Atualmente nos quadrinhos, na literatura, na arte, existem trabalhos tão hiper-reais, tão verossimilhantes que muitos acreditam que se trata de realidade. Por conta dessa confusão, há quem diga que trabalhos que utilizam essa estratégia são na verdade fraudes.
Isso aconteceu, por exemplo, com o e-book Delegado Tobias, de Ricardo Lísias. A narrativa usa recortes de jornais e documentos jurídicos fictícios e vários outros simulacros para tecer a narativa.
Alguém, ou ingênuo, ou mal-intencionado, denunciou-o à justiça por falsificação de documentos jurídicos e instalou-se um processo para investigar o caso. Justiça federal, Ministério Público Federal e Polícia Federal foram mobilizados para investigar o caso, com enorme gasto de dinheiro público. Quando ficou claro do que se tratava, cada órgão jogou a culpa no outro e todos declararam que não investigavam ficção. A própria justiça teve que declarar oficialmente aquilo que todo mundo deveria saber: falsificação é falsificação e ficção é ficção (por mais verossimilhante que seja).
A situação é simples: se o autor do livro tivesse entrado num fórum e adulterado documentos jurídicos reais, ele estaria cometendo uma fraude. Ao criar um documento jurídico e incluir em seu livro, o autor só está criando... ficção.
Um outro exemplo, famoso, agora na área de quadrinhos.
No final de cada capítulo de Watchmen, o leitor encontra uma série de anexos: matérias de jornais, recortes de artigos e até o prontuário médico do personagem Roschach.
Esses anexos são fraudes? Não.
Seria uma fraude se Alan Moore tivesse, por exemplo, ido em uma clínica médica e modificado o prontuário de um paciente real. Mas criar o prontuário médico de um personagem fictício é apenas... ficção!
Mas Gian, eu acreditei que determinado personagem de um quadrinho existia! No quadrinho que eu li tinha até a carteira de identidade dele! Isso não é uma fraude?
Não. Isso só demonstra que o autor do quadrinho conseguiu usar bem a verossimilhança para caracterizar esse personagem.
Isso seria uma fraude se, por exemplo, alguém criasse um personagem chamado Peter Parker e forjasse uma carteira de identidade dele para inscrevê-lo no tribunal eleitoral para que esse "personagem" pudesse votar. Ou usar essa identidade para pegar dinheiro emprestado e não pagar.
- Mas, Gian, o quadrinista cobrou pela HQ. Então ele teve lucro. Isso não é fraude?
Claro que não. Se fosse assim, qualquer um que vendesse uma HQ estaria incorrendo em fraude, já que toda HQ usa em maior ou menor grau, estratégias de verossimilhança.
O que caracteriza a fraude é a manipulação de DOCUMENTO OFICIAL visando prejudicar alguém. E todos nós sabemos, crianças, que uma história em quadrinhos não é um documento oficial. História em quadrinhos é apenas... ficção!
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