segunda-feira, novembro 30, 2020
Gonzaga - de pai para filho
Breno Silveira se especializou em trabalhar vida de músicos no cinema e tirar delas o melhor. Em 2 filhos, ele foi inteligente ao focar a narrativa no pai e seu sonho de transformar seus filhos em astros da música, o que transformou o filme interessante até para quem não gosta de Zezé di Camargo e Luciano, como é o meu caso.
Em Gonzaga, ele focou sua narrativa no conflito entre pai e filho. Foi uma estratégia acertada do roteiro. Cinebiografias costuma pecar por falta de conflito, que é o motor de um filme. O resultado são cenas soltas da vida do biografado. Em Gonzaga, Breno aproveita-se de uma visita que Gonzaguinha faz ao pai e grava com ele uma entrevista como a linha que costura os as cenas. Esse fato realmente aconteceu e em alguns trechos pode-se ouvir o áudio original de entrevista. Nele transparece não só a vida do cantor, mas sua relação difícil com o filho.
Gonzaguinha foi criado pelos padrinhos, quando criança nunca foi em um show do pai e sente-se abandonado por ele. Luiz Gonzaga acha o filho arrogante e comunista. Em meio à conversa, são apresentados os fatos da vida do rei do baião. Eles precisam superar suas diferenças para mostrarem o que realmente sentem um pelo outro (não é novidade para o expectador que os dois se reconciliam e Gonzaguinha torna-se o grande responsável por resgatar a obra do pai. O interessante é saber como isso acontece).
Um ponto positivo a mais é forma como diretor trabalha a música, muitas vezes compondo cenas inteiras em que a narrativa está focada na música, como na ótima cena em que ele volta para casa no sertão. A sequência não tem diálogos, sendo focada na música "Respeita Januário", cujo refrão é conhecidíssimo: "Luis, respeita Januário. Você é mais famoso, mas seu pai é mai tinhoso...". Alías, essa sequência termina com um fantástico plano emblemático: o carro se afasta e a família é filmada pelo vidro do carro e a locução diz: "Eu sai do sertão, mas o sertão não saiu de mim".
Quer um conselho? Assista Gonzaga, de pai para filho, mas separe um lenço.
Mama Guga, de Fernando Canto
A terra na rota fatal – um ensaio para Crise nas infinitas terras
Em 1978 a revista mix Showcase, da DC Comics,
completou 100 números. Para comemorar, a editora publicou um crossover entre os
principais personagens que frequentaram as páginas da publicação.
O roteiro ficou a cargo de Paul Kupperberg e os
desenhos a cargo de Joe Staton.
Na história, a terra é tirada de sua órbita por
um vilão alienígena e isso provoca um “campo de estagnação” que torna o tempo
maluco, fazendo com que pessoas das mais diversas eras apareçam no mesmo
momento. Esse mesmo campo impede que os membros mais poderosos da Liga da
Justiça, que se encontram em missão no espaço, seja acionados. Então caberá a
esses outros heróis deterem a ameaça, capitaneados pelo Lanterna Verde, Flash e
Aquaman.
A história juntaa personagens famosos com desconhecidos. |
Alguns dos personagens que aparecem na aventura
são relativamente conhecidos, como Adam Strange, Espectro ou Elektro. Mas
outros são apenas ilustres desconhecidos, como Rip Hunter, o mestre do tempo,
Guardião do Espaço, Desafiadores do Desconhecido (um quarteto criado por Jack
Kirby antes do Quarteto Fantástico), Desastrado, Bolão ou Cabelo de fogo.
Os Desafiadores do Desconhecido foram criados por Jack Kirby e serviram de inspiração para o Quarteto. |
Ao ler a história o que chama antenção é o
quanto essa edição especial é parecida com a maxissérie Crise nas infinitas
terras. Claro, Paul Kupperberg não é
Marv Wolvman e Joe Staton está longe de ser George Perez. Além disso, o tom
aqui é de humor, enquanto em crise era obviamente de drama.
Mas muitas das ideias que seriam usadas em
Crise já estava lá, incluindo a confusão temporal, as equipes que se dividem
para combater ameaças distintas, o resgate de heróis antigos e desconhecidos.
O tom da história era de humor. |
Além disso, é uma HQ divertida, com uma final
interessante em que quem resolve a situação são duas garotas sem poderes.
No Brasil essa história só foi publicada pela
Ebal em um edição extra da Invictus. Duas curiosidades: na capa a revista prometia
a presença de 100 heróis. A história não tinha 100 heróis. A segunda é que na
Ebal a Liga da Justiça era chamada de Os guardiões.
domingo, novembro 29, 2020
Superman – as quatro estações
Artigo sobre a revista Herói
Meu artigo A revista Herói e o jornalismo infanto-juvenil apresentado no 42o Congresso Intercom de Ciências da Comunicação já está disponível nos anais do evento. Para acessar, clique aqui.
Fundo do baú - O Homem pássaro
Clássicos revisitados – cinema & HQ
Tarzan, o magnífico
Tarzan foi um dos personagens mais populares do
século XX. Suas aventuras abrilhantaram milhares de revistas em quadrinhos,
tiras de jornais, desenhos animados, filmes. Pouca gente, no entando, sabe que
o personagem é oriundo da literatura, criação do norte-americano Edgar Ricer
Burroughs.
Tarzan, o magnífico, publicado pelo clube do
livro em 1976 permite vislumbrar um pouco desse rei das selvas literário.
A história se passa na África, tendo como foco
duas aldeias sui-generis. Nela, mulheres negras aprisionaram homens brancos
perdidos e procriaram com eles durante gerações, criando uma raça de
mulheres... brancas. Cada aldeia é governada por um irmão gêmeo, velhos
carcomidos, que usam pedras preciosas (um enorme diamente e uma enorme
esmeralda) para controlar seus súditos através de poderes mágicos.
A história ecoa algumas das melhores tramas do
desenho animado de Tarzan da Filmation, com suas cidades perdidas e povos
estranhos. Mas o resultado literário fica muito aquém do que se espera.
Para começar, o livro todo é obviamente racista
e nitidamente eurocêntrico. Isso a ponto de incomodar um leitor que normalmente
não repararia nesses aspectos.
À certa altura, por exemplo, um dos brancos
cativos tenta fugir de uma das aldeias e encontra Tarzan. E espanta-se: “Já vi
tantas coisas inacreditáveis desde que
vim para essa região que nem mesmo a visão de um homem de alta civilização
andando por aí quase nu e sozinho causou tanta surpresa quanto seria de esperar”.
Em outro momento, quando um grupo consegue
fugir de uma das aldeias, os negros adotam naturalmente as posições de
carregadores e criados pessoais dos brancos, como se fossem escravos deles.
Um dos personagens americanos se apaixonada
pela rainha de uma das tribos e foge com ela junto ao grupo do parágrafo
anterior. Mas recebe uma advertência de um amigo: embora fosse branca como a
neve, ela tinha sangue negro e, por isso, não seria aceita pela sociedade
americana.
Mas, se ignorarmos esse aspecto, o livro ainda
tem problemas. Tarzan consegue resolver toda a situação por que acha, por
acaso, uma passagem secreta que nem mesmo o rei do local conhece. Esse tipo de
coinscidencia conveniente é chamada na linguagem de roteiro de deus ex machina.
À certa altura, enquanto fogem, os personagens
resolvem se divertir um pouco... caçando leões! Dividem-se em três duplas e
cada um mata um. Impressionante como havia leões naquela época e como era fácil
caçá-los. Pura diversão!
Além disso, a trama fecha, o terceiro ato
termina, e a história continua, como se o escritor não tivesse pensado direito na
quantidade de páginas que a história irai ocupar e resolvesse extender a trama.
Soma-se a isso o fato de que esse Tarzan literário seja muito pouco parecido
com o conhecido por todos nós. Ao invés de se mover pelo alto das árvores em
cipós, por exemplo, ele caminha a maior parte do tempo.
E, claro, Burroughs nem de longe é um grande
escritor. Mesmo na comparação com outros autores pulps, como Rober E. Howard ou
Lovecraft, ou mesmo Conan Doyle, sua narrativa é pobre e muitas vezes confusa. Em
alguns momentos, por exemplo, ele pula para outra cena, em outros locais e com outros
personagens de um parágrafo para o outro, deixando o leitor confuso.
O que realmente fica desse Tarzan literário é toda
a mitologia e toda a ambientação criada por Burroughs, que já aparece nas
primeiras páginas “Nenhuma coisa escapava de seu olhar, nenhum odor, contido no
seio macio de Usha, o vento, passava sem ser identificado por ele. Bem a
distancia, ele viu Numa, o leão, sobre seu posto rochoso de observação; viu
ska, o abutre, circulando acima de alguma coisa que sua visão não permitia divulgar”.
É essa mitologia e essa ambientação que fizeram
o personagem tão popular e que se tornou eterna nos quadrinhos, nos filmes e
nas animações.
sábado, novembro 28, 2020
Creepy - Contos clássicos de terror
A criada
A arte estupenda de Barry Windsor Smith
Uma história de Saravejo
Entre os anos de 1992 e 1995 a Bósnia foi palco
de uma sangrenta guerra étnica. Saravejo, uma cidade até então símbolo de
tolerância, tornou-se o centro sangrento de um conflito em que um civil poderia
ter seus bens expropriados ou até ser morto apenas por pertencer à etnia
errada.
É esse conflito que Joe Sacco narra em Uma
história de Saravejo, publicado no Brasil pela Conrad em 2005.
O principal informante de Sacco é Neven, um
veterano que atuou em uma das milícias que defenderam a capital contra os sérvios.
O álbum todo é costurado em torno da figura de Neven. Ele mente para Sacco, o
explora, inventa histórias, arranja informantes que no final não sabem nada
sobre a guerra, mas querem dinheiro. Mesmo assim, acaba sendo útil por mostrar
o quanto a guerra foi dúbia e o tipo de pessoa que se envolveu nela.
Neven mostra também como Saravejo ficou repleta
de ex-combatentes, pessoas que haviam acostumado a matar e não sabiam fazer
outra coisa. O apartamento de Neven, totalmente caótico e repleto de lixo
espalhado por todos os lugares é a perfeita definição visual de Saravejo no
pós-guerra.
A guerra teve início com a desintegração das
repúblicas comunistas no pós-queda do muro de Berlim. Na Bósnia, o partido
nacionalista sérvio organizou grupos paramilitares para expulsar os não sérvios
e se unir à Sérvia. O governo bósnio tinha sido obrigado a entregar suas armas
para o Exército Popular da Iuguslávia. Quando os sérvios começaram a atacar
Saravejo, só quem podia defender a cidade eram grupos paramilitares,
verdadeiras gangues lideradas por bandidos e até por um cantor pop.
Essas gangues defendiam a cidade, mas também
tocavam o terror. Podiam entrar na casa de alguém e confiscá-la. Matavam
cidadãos de descendência sérvia. Sequestravam civis para cavarem trincheiras,
uma atividade extremamente perigosa num local repleto de franco-atiradores.
Chegou num ponto em que o próprio governo Bósnio, que finalmente conseguira
montar um exército, teve que dar um basta.
Joe Sacco não só conta a história, mas também
faz o perfil de cada um dos líderes de guanges, que se tornaram verdadeiros
astros pop. Entre eles o surpreendente caso de Jusuf Prazina Aka Juka, um
bandido que fora atingido num tiroteio antes da guerra e andava com muletas.
Mesmo com a dificuldade de movimento, era um dos mais cruéis e mais populares,
conquistando a admiração de milhares de fãs e seguidores, que embarcavam com
ele nessa jornada de sangue e atrocidades.
É essa guerra sem mocinhos que Joe Sacco narra
em seu álbum.