juarez Ricci. 

terça-feira, dezembro 29, 2020

Xuxulu está pronto para conquistar o universo

 

Xuxulu versão boneco amigurumi. Obra da artesão Cláudia Galvão. Gostaram?

Heróis em ação

 


Heróis em ação foi uma revista que marcou época. Na época os melhores quadrinhos da DC Comics eram publicados ali, como Novos Titãs e, principalmente, o Esquadrão Atari. Esse último era uma história de ficção científica com personagens carismáticos e desenho do espetacular Garcia Lopez. Gerry Conway, um roteirista irregular, que fazia coisas muito boas ou muito ruins, estava num momento inspirado, pois fez ótimo trabalho no Esquadrão. A aventura lembrava os seriados antigos, com o suspense no final do capítulo.  Falando em Garcia Lopez, no início da década de 1980 a Abril lançou uma coleção de figurinhas com os personagens da DC desenhadas por ele. A tais figurinhas tinham efeitos metálicos que maravilhavam a garotada. Infelizmente não comprei na época, mas gostaria muito de tê-lo feito.

A noite do deus negro

 


O número de estreia de coleção A espada selvagem de Conan, da Salvat-Panini trouxe as histórias publicadas na revista Savage Tales, publicação em preto e branco da Marvel voltada para o público adulto.
A comparação entre essas histórias e as HQ publicadas no comic book do personagem são interessantes por mostrar até que ponto a equipe criativa poderia ir quando não era premida pelo comics code.
Entre as obras-primas dessa coletânea está “A noite do deus negro”, adaptação de uma história original de Robert E. Howard com roteiro de Roy Thomas e desenhos de Gil Kane e arte-final de Neal Adams, Pablo Marcos e Vince Colleta.
Confesso que nunca gostei do traço de Kane, embora goste de suas composições. Mas aqui esse traço funciona muito bem, principalmente graças à arte-final inspirada.

A história é interessante, entre outros aspectos, por explorar algo do passado do personagem, em especial sua paixão por uma garota ciméria. O bárbaro volta para casa para encontrá-la, mas descobre que sua vila foi saqueada por guerreiros ruivos de Vanaheim e que a garota foi levada como prisioneira. O bárbaro então começa uma cruzada para resgatá-la.
O texto de Thomas é primoroso. Em uma splash page que resgata os principais fatos da cronologia do bárbaro até então (cortesia de Gil Kane numa de suas composições inspiradas), Thomas faz um texto que não só resgato os principais fatos ocorridos com o personagem até então, mas também cria uma ambientação textual para a história: “...ou nas garras esmagadoras de um homem com cabeça de serpente, e sob o olhar desmorto de um horror gerado nas estrelas... sim! E todas as estranhas maravilhas de um mundo invisível que existe escancarado entre a verdejante terra e os profunos e negros golfos de um maldito infinito”.
E a trama funciona muito bem - crédito, claro, para Robert E. Howard, mas também para seus adaptadores, inclusive na sua conexão com o personagem Kull.

A origem de Asterix

 

Asterix é o personagem mais famoso dos quadrinhos europeus e um dos mais importantes do mundo. O herói gaulês foi criado em 1959, por René Goscinny e Albert Uderzo e desde então tem arrebatado legiões de fãs no mundo todo e estrelado desenhos animados e filmes de sucesso.
     Goscinny é um filho de judeus ucranianos e poloneses. Ainda criança, mudou-se com os pais para a Argentina, onde começou a trabalhar com publicidade aos 17 anos. Em 1949 recebeu uma carta de um tio instalado em Nova York e foi para os EUA, onde trabalhou no mesmo estúdio que outros grandes artistas como Harvey Kurtzman, Will Elder e John Severin, que posteriormente viriam a criar a revista MAD.
     Em 1950 conheceu dois quadrinistas europeus, Jijé e Morris, que lhe apresentaram o editor Georges Troisfontaines. Este, por cortesia, disse que ele passasse em Bruxelas para lhe mostrar seus trabalhos. Só não esperava que Goscinny fosse levar esse convite a sério. Três semanas depois, Goscinny desembarcou na Bélgica e Troisfontaines não teve outro remédio senão empregá-lo em sua editora, destinando-lhe a sucursal parisiense da editora. Lá, Goscinny conheceu Uderzo e os dois começaram uma rica colaboração. Goscinny tinha um texto humorístico genial e Uderzo era um grande cartunista. Essas características já se revelam em U-pah-pah, um índio americano que tem muitas das características que depois viriam a fazer o sucesso de Asterix.
     Além de escrever para Uderzo, Goscinny colabora com vários outros artistas, como Morris na série Lucky Luke.
     Em 1955, Uderzo, Goscinny e o roteirista Charlier tentam criar um sindicato de quadrinistas para defender suas reivindicações.  Ao saber disso, Troisfontaines demitiu os três, que, desempregados, resolveram criar uma nova editora, cujo carro-chefe seria a revista Pilot. Para o número de estréia, Goscinny e Uderzo criaram um simpático gaulês chamado Asterix, mas nem de longe esperavam que eles fizessem tanto sucesso.
     Em 29 de outubro de 1959 surge o primeiro número da revista, trazendo o novo personagem e é um sucesso imediato. A história se passa no auge do Império Romano, quando toda a Gália foi dominada, toda não, uma única aldeia resiste e nela vivem Asterix e seu inseparável companheiro Obelix. O segredo dessa aldeia para resistir ao invasor é uma poção mágica que lhes dá força extrarodinária, preparada pelo druida Panoramix.
     Goscinny exercitou toda sua verve cômica e seu pendor para trocadilhos, que abundam na história. Mesmo os nomes dos personagens são trocadilhos. Asterix vem de asterisco e Obelix vem de Obelisco. A dupla tem um cachorro de estimação, Ideiafix, que ganhou esse nome por tinha a idéia fixa de segui-los para onde quer que eles fossem. Na história, todos os gauleses têm nomes terminados em ¨ix¨, os romanos nomes terminados em ¨us¨ (Acendealuz, Apagaluz, etc).
     O humor se dava principalmente através de situações que se repetiam, mas de modo diferente. Os romanos, por exemplo, estão sempre tentando conquistador a aldeia e sempre levando sopapos  (¨Esses romanos são uns neuróticos¨, diz Obelix), Obelix , que caiu na poção mágica quando bebê, está sempre querendo beber um pouquinho da poção, os piratas sempre têm seu navio afundado quando encontram com os dois heróis... (em uma das histórias mais engraçadas, os próprios piratas destroem o navio ao encontrar com Asterix e Obelix), Automatix sempre reclama dos peixes de Ordenalfabetix, o que gera uma briga na qual se envolvem todos os integrantes da aldeia... e as histórias sempre terminavam num banquete com javali assado, com o bardo Chatotorix amarrado para evitar que cante uma de suas músicas insuportáveis.
     Além das histórias serem muito boas, elas representavam um sentimento nacional francês. Na década de 1950 o país perdia sua importância para a nova potência mundial, os EUA e Asterix acabou se tornando símbolo da resistência cultural francesa.