Segundo algumas estimativas, uma em cada 100
pessoas está dentro do espectro autista. Entretanto, a maioria das pessoas tem
a visão do autista como alguém que vive babando e batendo a cabeça na parede.
Esse estereótipo do autismo dificulta inclusive o diagnóstico. Por outro lado,
as características de pessoas do espectro, como a hiper-sensibilidade ao som,
são vistas apenas como frescura pela maioria das pessoas. Esses foram os
desafios enfretados pela francesa Jule Dachez relatados na história em
quadrinhos A diferença invisível, com desenhos de Mademoislle Caroline e
publicado no Brasil em 2017 pela Nemo.
A HQ narra o cotidiano da personagem fictícia
Marguerite e sua vida repleta de rotinas: as idas diárias à panificadora para
comprar sempre pão de espeita; as dificuldades com os mais diversos sons dentro
da empresa, de pessoas falando ao som de sapatos de salto alto; as dificuldades
de socialização a ponto do momento do intervalo ser considerado o mais
cansativo de toda a jornada. Relata também sua dificuldade de enteder
subetextos e sua honestidade absoluta, a ponto de dizer que a blusa de uma colega
parecer ter cor de “cocô de ganso”. E as pressões, inclusive dos chefes, para
que ela seja mais sociável e que use roupas “mais adequadas” – ou seja, nada de
roupas largas.
Os autistas costuma ser muito sensíveis a barulhos. |
A angústia da personagem é óbvia e começa a se
transformar em depressão até que, em uma busca na internet, ela descobre o
transtorno de espectro autista e sua forma menos conhecida, a Síndrome de Asperger.
Aí começa mais uma odisseia: encontrar alguém
que entenda seus sintomas. Um psicanalista acha que pode ter relação com a mãe.
O médico diz que ela não pode ser autista porque ela olha nos olhos – e
autistas, segundo ele, não olham nos olhos. Uma amiga lhe diz que ela não pode
ser autista porque ela consegue falar, é inteligente e não vive eternamente com
meleca no nariz.
Quando finalmente a personagem encontra um
local específico para diagnóstico de autistas, é uma libertação: ela percebe
que todas as “manias”, como sempre falar dos mesmos assunto, eram na verdade
características do espectro.
Toda essa jornada é narrada de forma muito
sensível e sutil, com os desenhos simples, mas muito expressivos de
Mademoiselle Caroline. O roteiro é bem arranjado para detalhar alguns aspectos
do autismo e da incompreensão das pessoas sobre o fenômeno sem decair no
didatismo. Em mais de um momento, ao longo do álbum, por exemplo, alguém diz à
protagonista que ela não pode ser autista por olhar nos olhos das pessoas – e
isso acaba se tornando um elemento de humor. O leitor ri da falta de
compreensão das pessoas com o transtorno.
Aliás, o título é muito apropriado: o autismo
parece muitas vezes invisível para a sociedade e até para a medicina.
O volume ainda inclui um texto final que
explica o que é autismo, características e até estratégias de adaptação.
Enfim, uma leitura deliciosa e obrigatória.
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