sexta-feira, novembro 20, 2020

Desculpe, foi engano

 


            Acho que o meu telefone não gosta de mim. Afinal, ele só toca quando estou dormindo, quando entrei no banheiro, ou estou no quintal, molhando as plantas. Os velhos amigos do tempo da faculdade parecem só decidir me ligar quando estão com insônia. Mas nada disso me irrita tanto quanto os enganos.
            A cada “Desculpe, foi engano” a úlcera dá mais um passo em direção ao controle total sobre meu estômago. Como medida defensiva, passei a aplicar o trote ao contrário.
            Se você nunca experimentou, tente. O trote ao contrário é tão relaxante que é até capaz de fazê-lo esquecer que foi acordado às quatro da manhã, no meio de um sonho com a Giulia Gan.
            O grande segredo é não dizer que é engano. Entre na onda, faça de conta que a pessoa mora mesmo ali.
            - Alô, gostaria de falar com a Marisa.
            - Quem tá falando?
            - O João, o namorado dela.
            - Ei Marisa, é aquele panaca do João! Você não estava namorando com um tal de Paulo? O quê? Ah, sim... pode deixar que eu digo! Alô, João? Eu me enganei, a Marisa não está...
            Certa vez me ligaram da Guiana Francesa.
            - Alô, aqui é o Miguel, da Guiana Francesa. Eu queria falar com o Bode.
            - O Bode não está, mas se você quiser falar com a Cabrita, eu chamo.
            - Ah ah ah! Entendi! Foi engano... desculpe, eu vou desli...
            - O que é isso? Você me liga de madrugada e depois quer desligar assim, sem mais nem menos? Vamos pelo menos conversar um pouco... Como é a Guiana Francesa? A ligação para cá é muito cara?
            Consegui segurar o otário no telefone mais de cinco minutos. Certamente ele pagou caro pelo engano...
            Às vezes eu me empolgo.
            - Alô?
            -  Alô, quem fala?
            - É a Maria. Eu queria falar com...
            - PARABÉNS MARIA! Você acaba de ligar para a rádio Caribé! E já está concorrendo a uma legítima sandália Bahiana. Para ganhar você só precisa responder a uma pergunta: qual é a cor do cavalo branco do Napoleão?
            - Deixa ver... acho que é branco...
            - E... EXATO! Você recebe seu prêmio na portaria da rádio, Rua Mato-Grosso, 1627!
            Meia hora depois eu recebo outro telefonema.
            - Alô, aqui é Maria de novo. É que eu não consegui achar o endereço...
            - Não tem problema. Volte para casa e nós entregamos no seu endereço... E não esqueça de ouvir a rádio Caribé, hein?
            É, eu costumo ser sádico com quem liga para minha casa sem verificar o número. Mas o meu episódio preferido foi de um cara que não sabia nem para quem estava ligando.
            - Alô, eu gostaria de falar com a garota...
            - Como assim? Que garota?
            - A garota que mora aí. Eu não lembro o nome dela.
            Só esse início foi o suficiente para que eu percebesse que se tratava de uma vítima em potencial.
            - Peraí. Você nem sabe o nome dela? Eu preciso de mais dados para poder te ajudar. Como foi que você se conheceram?
            - No barzinho da praça, no ano-novo.
            - Foi mesmo? O que aconteceu entre vocês?
            - A gente se deu uns amassos, mas não rolou sexo não.
            - Sei, sei... e aí ela te deu telefone. Qual é mesmo o seu nome?
            - Mário.
            - Aí ela te deu esse telefone, Mário... e como é essa garota?
            - Ah, alta, loira, com uns peitões...
            - Olha, Mário... aqui em casa só mora eu e minha mulher... e eu estou rastreando sua ligação...
            Tu tu tu tu tu

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