Uma das poucas áreas em que os
norte-americanos se destacam, em termos literários, é nas histórias policiais.
O gênero foi criado por Edgar Alan Poe em abril de 1841, com o conto Os Crimes
da Rua Morgue. De lá para cá, quase todos os grandes escritores da terra de Tio
Sam se dedicaram, em algum momento de suas carreiras, às histórias policiais,
com destaque para Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Esses dois últimos
chegaram a criar um subgênero, o noir, em que o detetive se envolve com as
histórias, em oposição ao estilo inglês, em que o detetive resolve quase todo o
caso de seu escritório, utilizando apenas o raciocínio lógico. Assim, a
coletânea Mistério à Americana é um prato cheio para os fãs do gênero.
O livro é organizado e tem
prefácio de Donald Westlake. Pouca gente o conhece no Brasil, e, no entanto, é
um dos mais inventivos escritores que já tive o prazer de ler. Sua
especialidade era produzir livros sob uma ótica inusitada. Em O Espião
Pacifista ele mostrava um pacifista bicho-grilo envolvido em uma trama
internacional de terrorismo e sendo obrigado a trabalhar para o FBI. Em A Vida
Secreta de um Homem Sensual ele nos mostra um escritor de erotismo que é um
frustrado sexual. Infelizmente, Westlake só organizou o volume, procurando
histórias interessantes em antologias, revistas masculinas, como a Playboy,
magazine especializados, como a Ellery Queen's Mystery Magazine (que foi
editado aqui no Brasil com o nome de Mistéiro Magazine até a década de 70) e
até revistas acadêmicas, como Oxford American.
O resultado une de escritores
consagrados, como Jeffery Deaver (de O Colecionador de Ossos, que chegou a
virar filme) a nomes totalmente desconhecidos.
Os que estão acostumados ao
gênero policial mais convencional, no estilo Agatha Christie, vão se
decepcionar. A grande maioria da história foge do padrão "Assassinato que
deve ser solucionado por um detetive". Na verdade, em muitos casos, nem
mesmo há um assassinato e, em outros, não há detetive. Em outras situações, o
detetive só se depara com um assassinato quando está investigando um outro
crime mais banal. É o que acontece, por exemplo, com "Milagres!
Acontecem!", de Dough Allyn. A trama toda gira ao redor de um detetive tentando
descobrir a filha desaparecida de uma cantora gospel.
Em "Motel 66"não há
nem mesmo um detetive. A história tem como protagonista uma moça ingênua que
passa sua lua de mel em um hotel de beira de estrada na famosa Route 66. Anos
depois ela volta ao mesmo local e acaba descobrindo que sua estada ali pode
estar relacionada a um crime. A história termina com a sugestão de outro crime,
num clima que beira o cômico.
Em "Saltando com
Jim", um detetive é contratado para proteger o marido de uma bela mulher,
que parece estar envolvido com negócios escusos. Sua investigação o leva a
descobrir que ele está relacionado com o comércio internacional de mulheres e
que o piloto de um avião o está chantageando. Não, contar isso não estraga a
história. "Saltando com Jim", assim como "Milagres!
Acontecem!" são histórias noir, em que a solução do crime é menos
importante que a investigação em si. Já se disse que o policial noir é o mais
próximo que a literatura moderna chegou do teatro grego, em que os personagens
parecem estar sendo guiados por um destino do qual não podem escapar. O
detetive é apenas uma testemunha dessa derrocada.
Há uma história emblemática de
Dashiell Hammett em que um detetive bate na porta de uma casa perguntando por
um adolescente que fugiu de casa. Os bandidos, que estavam na casa, logo
desconfiam e o prendem. Enquanto decidem o que fazer o detetive, eles discutem
entre si e acabam se matando. No final descobrimos que o detetive estava mesmo
procurando um garoto desaparecido e que sua presença na casa era puramente
acidental. É esse tipo de ironia do destino que o leitor encontrará na maioria
das histórias de Mistério à Americana.
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