2021, livro organizado pelo meu amigo Edgar Franco e que tive a honra de participar, é um dos mais comentados livros de ficção-cientifica deste ano. A obra recebeu uma resenha incrível de Fábio Shiva. Ouça e leia a transcrição abaixo.
2021 - Ciberpajé (org.) - Resenha de Fabio Shiva.
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Que alegria poder ler esse livro, que certamente se destaca
como um dos lançamentos literários mais relevantes desse nosso Brasil
pós-pandemia! E que honra ter
participado com uma das sete histórias de ficção científica que foram escritas
a partir de ilustrações do genial Ciberpajé Edgar Franco, que é também o
organizador dessa obra incrível!
Tudo é instigante em “2021”, começando pelo próprio título
do livro, que foi inspirado pela percepção de como a nossa própria noção do
tempo está sendo distorcida pela “aceleração incontida da hiperinformação”,
como bem observa o Ciberpajé em sua apresentação:
“Um mundo em velocidade desenfreada no qual 90% da
informação existente foi produzida nos últimos 2 anos e a quantidade de vídeos
postados diariamente em apenas uma plataforma como o Youtube exigiria mais de
200 anos para serem todos assistidos.
Um mundo estranho no qual tudo envelhece em um instante
fulgurante, perde o valor e é descartado pelo desespero quase ensandecido na
busca do novo que dura segundos e também se esvai para o esgoto do tempo
inexpugnável. Tudo é urgente e estranhamente quase nada mais encanta os seres
bombardeados diariamente por milhões de imagens.”
Experimentei uma ressonância profunda ao ler essas palavras,
pois também venho sentindo essas inquietantes transformações em nossa
consciência coletiva. Foi o que me levou a afirmar intuitivamente, no longínquo
ano de 2014, que a Poesia é tão vital para a sobrevivência da espécie humana no
planeta como são as abelhas. Pois é a Poesia que nos permite acessar a dimensão
simbólica e profunda da linguagem (que em última instância é o que nos torna
humanos), em meio ao dilúvio de informações que nos obriga a lidar com o mundo
de forma rasa e superficial, até como mecanismo de defesa para proteger nossa
sanidade.
O título “2021”, portanto, surge como o futuro mais próximo
possível em uma realidade pós-moderna em que “Tudo o que é sólido desmancha no
ar”, como resumiu profeticamente o filósofo da comunicação Marshall Berman. O
próprio processo de concepção do livro parece ter saído de uma história de
ficção científica: o Ciberpajé Edgar Franco, um multitalentoso artista plástico
cujo universo conceitual da Aurora Pós-Humana vem sendo estudado em diversos
trabalhos acadêmicos, reconfigurou sete de suas ilustrações mais marcantes com
o uso de redes neurais, inteligência artificial e Deep Dream. As exuberantes
imagens que resultaram desse processo foram apresentadas a sete escritores brasileiros
de ficção científica, que receberam a missão de criar uma narrativa a partir
das impressões provocadas pelos desenhos do Ciberpajé.
O primeiro conto do livro é “Um exoantropólogo em um mundo
pós-humano”, de Edgar Smaniotto. Na live de lançamento de “2021”, promovida por
Alexander Meireles, do canal Fantasticursos
(https://youtu.be/q7C_x0pFeBk),
Smaniotto fez uma afirmação muito interessante: as distopias são
interessantes na ficção científica, mas em alguns momentos, especialmente como
o que vivemos atualmente, precisamos de utopias. Essa afirmação é lindamente
exemplificada pelo conto de Smaniotto, que nos brinda com uma das
características mais atraentes da FC, que é o maravilhamento do futuro. Lendo esse conto temos vontade de entrar na
história e nadar com as sereias da lua de Júpiter!
Em seguida vem “Et in Arcadia Ego”, de Fábio Fernandes,
conto arquetípico sobre o confronto com o Monstro na Caverna, que traz ainda
uma interessante experimentação com a narrativa de gênero neutro. Fiquei muito
impressionado com algumas sincronicidades que percebi nessa história, tanto com
a história anterior (pela referência a fungos inteligentes), quanto com a que
vem depois (pela referência à mitologia grega). É como se os contos estivessem
encadeados em uma sequência lógica e pré-ordenada, o que torna tudo ainda mais
impressionante, pois sei que os autores não tiveram nenhum contato prévio para
conversar sobre suas histórias e a sequência de apresentação dos contos no
livro segue meramente a ordem alfabética!
Sincronicidades não faltaram na elaboração do conto “O
nascimento do Rei Poedi”, que tive a felicidade de escrever. Poucos dias antes
de receber o convite para participar do livro, passei pela marcante experiência
de reler “Édipo Rei” de Sófocles, obra-prima da tragédia grega e, na sequência,
rever o filme “A Mosca” de David Cronenberg.
Isso me fez perceber as semelhanças entre essas duas histórias,
aparentemente tão distantes: as duas são grandes tragédias onde a maternidade
desempenha um papel crucial. Isso me motivou a traçar um mapa comparativo entre
“Édipo Rei” e “A Mosca” para escrever uma história minha, que fosse como um
terceiro vértice narrativo do triângulo assim formado. Imaginem, pois, o meu
espanto, ao receber do Ciberpajé uma imagem que, em minha mente, só poderia ser
chamada de “A Mosca Édipo”!
Gazy Andraus vem em seguida, com “Onde as (nano)cores se
arvoram”, que se encaixa perfeitamente no mosaico que está sendo construído,
com a narrativa mais sinestésica de todas que compõem o livro, como em uma
necessária e atrativa fusão entre a palavra e a imagem. A leitura desse conto
deixa um leve sabor de cores na língua da gente!
A sensação de propósito é reforçada pelo conto seguinte, “O
aplicativo”, de Gian Danton, que apresenta o elemento de terror, que é tão
intrinsecamente ligado ao universo da ficção científica. E o mais assustador
nessa história é o quanto ela retrata, ainda que metaforicamente, uma triste
realidade de nossos tempos.
O penúltimo conto, “Pandemônyo em Pyndorama: alegrya,
alegrya”, de Nelson de Oliveira foi muito bem descrito por Adriana Amaral, em
seu belo prefácio, “2021 e os descaminhos da pós-humanidade”, como “uma mescla
scifi de antropofagia, tropicalismo e dodecafonismo”, “como se Tom Zé
reescrevesse um funk carioca em forma de conto”.
Fechando com chave de ouro, temos o conto de Octávio Aragão,
“O Ninho no Nariz do Boneco”, em que um aparente cenário de lisergia vai pouco
a pouco revelando uma trama finamente construída de suspense psicológico – com
um toque fundamental de ficção científica, é claro!
É muito estimulante ver autores brasileiros tão criativos e
talentosos em atividade. É muito gratificante poder fazer parte dessa história!
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“Atmosfera Literária
com Fabio Shiva” é um quadro do programa ATMOSFERA 102, da Rádio 102.7 FM (Além
Paraíba – MG), todo sábado de 12h às 14h, com apoio da VERLIDELAS EDITORA.
Apresentação: Fernando Bamboo. Técnico de Som: Venilton Ribeiro.
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https://www.radios.com.br/aovivo/radio-1027-fm/17615
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