quarta-feira, abril 08, 2020

Ken Parker: terras brancas



Confesso que tinha o maior preconceito contra os quadrinhos Bonelli e mais ainda com relação aos quadrinhos de faroeste. Certo dia, eu o mestre Antonio Eder estávamos ministrando uma oficina de quadrinhos em Curitiba e, naquela aula, falei especificamente da ambientação e da importância de se pesquisar para escrever uma história. Quando terminamos, o Antonio me disse: você precisa ler Ken Parker. Torci o nariz.
No dia seguinte, ele me trouxe dois volumes, segundo ele ótimos exemplos do bom uso da pesquisa e do uso da ambientação como motor da história. Eram os números 10 e 11 de Ken Parker, “Terras brancas” e “A nação dos homens”. Todo o preconceito que eu pudesse ter se desfez logo nas primeiras páginas.
A história se passava no Alaska, logo após um naufrágil que colocara um esquimó, o herói, o capitão e sua esposa perdidos e sem comida na imensidão branca. Era nítido como Berardi pesquisara sobre o Alasca e suas características e usara isso com genialidade na história. A história mostrava o processo de caça e armazenamento da foca, a forma como os esquimós caçam ursos sem armas de fogo, como sobreviviam a temperaturas abaixo de 30 graus negativos construindo iglus... toda a pesquisa se encaixava com a trama e fazia a história fluir. O ápice disso foi o momento em que o esquimó conta sua poética versão para a origem da humanidade.
Se a pesquisa tinha sido importante no volume “Terras Brancas”, em “A nação dos homens” é o motor de toda a história, a começar pelo próprio título, que remete à maneira como poderia ser traduzido "inuit", a forma como os esquimós se referem a si mesmos.
Essa edição é uma verdadeira aula sobre os costumes desse povo.
Em um local com tão pouca disponibilidade de alimento, a capacidade de caçar se torna fundamental. Um rapaz que se mostra bom caçador tem grandes chances de conseguir uma moça bonita. Mas isso leva a uma inversão interessante: ter sorte com mulheres é um sinal de que o homem é um bom caçador, como se as focas se deixassem abater pelo galanteador, de modo que se acredita que se o rapaz deixar de ter sucesso com mulheres, também deixará se der um bom caçador.
Um outro exemplo:  uma esposa cujo marido não consegue caçar o suficiente para sustento da família pode conseguir um segundo marido.
Berardi não coloca essas informações de maneira didática no roteiro. Ele vai construindo a trama a partir disso de forma que o leitor que não tem muita noção de como é construído um roteiro mal percebe a pesquisa.
Se não bastasse tudo isso para me fazer perceber que o meu preconceito contra quadrinhos Bonelli era apenas um pré-conceito, ainda havia o fato de que essas histórias não se passavam no velho oeste, mostrando o quanto o gênero tinha uma amplitude de abordagens.    

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