Confesso que tinha o maior preconceito contra
os quadrinhos Bonelli e mais ainda com relação aos quadrinhos de faroeste.
Certo dia, eu o mestre Antonio Eder estávamos ministrando uma oficina de
quadrinhos em Curitiba e, naquela aula, falei especificamente da ambientação e
da importância de se pesquisar para escrever uma história. Quando terminamos, o
Antonio me disse: você precisa ler Ken Parker. Torci o nariz.
No dia seguinte, ele me trouxe dois volumes,
segundo ele ótimos exemplos do bom uso da pesquisa e do uso da ambientação como
motor da história. Eram os números 10 e 11 de Ken Parker, “Terras brancas” e “A
nação dos homens”. Todo o preconceito que eu pudesse ter se desfez logo nas
primeiras páginas.
A história se passava no Alaska, logo após um
naufrágil que colocara um esquimó, o herói, o capitão e sua esposa perdidos e
sem comida na imensidão branca. Era nítido como Berardi pesquisara sobre o
Alasca e suas características e usara isso com genialidade na história. A
história mostrava o processo de caça e armazenamento da foca, a forma como os
esquimós caçam ursos sem armas de fogo, como sobreviviam a temperaturas abaixo
de 30 graus negativos construindo iglus... toda a pesquisa se encaixava com a
trama e fazia a história fluir. O ápice disso foi o momento em que o esquimó
conta sua poética versão para a origem da humanidade.
Se a pesquisa tinha sido importante no volume
“Terras Brancas”, em “A nação dos homens” é o motor de toda a história, a
começar pelo próprio título, que remete à maneira como poderia ser traduzido
"inuit", a forma como os esquimós se referem a si mesmos.
Essa edição é uma verdadeira aula sobre os
costumes desse povo.
Em um local com tão pouca disponibilidade de
alimento, a capacidade de caçar se torna fundamental. Um rapaz que se mostra
bom caçador tem grandes chances de conseguir uma moça bonita. Mas isso leva a
uma inversão interessante: ter sorte com mulheres é um sinal de que o homem é
um bom caçador, como se as focas se deixassem abater pelo galanteador, de modo
que se acredita que se o rapaz deixar de ter sucesso com mulheres, também
deixará se der um bom caçador.
Um outro exemplo: uma esposa cujo marido não consegue caçar o
suficiente para sustento da família pode conseguir um segundo marido.
Berardi não coloca essas informações de maneira
didática no roteiro. Ele vai construindo a trama a partir disso de forma que o
leitor que não tem muita noção de como é construído um roteiro mal percebe a
pesquisa.
Se não bastasse tudo isso para me fazer
perceber que o meu preconceito contra quadrinhos Bonelli era apenas um
pré-conceito, ainda havia o fato de que essas histórias não se passavam no
velho oeste, mostrando o quanto o gênero tinha uma amplitude de
abordagens.
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