sábado, novembro 14, 2020

Em pouco tempo não teremos mais professores

 


Já há algum tempo se anuncia um apagão na educação brasileira. Uma pesquisa mostrou que apenas 2,4% dos jovens cogitam se tornar professores. Outra pesquisa mostrou que um em cada cinco professores brasileiros tem mais de 50 anos. Em outras palavras: os professores brasileiros são cada vez velhos, em vias de se aposentar (e aqueles que podem se aposentar, estão correndo para fazê-lo em vista da reforma da previdência), e não serão substituídos. É um problema que já se reflete em muitas escolas. É comum vermos notícias de alunos que passam três, quatro meses sem aulas de determinadas disciplinas simplesmente porque não há professor.
Os professores brasileiros estão entre os mais mal remunerados do mundo. Para complementar o salário, são obrigados a trabalhar em diversas escolas. Qualquer um que já tenha lecionado sabe o quanto é cansativa a sala de aula – e tem se tornado ainda mais cansativa com uma geração que contesta o professor o tempo todo baseada em qualquer coisa que tenha visto no zap zap. Algumas poucas horas de aula são extremamente exaustivas. Mas o trabalho do professor não termina aí. Em casa, deve preparar aulas, preparar provas, preencher diários, preencher relatórios. Isso fora as reuniões acadêmicas e de pais e mestres.
Essa rotina estressante aliada aos baixíssimos salários tem afastado cada vez mais pessoas da docência.
Mas, se a  situação é crítica atualmente, pode se tornar ainda pior graças a dois fatores.
O primeiro deles é a reforma da previdência. Até o momento, professores conseguem se aposentar antes da população em geral – é um dos poucos benefícios da profissão. Pelo que se desenha na reforma da previdência, professores passarão a se aposentar na mesma idade que a população geral (ao que tudo indica, apenas militares estarão fora da reforma). Um dos resultados é que os que são professores atualmente e já têm idade pelas regras atuais, vão correr para se aposentar. E não haverá novos para substituí-los.
Outro fator é o projeto escola sem partido. Qualquer um que já tenha tido a curiosidade de dar olhada no site do projeto sabe o que se desenha – uma realidade em que o professor pode ser denunciado por qualquer coisa. Qualquer coisa. O escola sem partido defende que o professor seja denunciado por falar em sala de aula qualquer coisa que vá contra as convicções de alunos ou pais de alunos. Os pais acreditam em terra plana? Podem denunciar professor que ensinar que a terra é redonda. Os pais acreditam em criacionismo? Podem denunciar professor que ensinar teoria da evolução. Os pais acreditam que as vacinas fazem parte de um plano mundial de extermínio da humanidade? Se o professor falar o contrário, pode ser denunciado. A notificação extra-judicial que se encontra no site do escola sem partido chega a ameaçar o professor com prisão e perda de bens.
O que temos visto é uma demonização do professor, que passou a ser considerado o inimigo público número um.
Vamos ser sinceros? Quem, em são consciência, vai querer ser professor em um cenário desses? Salários baixíssimos, rotina extressante dentro e fora de sala de aula, aposentadoria aos 65 anos e possibildade de ser preso e perder tudo que tem porque disse algo que um aluno ou um pai de aluno não gostou? Quem, em são consciência, vai querer ser professor em um país em que professores são considerados o inimigo público número um?
Isso irá provocar um apagão não só na educação. Pouca gente se lembra, mas engenheiros, médicos, programadores são formados por professores. Sem professor não existem outras profissões.
Uma conhecida, coordenadora de curso de medicina, me falava da dificuldade de conseguir docentes. Abria o edital e não aparecia ninguém interessado. Um médico em seu consultório ganha em uma tarde o equivalente ao salário mensal de um professor universitário. 
Os penduricalhos de um juiz são um valor mais alto que o salário de um professor universitário com mestrado. 
Um dos poucos argumentos favoráveis era a questão a aposentadoria, que não vai mais existir após a reforma da previdência (em média, um professor vai levar dez anos a mais para se aposentar, e sem receber o salário integral). E que médico vai deixar de ganhar dinheiro em sua clínica para se aventurar numa profissão extremamente desvalorizada em que correntes de zap zap valem mais que o conhecimento científico estabelecido?
Cada vez mais, o cenário que se desenha é exatamente este: em poucos anos haverá um enorme apagão na educação brasileira. Milhões de alunos sem professor.

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