quarta-feira, março 31, 2021

Idéias de Jeca-tatu tem a maior audiência de todos os tempos


 
O blog está quebrando recordes em cima de recordes. Este mês tivemos o maior número de acessos em um único dia, 3772. Também tivemos a maior audiência mensal de todos os tempos: mais de 102 mil. Para se ter uma ideia do que isso representa, o recorde anterior do blog, de agosto de 2011, auge da era dos blogs, era de 91 mil acessos. 


Zona do crepúsculo

 


Quando comecei a parceria com Bené, essa série já estava sendo publicada na revista Calafrio. Bené tinha publicado uma primeira história, sobre um ladrão que entra num antiquário e acaba se dando muito mal. Ele denominou essa HQ simples de Zona do Crepúsculo em homenagem ao título original do seriado Além da imaginação.
Depois percebeu que havia ali potencial para uma série. Então veio Sonhos de outono.
E Belzebu, nossa primeira juntos nessa série. Lembro que Bené chegou um dia comentando que havia descoberto que Belzebu significava demônio das moscas e achava que isso podia ser aproveitado numa HQ. O resultado foi uma história totalmente não-linear, cheia de flash backs e com um forte conteúdo social. No fundo, o demônio não seria o preconceito? Gostamos tanto do resultado que passamos a usar narrativas não-lineares em quase todas as histórias que fizemos juntos depois disso.
Então o Rodolfo Zalla pediu uma última história para fechar a série, uma história que juntasse as outras.
Mas como? Não parecia haver nada em comum entre elas. Quebramos a cabeça durante muito tempo até perceber que, sim, havia algo em comum: o dono da loja de antiguidades! Assim focamos o último capítulo nele, inclusive com referências às outras.
O leitor mais atento vai perceber uma influência óbvia: A piada mortal. Sim, o demônio da história é nossa versão do Coringa.
Uma curiosidade nessa história é que Bené inverteu o processo. Ou seja: ao invés de desenhar em preto sobre papel branco, ele desenhou em branco sobre papel preto, uma técnica que poucos dominam.
Zalla estava gostando tanto da Zona do Crepúsculo que nos pediu uma capa. Nossa história ia ser a grande destaque da revista! De novo, tínhamos um desafio: como fazer essa página sem revelar o conteúdo a HQ e dentro do espírito. A forma como solucionamos isso mostra como já estávamos afinados à essa altura do campeonato. Passamos longos minutos em silêncio, matutando, e, de repente, os dois soltaram:
- Tive uma ideia!
E era a mesma ideia: o dono do antiquário abrindo a porta, com olhar assustado, a imagem vista como se o leitor fosse quem estivesse do outro lado da porta.

Não adiantou muito. Logo depois a revista acabou e tanto a capa quanto a última parte acabaram não sendo publicados na Calafri. A série só saiu completa na Calafrio mais de 20 anos depois, na nova versão de revista. A revista tem 52 páginas ao preço de R$15,00. Os pedidos da edição e números atrasados podem ser feito pelo e-mail: revistacalafrio@gmail.com.

A Bíblia do roteiro de quadrinhos

 

Há algum tempo, os roteiristas Alexandre Lobão e Leonardo Santana me convidaram para escrever a seis mãos um livro sobre roteiro para quadrinhos.
Na época eu não poderia imaginar a proporção que isso iria ganhar. O projeto foi aumentando, aumentando, até se transformar no que é, provavelmente, o mais completo livro sobre roteiro já publicado no Brasil.
A obra tem praticamente tudo que um roteirista precisaria saber para escrever boas histórias para qualquer mídia.
Alguns assuntos foram tratados no Brasil apenas nesse livro. Já outros assuntos é a primeira vez que são tratados num livro de roteiro provavelmente no mundo, como a verossimilhança hiper-real.
É uma obra de peso (340 páginas!), tanto que decidimos chamar de A bíblia do roteirio de quadrinhos. Essa obra teve seu lançamento oficial em Curitiba sexta-feira passada e já está vendida no site da editora.
Quem quiser comprar comigo, o valor é 60 reais (frete incluso). Pedidos: profivancarlo@gmail.com

A ZOOLOGIA PRESENTE NA HQ CHILENA MAMPATO - III ASPAS NORTE

Não temos vacinas #Deepfake

A arte fanástica de Even Mehl Amundsen

 

Even Mehl Amundsen é um artista norueguês especializado em imagens de fantasia. Seu trabalho mais conhecido foi o concept art para os personagens da saga Senhor dos Anéis. Confira suas imagens incríveis. 













II Congresso Mentes Criminosas



 No dia 25/06, às 15h estarei ministrando uma palestra sobre psicopatas no 2º Congresso Online Mentes Criminosas. Convido a todos a participarem! Haverá diversas palestras, minicursos e mesas-redondas, além de ser totalmente online e com emissão de certificado de 60h!

Vocês poderão comprar os ingressos através do link abaixo. Mas corra, pois o primeiro lote encerra hoje!

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Os pilares da terra

 


Em Os pilares da Terra, Ken Follett construiu uma obra grandiosa, uma verdadeira saga em torno da construção de uma catedral na Inglaterra do século XII.
A história se passa entre os anos de 1123 e 1174. É um período de transformações que irão se refletir principalmente na arquitetura. Até então, as catedrais eram edifícios atarracados, de paredes grossas e janelas pequenas, locais escuros e insalubres. Aos poucos irão se transformar em imponentes edifícios esbeltos, belos, altos, com amplas janelas enfeitadas de vitrais coloridos que filtravam a luz do sol provocando grande deslumbramento nos que as visitavam.
Follett foca sua narrativa na construção de uma catedral fictícia, Kingsbridge e em um homem, Tom Construtor. Mas a narrativa envolve também uma ampla variedade de personagens, do prior de Kingsbridge a uma mulher que se refugiou na floresta depois de amaldiçoar pessoas poderosas que haviam condenado seu marido à forca. É também uma saga que se desenrola por décadas, o tipo de livro no qual vemos os personagens nascerem, crescerem, envelhecerem, acompanhamos seus sonhos, suas frustações e vitórias.
Concentrando tudo, como personagem principal, a catedral. O autor mostra como a construção de uma igreja de tamanha envergadura muda tudo ao seu redor: do comércio que se desenvolve aos conflitos palacianos que se desenvolvem (um dos vilões do livro é um bispo, que jura impedir a construção).
Follett maneja bem duas instâncias aparentemente opostas: a realidade e a ficção. Assim, ele mistura fatos e personagens reais (o mártir São Tomás Becket merece toda uma sequência) com pura ficção. Aliás, o romance pode ser visto ele mesmo como uma catedral: os fatos e pessoas reais são o cimento, que dão sustentação para os tijolos ficcionais.
A narrativa de Follett passa longe de ser elaborada: ele é um escritor que parece estar mais interessado na costura da trama do que em jogos literários. Isso certamente foi um fator que fez o livro se tornar um best-seller, apesar de seu tema de pouco apelo popular. O roteiro é redondo, sem falhas, com fatos que se encaixam perfeitamente, personagens que parecem não ter importância, mas se revelam fundamentais para a trama e segredos que são revelados no momento exato.
A obra é um verdadeiro tijolaço. São quase mil páginas de texto, mas que prendem o leitor – em especial após o primeiro terço. E, ao final, aquilo que poderia afastar o leitor – os detalhes sobre a arquitetura da época – acaba se transformando em uma atração a mais. Eu, ao menos, fiquei curioso para conhecer mais sobre o assunto.
Um único ponto negativo é a capa pouco inspirada da edição encadernada da editora Rocco. Em um livro sobre uma catedral e seus monges e construtores, usaram a imagem de soldados combatendo em frente a um castelo. 

MAD especial quadrinhos

 


De todas as revistas que eu perdi numa das muitas mudanças, a que eu mais me arrependo foi um número especial da MAD dedicado aos quadrinhos da editora Record.

Lembro que ia viajar de ônibus e antes passei na banca do Zé, no São Brás (atualmente o último sebo de rua de Belém) e comprei essa edição. Enquanto esperava para embarcar, lia e gargalhava a ponto de chamar a atenção dos outros passageiros.

Recentemente consegui uma versão em scan dessa revista e me surpreendi em perceber o quanto esse material até hoje parece muito bom.

A reunião de talentos era realmente incrível: Wallace Wood, Don Martin, Sérgio Aragonés... só para citar os mais famosos.

Entre as que eu mais lembrava estava a versão do Superman de Wood, traduzido como Superomi. A história era simplesmente repleta de piadas de fundo, como cartazes pregados nas paredes com mensagens do tipo: “Proibido pregar cartazes”. 



Wood parecia disposto a colocar o máximo de anedotas no menor espaço possível. Fico imaginando o quanto esse tipo de humor influenciou filmes como Apertem os cintos o piloto sumiu. E, olhando em retrospecto, teve influência sobre todos os roteiros de humor que já fiz.  



Outra história desenhada por Wood que me arrancou gargalhadas era uma em que se imaginava o que aconteceria com os personagens de quadrinhos se eles tivesse envelhecido ao invés de se manterem com a mesma idade. Entre as várias sequências, um Super-homem que não tem mais peito ou dentes – e portanto não tem como segurar as balas.



Hoje pode não ser tão conhecido, mas Dom Martin era uma verdeira sensação nas décadas de 70 e 80, a ponto da Mad lançar livros apenas com trabalhos dele. Nessa edição, um trecho de uma história sobre Zorro é digna de nota. Zorro deixa Tonto cuidando dos cavalos e quando volta pergunta se passou muito tempo fora, ao que Tonto responde batendo os pés no chão, como faria um... cavalo! Um humor totalmente visual que só seria possível nos quadrinhos. 



Algo que não lembrava era a quantidade de histórias envolvendo os peanuts. Ao que parece, o sucesso da tira (provavelmente alavancada pelo desenho animado) era estrondoso na época, a ponto de se tornar o personagem mais popular do período. Uma das histórias brinca exatamente com isso, imaginando se o sucesso teria mexido com a cabeça dos personagens.

A mad poderia ser muito boa para falar de política, filmes, seriados, mas era simplesmente insuperável quando falava de quadrinhos.  

Green Book - um filme sobre racismo

 



Green book era uma espécie de guia turístico para negros em viagem ao sul dos EUA. Em uma época de extrema segregação e racismo, o livro mostra os locais onde negros poderiam se hospedar sem correr o risco de levar uma surra.
Green Book é o título do ganhador do Oscar de melhor filme de 2018.
Na história, um brutamontes italiano é contratado como motorista de um famoso pianista negro em turnê pela região sul dos EUA.
O que chama a atenção logo de cara é a inversão que o filme apresenta: um branco trabalhando para um negro em uma época em que isso era praticamente impensável.
Mas o filme vai muito além disso, mostrando uma relação complexa entre empregador e empregado. Tony Lip é um sujeito preconceituoso, como vemos logo no início quando ele joga fora os copos em negros que faziam serviço em sua casa beberam água. Mas, no convívio com o pianista Don Shirley passa a rever seus conceitos enquanto passam por regiões dos EUA em que um negro pode ser preso apenas por sair de casa à noite.
A relação dos dois é muito bem construída, indo do estranhamento inicial à amizade (que se prologou por toda a vida dos dois). A viagem torna-se uma jornada na quais os dois saem transformados.
Peter Farrelly, o diretor, consegue equilibrar perfeitamente denúncia social, humor e drama. Em um ano em que a concorrência ao Oscar apresentou obras-primas, como Roma e Infiltrado na Klan, Green Book mereceu o prêmio.
Uma curiosidade: um dos autores do roteiro é Nick Vallelonga, filho de Tony Lip na vida real.

O preguiçoso fiel

 

Há aproximadamente um mês o vizinho liga o som em volume máximo e passa o dia inteiro sentado, ouvindo a mesma música evangélica, repetindo-a o tempo todo:

Vai mudar, eu sei que a minha vida vai mudar
Vai mudar, eu sei que a minha vida vai mudar
Vai mudar, eu sei que a minha vida vai mudar
Vai mudar, eu sei que a minha vida vai mudar

Além do fato óbvio de estar perturbando os vizinhos e, aparentemente, não ter nenhuma outra música em seu pen-drive, o caso nos leva a refletir sobre como algumas pessoas encaram a religião: acham que não é necessário trabalhar, pois Deus vai lhes dar tudo, mudar suas vidas para melhor, e não é necessário fazer nada. Não é necessário estudar ou trabalhar. Basta ficar parado, sentado, à espera de um milagre, de alguém que bata em suas portas e lhes ofereça um milhão de reais.
Quando eu era criança, dizia-se "Deus ajuda a quem cedo madruga". Hoje, basta dar o seu dinheiro para o pastor, sentar na frente da casa, passar o dia inteiro ouvindo a mesma música e ficar esperando sua vida mudar. 

terça-feira, março 30, 2021

Capitão Aglomeração - o herói que não usa máscara porque máscara é coisa de viado

 


1963: Alan Moore reiventa o passado

 


A minissérie 1963 surge num contexto muito específico. Em 1993, Alan Moore estava há anos sem escrever super-heróis e brigado com as duas principais editoras do gênero, a Marvel e a DC. Nesse período (mais especificamente em 1992), alguns dos desenhistas mais populares da Marvel abandonaram a editora para criar a Image Comics. Aproveitando a especulação dos fãs, que comprovam muitas vezes vários exemplares do mesmo número esperando que os gibis valorizassem, a Image teve vendas estrondosas, tornando-se a terceira editora norte-americana.
Nesse ano, Jim Valentino, um dos sócios da Image, convidou Steve Bissette (antigo colaborador de Moore no Monstro do Pântano) para desenhar um número de seu personagem ShadowHawk. Bissette fez o convite para que Moore escrevesse o roteiro.
Só então Alan Moore resolveu ler os gibis da Image e o que viu não o impressionou. Faltava roteiro e os personagens eram todos violentos e anatomicamente distorcidos. Moore percebeu que parte da culpa dos quadrinhos terem entrado nesse caminho, de heróis violentos, cínicos ou simplesmente depressivos era de Watchmen e decidiu que precisava fazer algo para devolver aos quadrinhos seu lado divertido. Além disso, havia a possibilidade de colaborar com uma editora que estava pisando nas duas principais companhias de quadrinhos.  
Embora não tenha aceitado o convite para escrever ShadowHawk, Moore propôs à editora uma missérie em seis capítulos chamada 1963, com personagens que mimetizavam os heróis da era de prata dos quadrinhos (deveria existir um sétimo capítulo especial, em que esses personagens clássicos se encontravam com os heróis da Image, mas esse final se tornou inviável quando os sócios da editora começaram a brigar entre si).

1963 era um pastiche das histórias da Marvel do início da década de 1963, em especial as escritas por Stan Lee e desenhadas por Jack Kirby e Steve Ditko. O nome, aliás, era uma referência ao ano de maior criatividade dessa editora, em que vários heróis foram criados.
Cada número da minissérie era referência a uma ou mais publicação da Marvel. Assim, Mystery Incorporated era o Quarteto Fantástico. Fury era uma mistura de Homem-aranha e Demolidor. Tales to Atomish foi homenageada em Tale from Beyond (com histórias de N-man, uma espécie de Hulk) e Johnny Beyond (referência direta ao Dr. Estranho). Tales of Suspense deu origem a Tales of Uncanny, com USA (Ultimate Special Agent), um pastiche do Capitão América e Hypernaut, uma espécie mais elaborada de Homem-de ferro. Horus – lord of Light é Thor, o deus do trovão. Finalmente, Tomorrow Syndicate é a versão 1963 dos Vingadores, unindo a maioria dos personagens anteriores em um só gibi.
Moore imitou meticulosamente as publicações da Marvel da década de 1963. No ano que foi publicado, 1993, as revistas da Image e depois da Marvel e da DC se destacavam pelas capas em alta gramatura, coloração por computador e impressão de altíssima qualidade. Moore resgatou o papel jornal, as capas em baixa gramatura e, principalmente, a coloração reticulada, típica da década de 1960. Além disso os títulos, desenhados a mão, mimetizam a tipografia extravagante dos gibis da época.
Os créditos imitam o marketing pessoal usado por Stan Lee nas revistas da Marvel. Assim, por exemplo, na revista Mystery Incorporated, trazia o seguinte crédito: “Sensacional roteiro pelo afável Al Moore”.

Para tornar autêntico até mesmo o processo criativo, Alan Moore abandou o roteiro “full script à prova de desenhista”, em que cada quadro é minunciosamente descrito, em favor do Marvel Way, providenciando apenas um plot entregue aos desenhistas, sendo colocados textos e diálogos posteriormente, como era feito por Stan Lee.
Outro fator relevante de verossimilhança (e. ao mesmo tempo, ironia) eram as propagandas, que mimetizam não só o estilo dos anúncios da Marvel da época como também o clima da guerra fria. A revista Tales of Uncanny traz o anúncio de um pôster de monstro que tem as feições de Stalin (o texto diz que também existe a versão Lenin). Um anúncio publicado na revista The Fury tenta vender um submarino nuclear por apenas 6,98 dólares.
Esses anúncios falsos são misturados com anúncios reais, de camisetas com reproduções das capas e de lojas de quadrinhos. Um deles, da loja Moondog´s, diz: “O poderoso místico Moondog prediz:   No futuro haverá lojas que venderão apenas gibis!”.
Alan Moore não poderia esquecer da sessão de cartas. Na maioria das vezes, o próprio autor escrevia as cartas e as respostas, mas algumas pessoas resolveram “entrar na brincadeira”, incluindo o roteirista Neil Gaiman, que se faz passar por um garoto fã dos personagens que se oferece para revisar os roteiros sempre que eles passarem na Inglaterra e aponta erros, como uma história de Johnny Beyond que mostra a Rainha da Inglaterra morando no Big Bem e policiais britânicos usando armas de fogo.
A imitação era tão perfeita que um leitor desavisado poderia imaginar que estava, de fato, diante de um gibi da década de 1960.
Por conta da briga entre os sócios da Image, a mini acabou não sendo finalizada e, provavelmente por isso, nunca foi publicada no Brasil. É, no entanto, um dos trabalhos mais geniais de Alan Moore.

Em tempo: esse material dificilmente será republicado em decorrência de uma treta do Moore com desenhistas. Entrentanto, é possível encontrar scans na internet. Clique aqui para baixar. 

Os melhores do mundo

 


Super-homem e Batman são os dois mais famosos heróis da DC. Embora sejam totalmente diferentes um do outro, foram unidos em uma das revistas de maior sucesso da Era de Prata, a Word´s Finest (conhecida aqui como Melhores do Mundo). Um dos fãs dessa revista era o desenhista Dave Gibbons, famoso pela série Watchmen. Gibbons propôs à DC fazer uma série, revivendo a parceria. Para desenhá-la foi escalado Steve Rude O resultado foi uma das melhores publicações da década de 1990.
Em muitos sentidos, Melhores do Mundo é o oposto de Watchmen. Se Watchmen teve como principal mérito a desconstrução dos super-heróis, em uma abordagem extremamente realista, Melhores do Mundo é uma homenagem aos heróis e às suas características mais marcantes.
Pelo que pode-se ler do roteiro no final do volume publicado pela Panini, Gibbons deu total liberdade narrativa a Steve Rude, descrevendo apenas sequências, que o desenhista poderia desenvolver de acordo com sua própria narrativa visual. E, meus amigos, Rude é a grande atração da revista. Seu desenho de linhas simples, limpas, mas repleto de detalhes de fundo, é simplesmente perfeito para o projeto. A sequência em que Bruce Wayne visita o Planeta Diário é um bom exemplo disso. Embora o foco seja a convera de Wayne com Lois Lane, as mulheres que passam por eles e olham maravilhadas para o milionário ajudam a caracterizar o alter-ego do Batman como um galã pelo qual todas as mulhes se apaixonam.
O traço limpo e anatômico de Steve Rude era um alívio numa época em que até os músculos dos heróis tinham músculos.

Na história, os vilões fazem um acordo e trocam de cidade: assim, o Coringa vai para Metrópoles e Lex Luthor tenta dominar Gothan. Esse acordo faz com que o Super-homem e Batman também troquem de cidade.
A caracterização dos dois locais é um dos pontos altos da série: Gothan é uma cidade gótica e sombria, suja, enquanto Metrópolis é uma iluminada e dourada cidade art-decó.
Essa dicotomia se reflete também nos protagonistas. Na primeira vez que se encontram, Bruce Wayne e Clark Kent estão abaixo de um relógio, que marca meia-noite e cinco. Wayne diz: “Boa noite”, ao que o outro retruca: “Bom dia”.
Publicada no início dos anos 1990, Os melhores do mundo era um verdadeiro ponto fora da curva numa época em que os heróis estavam se tornando cada vez mais sombrios e violentos e o desenho se tornava uma atração em si (como se fossem pôsteres), deixando a narrativa em segundo plano. Na década de 1990, até os músculos dos heróis tinham músculos.
A série era uma deliciosa volta aos tempos em que os quadrinhos eram apenas divertidos.

Como escrever quadrinhos

 


O livro Como escrever quadrinhos ensina os fundamentos básicos do roteiro a partir da experiência do premiado roteirista Gian Danton. Valor: 25 reais (frete incluso). Pedidos: profivancarlo@gmail.com.

Maria atrás das grades

 


No início da década de 1970, auge da ditadura militar, a vida não era nada fácil para quem fazia quadrinhos eróticos (ênfase no erótico, em que as situações só poderiam ser insinuadas). Os militares consideravam que o erotismo era uma forma do comunismo internacional destruir a família brasileira.
Na época, um dos maiores sucessos era Maria Erótica, criação de Cláudio Seto e publicada pela editora Edrel. Apesar de ser assediada por todos os homens, Maria era virgem - a ênfase das histórias, com forte influência do mangá, era exatamente o fato do ato consumar (na época Maria nem sequer ficava realmente nua).
A Liga das Mulheres Católicas achou que Maria era comunista (afinal, apesar de ser virgem, ela deixava os homens doidos por ela) e a denunciou aos militares.
Os militares invadiram a editora, em busca do autor, Cláudio Seto, mas este morava no interior de São Paulo e só ia à capital para entregar os originais. Sem poder prender o autor e dar uma satisfação às mulheres católicas, os militares resolverem por uma situação surreal: levaram a própria Maria Erótica presa! Os originais da história foram confiscados e levados para a sede da polícia. 
Maria, presa, coitada, só queria amar.
História retirada do meu livro Grafipar, a editora que saiu do Eixo. 

A estrada da noite

 

A estrada da noite conta a história de um astro do rock (Jude) que, ao comprar o paletó de um morto, começa a ser perseguido por seu fantasma, que o culpa pelo suicídio da filha (uma ex-namorada de Jude). O título se refere tanto à morte quanto à fuga do personagem principal, que pega a estrada com Georgia, sua atual namorada, e seus cachorros.
Joe Hill é o pseudônimo do escritor Joseph Hillstrom King, filho do mestre do terror Stephen King. Faz sentido: o sobrenome King traz, inevitavelmente, comparações com o pai, o que pode comprometer a avaliação de um escritor iniciante. Mas, mesmo feitas essas comparações, Hill se sai bem. Seu estilo é um mistura do estilo do pai com o de outros autores, como Neil Gaiman. Ele inclusive cita Alan Moore na epígrafe.
Do pai, Hill herdou a capacidade de criar personagens com os quais o leitor simpatiza. No início, todos os personagens parecem marionetes, chavões: Jude é um roqueiro barra-pesada e grosseiro e Georgia é uma menina desmiolada e fútil. Conforme passam pelas atribulações do enredo, os personagens crescem, ou nós os conhecemos melhor, e aprendemos a gostar e a torcer por eles. 
Por outro lado, o autor mostra uma incrível habilidade para esticar a tensão e o suspense sem deixar que a linha se rompa. A forma como ele faz isso lembra mais Hitchock do que King.
Na comparação, Hill perde em um ponto: ao contrário do pai, ele não se preocupa em criar um clima para suas histórias antes de introduzir o fantástico. Em poucas páginas o primeiro ato acaba e os protagonistas já estão envolvidos no conflito. Em King, na página 10 você já gosta dos personagens, mas não sabe exatamente no que eles estão envolvidos. Com Hill é o contrário.
Por outro lado, o crescimento dos personagens é um ponto positivo. Numa visão mais metafórica, podemos dizer que os protagonistas estão sendo perseguidos não só pelo fantasma do paletó, mas por todos os fantasmas de seus passados.

Noir - quando Gian Danton e Bené Nascimento misturaram policial com terror

 


A história “Noir” publicada na revista Mephisto,  da editora ICEA surgiu meio por acaso. O Bené tinha recebido um roteiro do editor, mas não gostou, achando o desenvolvimento óbvio demais. Estávamos discutindo isso no ônibus, quando o Bené me disse:

- Quer saber? Não vou ilustrar esse roteiro! Vamos criar outra coisa e mandar para eles! E vamos criar agora!

E assim começamos a conversar sobre como seria a história. Bené queria que ela tivesse um clima noir. Eu lembrei de um filme que tinha esse clima e que sempre esteve na minha relação dos 10 melhores: Coração Satânico, de Alan Parker.

Coração satânico tinha uma estrutura na qual um detetive procurava por um homem desaparecido. À medida em que a investigação avança, ele vai vendo todos os seus informantes sendo mortos. No final, ele descobre que o homem que ele procura é ele mesmo e o cliente é na verdade Lúcifer, para quem ele havia vendido a alma.



Imaginamos uma situação assim, mas com um contexto de vampiros, já que vampiros eram um tema de terror clássico e, imaginávamos, iria agradar os editores. Assim, um detetive investigava assassinatos em séries cometidos por um vampiro e, ao final descobre-se que ele é o assassino.

Essa história foi barrada pelo Diretor de arte, Dagoberto Lemos, assim que chegou na editora. Ele argumentou que o desenho do Bené estava muito sujo e a história era incompreensível. Quem nos salvou foi a editora, Neuza de Castro Luz, que bateu o pé e foi falar com o dono da editora. Sua aposta valeu a pena: a revista, que antes vendia 40% da edição, pulou para 70% naquele número.

É um desses casos explicados pela teoria dos paradigmas: como não era da área, Neuza não percebeu que nossa HQ não se encaixava no terror anos 60, típico de revistas como a Mephisto e foi isso que fez com que ela conseguisse perceber as qualidades da história.

Noir fez tanto sucesso que a editora logo em seguida nos pediu mais uma história, nos mesmos moldes. À essa altura nós já sabíamos que a HQ quase tinha sido recusada e resolvemos fazer uma HQ que criticava o terror clássico, Decadence.

O conto da aia

 


Um dos gêneros literários mais importantes do século XX são as distopias. Três dos mais importantes livros do século são nesse gênero: 1984, de George Orwell, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury e Admirável Mundo Novo, de Adous Huxley. Uma obra que merece constar nessa lista é O conto da aia, de Margaret Atwood.
Escrito em 1985, o livro foi redescoberto diante do cenário político atual dos EUA. Foi transformado em uma premiadíssima série do serviço de streaming Hulu.
Mas o que diferencia O conto da aia de seus similares distópicos mais famosos? Essencialmente, o olhar feminino. Tanto o livro de Orwell quanto de Bradbury quanto o de Huxley foram escritos por homens e tinham homens como protagonistas. Margaret Atwood não só escreveu uma distopia com uma protagonista feminina: ela criou uma distopia cujas principais vítimas são mulheres.
Na história, os EUA são dominados por um grupo religioso puritano, que impõe uma rígida disciplina sobre as mulheres. Na história, um desastre em uma usina nuclear, associado a outros fatores, fez com que boa parte das mulheres se tornassem inférteis.
Mães solteiras, ou mulheres divorciadas ou casadas com homens separados são sequestradas e transformadas em mães de aluguel dos comandantes do regime. São obrigadas a usarem um vestido vermelho, que as identifica, e uma aba branca, que limita a visão, da mesma forma que é feito com cavalos. Sua função é ter relações com os comandantes cujas esposas são estéreis. O fruto dessas relações será posteriormente criado pelo casal. Se conseguir gerar um filho, a aia estará livre de se tornar uma Não-mulher e ser mandada para as colônias para onde são enviadas as mulheres inférteis, os gays, pessoas ligadas à indústria pornô e outros. O principal trabalho dessas colônias é limpar material radioativo, de modo que poucos duram mais que três anos.
A protagonista é sequestrada enquanto tentava fugir com o marido e a filha – e boa parte da angústia do livro é ela não saber o que lhes aconteceu.
O horror, em O conto da aia, está nos detalhes. Apesar da rígida rotina, em que uma palavra errada ou um gesto equivocado pode levar mulheres para a tortura ou para as colônias, o que mais impressiona são os detalhes, os pequenos gestos que demonstram a que essas mulheres foram reduzidas.
Em determinado ponto da história, por exemplo, uma das aias consegue conceber uma criança. Todas as aias da região são levadas ao hospital, assim como todas as esposas de comandantes. As esposas seguem em um carro luxuoso, enquanto as aias seguem em uma caminhonete com bancos de madeira. No hospital, as esposas se regalam com um banquete comemorativo enquanto para as aias é servido suco em pó – e a protagonista se sente feliz porque alguém se lembrou de colocar um pouco de álcool na bebida. “Somos úteros de duas pernas, apenas isso: receptáculos sagrados, cálices ambulantes”, diz ela à certa altura.
Outros detalhes são igualmente impactantes, em especial as pequenas coisas que antes a protagonista podia fazer e agora lhe são terminantemente proibidas, tornadas pecados, como poder falar quando quiser, usar sandália no verão, ler uma revista no consultório de um médico...
O livro mostra como essas mulheres, submetidas a uma forte doutrinação são dominadas pelo complexo de Estocolmo: em determinado ponto elas começam a achar que o modo de vida que lhes foi imposto é o mais seguro, elas começam a gostar da prisão nas quais foram aprisionadas. Quando, em determinado ponto, ela consegue folhear uma revista feminina, ela se repreende por não se sentir má ao fazê-lo.
É interessante notar como, na trama o que começou pequeno vai se alastrando. Quando o regime se instala, as pessoas ligadas à pornografia e prostituição simplesmente somem. A protagonista vai comprar cigarros, a moça da loja comenta o assunto e diz que se sente até mesmo aliviada com isso, afinal é apenas o pessoal que trabalha com pornografia. No dia seguinte, a moça não está mais lá. No começo, todas as pessoas ligadas a uma religião parecem não sofrer com o novo regime, mas logo quackers, batistas e católicos começam a se enforcados e pendurados no muro para que todos vejam o que acontece com que não segue a religião oficial. No começo, todos os casamentos religiosos são aceitos, mas logo qualquer mulher que não tenha se casado na religião oficial poderá ser sequestrada e transformada em uma aia. Ou seja: se o totalitarismo não for barrado logo no início, ele logo engole até mesmo aqueles que apoiaram inicialmente o regime ou se acharam isentos de sua intervenção.
Da mesma forma que 1984 foi essencial na época em que foi escrito, O conto da aia se torna fundamental, numa época em que começa a se delinear um novo tipo de totalitarismo.

segunda-feira, março 29, 2021

Imagem exclusiva mostra policial militar que surtou em Salvador

Argo - o cinema como farsa

 

Argo é um filme de 2012 dirigido por  Ben Affleck, ganhador de diversos prêmios, entre eles o Oscar de melhor filme. O sucesso de público e de crítica é merecido. A história é intrigante e o filme muito bem dirigido, criando uma espécie de "triller cabeça", em que o suspense se mistura a questões políticas e históricas.
A película é baseada em fatos reais: em 1979 a embaixada americana no Irã é invadida por manifestantes e todos os seus ocupantes são feitos reféns. Mas seis pessoas conseguem escapar pelas portas dos fundos e se refugiam na casa do embaixador canadense. Para resgatar essas pessoas um agente do FBI cria um filme falso de ficção científica chamado Argo. A ideia é tirar os funcionários da embaixada disfarçados de membros da equipe de filmagem.
Affleck surpreende, criando um filme denso, repleto de suspense: o perigo surge a todo momento e, se a farsa for descoberta, todos serão mortos pelo regime iraniano. Fatos reais, como pessoas enforcadas em gruas de construção, ajudam a dar o clima das cenas.
Uma curiosidade é que para tornar a farsa crível foi criado até um cartaz, um story board e desenhos de produção. Boa parte desses desenhos ficou a cargo de Jack Kirby, o rei dos quadrinhos de super-heróis. Reproduzo abaixo algumas dessas imagens.