segunda-feira, maio 31, 2021

Livro resgata a história dos quadrinhos paranaenses


 

A Biblioteca Pública do Paraná (BPP), por meio do selo Biblioteca Paraná, acaba de lançar o livro Narrativas Gráficas Curitibanas: 210 Anos de Charges, Cartuns e Quadrinhos, do quadrinista, curador e pesquisador José Aguiar. Com 360 páginas e centenas de ilustrações, a obra de referência resgata a memória gráfica local e seus reflexos na cultura nacional, por meio de documentos, biografias e depoimentos.

A edição impressa, com tiragem de mil exemplares, será distribuída para bibliotecas públicas de todos os municípios paranaenses, além de universidades, gibitecas e pontos de cultura do Paraná e de outros estados. Uma versão digitalizada também está disponível para download gratuito aqui . No dia 4 de junho, Aguiar e os pesquisadores Maria Clara Carneiro (Universidade Federal de Santa Maria) e Rodrigo Scama (Uninter) participam de uma live de lançamento para discutir o projeto. O evento acontece às 19h, com transmissão pelo canal youtube.com/BibliotecaPR. Leia mais



Em tempo: O livro me cita em diversos trechos e ainda traz a minha biografia, destacando meu trabalho na criação do Gralha e do Capitão Gralha e da graphic novel Manticore. 

Siga o exemplo dos deuses antigos

 

Amolação interrompida, de Almeida Júnior

 


Almeida Júnior era, essencialmente, um Jeca. Talento precoce da cidade de Itu, foi estudar no Rio, na academia Imperial de Belas Artes, onde era conhecido por suas roupas e linguajar matuto.
Assim que pôde, voltou para Itu e ficou por lá até a cidade ser visitada pelo imperador D. Pedro II, que, ao ver a qualidade do artista decidiu bancar do próprio bolso a ida dele para a Europa.
Mas, em Paris, sonhava em voltar para Itu.
Já no Brasil, assim que ganhou fama o suficiente para usar os próprios temas, passou a pintar os caboclos do interior paulista.
Amolação interrompida é um dos melhores exemplos dessa fase. Na tela, um homem do interior está amolando um machado em uma pedra quando vê o pintor e cumprimenta-o. Na melhor tradição do realismo, a imagem do caboclo não é idealizada. Ele é mostrado como realmente eram os homens das fazendas do interior paulista, os pés descalços, a casa de pau a pique ao fundo.

Sergio - Vagner Moura se destaca em filme sobre diplamata

 


O brasileiro Sérgio Vieira de Melo foi um dos mais importantes diplomatas brasileiros e uma das figuras mais importantes da ONU. Foi responsável, por exemplo, por negociar a independência de Timor Leste, ilha colonizada por portugueses na Ásia que durante mais de uma década foi massacrada pelo governo da Indonésia. Depois do sucesso, ele foi enviado ao Iraque, onde deveria negociar a criação de um governo local depois da queda de Saddam Hussein.
É a história desse homem que Greg Barker conta em Sergio, filme lançado por aqui diretamente na Netflix.
A história do diplomata e sua atuação corajosa em locais de conflito aberto é interessante e vale um filme, mas a obra de Greg Barker tem problemas de ritmo e narrativa. A história é contada através de várias linhas temporais que se interpõem e se alternam com ambientação tão diferente quanto o Camboja, Timor Leste, Bagdá e Rio de Janeiro e de maneira não cronológica. Nem sempre funciona, especialmente porque o diretor americano focou demais na atuação no Iraque (uma guerra que que tem mais apelo para o público norte-americano), abreviando ou simplesmente ignorando todo o resto da atuação de Sérgio ao redor do mundo, de modo que o expectador não consegue entender direito sua importância. 
Para nós brasileiros o filme tem um problema a mais. O filme é originalmente falado em inglês e temos até mesmo Wagner Moura dublando a si mesmo. Mas o que realmente cusa estranhesa são as sequências de Timor Leste. Lá se fala um português mais próximo de Portugal, muito diferente do brasileiro. E, em alguns momentos suas falas são dubladas, e em outros são deixados no original, muitas vezes dentro da mesma cena, o que resulta em dois sotaques completamente diferentes para o mesmo personagem.
O grande destaque do filme acaba sendo mesmo a atuação de Wagner Moura, que se mostra um dos grandes atores da atualidade, conseguindo mudar completamente a cada personagem.

O chamado de Cthulhu

 


H.P. Lovecraft foi o mais importante escritor de terror do início do século XX. Sua obra encontrou tamanha reverberação naquele período conturbado e nos anos subsequentes que muitos passaram a acreditar que seus textos se tratavam não de literatura, mas relatos reais. Boa parte da mitologia desse universo de horror tem sua origem no livro O chamado de Cthulhu e outros contos, lançado em 2012 pela editora Hedra como parte da coleção de obras completas do autor.
Lovecraft nasceu numa família conturbada. Quando tinha dois anos, viu o pai ser internado em um manicômio, onde permaneceu até morrer. A mãe jamais se recuperou da perda e sofreu distúrbios mentais que afetaram profundamente a relação com o filho. O futuro escritor passou a viver uma vida reclusão voltada apenas para seu terrível mundo literário. Precoce, escreveu seus primeiros contos entre seis e sete anos.
Em 1913, irritado com a baixa qualidade dos contos publicados na revista pulp fiction Argosy, escreve uma carta que levou a uma intensa polêmica, ao fim da qual acabou sendo convidado pelo editor a colaborar com a publicação. Suas histórias, no entanto, não fizeram sucesso. Em vida ele só conseguiu publicar um livro, A sombra de Innsmouth (que também integra a coleção da Hedra).
Sua obra só não se perdeu graças a admiradores que em 1939 fundaram uma editora para publicar sua obra. Mas Lovecraft só se tornou um fenômeno de vendas na década de 1960, quando algumas editoras norte-americanas começaram a publicar seus livros com capas chamativas e vendidas em locais de fácil acesso, como postos de gasolina e farmácias.
O que fez com que sua obra inicialmente fosse ignorada e depois se tornasse um verdadeiro culto foi a forma revolucionária com que ele tratava o terror. Lovecraft trouxe para a literatura a angústia provocada pelas descobertas científicas no início do século XX. Até o século XIX acreditava-se que o universo era racional e totalmente compreensível. A ciência estava a um passo de desvendá-lo. A teoria da relatividade e a física quântica viraram o mundo físico de cabeça para baixo mostrando que não sabíamos quase nada sobre o universo.  “O universo de nêutrons, quasares e buracos negros é estranho para nós e nós somos estranhos nesse universo”, escreveu James Turner, na introdução do livro Tales of the Cthulhu mythos (Dell Books).
Assim, na obra de Lovecraft, somos pouco mais que formigas num universo eternamente ameaçado por uma entidade terrível e inenarrável, sejam deuses antigos ou seres alienígenas que desprezam a vida humana. “A coisa mais misericordiosa do mundo é, segundo penso, a incapacidade da mente humana  em correlacionar tudo o q sabe. Vivemos em uma plácida ilha de ignorância em meio a mares negros de infinitude , e não fomos feitos para ir longe”.
 O impacto de sua obra é tão grande que muitos passaram a acreditar que o Necronomicon, livro citado em seus contos, tinha existência verdadeira. De fato, começaram a surgir diversas versões da obra, de modo que o livro, imaginário, ganhou existência física.
Em suma: Lovecraft se tornou, assim como Edgar Alan Poe, um escritor fundamental para todos os fãs de terror ou de literatura de fantasia. E o volume O chamado de Cthulhu e outros contos é uma boa porta de entrada para sua obra.
Cthulhu é uma espécie de entidade monstruosa com corpo de dragão e cabeça de lula. Ele seria um dos grandes antigos, seres inomináveis que teriam chegado em nosso planeta em seus primórdios e criado o homem como forma de escárnio e servitude.  Lovecraft pronunciava seu nome de diversas formas diferentes, dando a entender que se tratava de uma palavra que não poderia ser reproduzida por lábios humanos. Cthulhu seria o alto sacerdote, responsável pelo retorno dos antigos quando as estrelas estivessem alinhadas. Embora seja o mais famoso e imagético, ele é apenas uma das criaturas de um grande panteão de seres fantásticos que habitam o mesmo universo. Nesse sentido, Lovecraft foi um divisor de águas: ele criou um universo no qual ocorrem a maioria de suas histórias, uma mitologia única, de modo que é possível perceber uma costura entre seus contos, alguns pontos em comum que revelam a parte mais terrível de sua obra: a terrível suspeita de há algo muito grande acontecendo à nossa revelia.
É a fundação dessa mitologia que o leitor irá encontrar no livro O chamado de Cthulhu... Além do conto que dá título ao volume, outros se destacam, como “Dagon”, cujas criaturas marinhas serviram de inspiração visual para a história em quadrinhos Neonomicon, de Alan Moore: “o contorno geral das figuras era muito humano, apesar das mãos e dos pés com membranas natatórias, dos impressionantes lábios carnudos e molengos, dos olhos vidrados, arregalados”.
Outro destaque é “A música de Erich Zann”, que, se não estivesse no livro de Lovecraft, poderia se passar facilmente como parte da obra de Jorge Luís Borges. Nele, o protagonista encontra um velho violinista que toca para espantar terrores da escuridão. O início não poderia ser mais Borges: “Examinei diversos mapas da cidade com o maior cuidado, mas jamais reencontrei a Rue d´Auseil (...) Jamais encontrei outra pessoa que tenha visto a Rue d´Auseil”. Talvez não seja por acaso: tanto Borges como Lovecraft são herdeiros declarados de Edgar Alan Poe.
É, portanto, extremamente louvável a iniciativa da Hedra de trazer a coleção completa do mestre do horror. Uma ótima chance para os fãs do terror verem um mestre em ação. De negativo apenas o fato dos livros serem de formatos diferentes, o que certamente deve desagradar os colecionadores.

Segundo os Mitos, a Terra teria sido habitada, há bilhões de anos, por criaturas que aqui teriam chegado antes que nosso planeta fosse capaz de gerar ou sustentar vida por si próprio. Eles, e não Deus, teriam criado a vida: o próprio Homem seria uma criação deles, gerada unicamente por escárnio e servitude.2 Em contos posteriores, fica implícito que os Grandes Antigos seriam criadores do próprio universo, e de todos os seres nele presentes. Isso foi suficiente para que Lovecraft fosse considerado pelas igrejas fundamentalistas do mundo inteiro, que acreditam na versão da criação bíblica, como blasfémio. Os Grandes Antigos teriam Cthulhu como um de seus líderes (de acordo com os contos, seria o Alto Sacerdote, responsável pelo ressurgimento de todos os outros quando as estrelas estivessem alinhadas devidamente).
Lovecraft parecia estar escrevendo para o futuro, para o homem pós-moderno. Tanto que sua obra teve pouco impacto na época, mas depois, como uma bola de neve, foi crescendo de importância a ponto de se acreditar que se tratava não e literatura, mas de relatos de uma realidade desconhecida. A crença na existência do Necronomicon como um livro real demonstra como a obra de Lovecraft se tornou um simulacro, uma ficção é mais real do que o real. E hoje, podemos ver em sites de compras diversas versões do Necronomicon. O livro, totalmente imaginário, ganhou existência física.
O fenômeno Necronomicon revela o aspecto mais apavorante na obra de Lovecraft: e se, no fundo, for verdade? E se o escritor tiver, inadvertida e inconscientemente, descoberto a verdade sobre a realidade em que vivemos? E se formos apenas formigas, seres insignificantes, criados por escárnio, vítimas de um poder grandioso demais para ser compreendido?

Homem-aranha e Destrutor contra o Monolito Vivo

 


No final da década de 70, Chris Claremont e John Byrne fizeram história na revista Marvel Team-Up, que apresentava encontros de personagens Marvel. Toda a sintonia que se tornaria célebre nos X-men já aparecia ali. Mas em 1978, o sucesso da revista dos mutantes (que transformou a revista de bimestral para mensal) fez com que Byrne abandonasse a Marvel Team-Up. Sua última colaboração como desenhista regular do título foi no número 69, com roteiro de Claremont.

O Homem-aranha salva o Destrutor, mas por pouco tempo. 

Na história, o Faraó Vivo sequestra Destrutor, o irmão de Cíclope, com o objetivo de sugar sua energia e assim se tornar extremamente poderoso. Claro que Claremont tinha que encontrar uma maneira de colocar o Homem-aranha na história, então os lacaios do Faraó vão roubar um amuleto místico numa sala da universidade onde Peter Parker estuda, o que faz com que o amigão da vizinhança vá atrás dos ladrões e se veja envolvido com a trama principal.

Aí temos o primeiro problema da história. Há toda uma sequência em que o Aranha salva o Destrutor, apenas para que depois ele seja preso novamente. Como a sequência inteira não ajuda a narrativa a caminhar, dá a impressão de que seu único objetivo é esticar o número de páginas. A história poderia ser muito mais sintética se já pulasse para dentro da embaixada do Egito. Lá, o aracnídeo inadvertidamente transforma o Faraó no Monolito Vivo (por sinal, um dos vilões mais perigosos da Marvel a partir dessa história). Outro ponto falho é Lorna, a namorada do Destrutor, atacada junto com ele e que desaparece da história a partir de certo ponto.

O traço de Byrne muda com a arte-final de Tony de Zuniga e Villamonte.


Mas era uma época em que HQs Marvel tinha uma narrativa fluída, algo ainda mais destacado pelo traço simples e elegante de John Byrne, o que tira a atenção dos problemas.

Uma curiosidade dessa história é que a arte-final ficou por conta do filipino Tony de Zuniga e do sul-americano Ricardo Villamonte, que dão ao traço de Byrne um estilo completamente diferente do que estamos acostumados a ver.

No Brasil essa história foi publicada em Superaventuras Marvel 61.

domingo, maio 30, 2021

Fundo do baú - Túnel do tempo

 


The Time Tunnel (no Brasil, O Túnel do Tempo) foi um seriado de TV realizado por Irwin Allen nos anos 60, que mostrava as viagens no tempo de dois cientistas: (Robert Colbert, como Doug Phillips, e James Darren, como Tony Newman).
Eles eram monitorados por uma equipe que permanecia no laboratório e os acompanhavam em seus deslocamentos no tempo através de imagens que recebiam pelo Túnel do Tempo. A equipe estava sempre tentando encontrar um meio de trazê-los de volta, ou então tentavam ajudá-los por intermédio dos recursos de que dispunham, como precárias transmissões de voz ou envio de armas ou equipamentos, quando possível. Quando tudo falhava, tiravam-nos de uma época e os enviavam para alguma outra data incerta do passado ou do futuro, dando início a um novo episódio.
Os personagens viajavam pelos mais diferentes períodos históricos, indo parar até mesmo no Titanic pouco antes dele afundar.  
Nos episódios eram utilizados imagens de arquivo de filmes da Fox, como O Mundo perdido, Príncipe Valente e até do seriado viagem ao fundo do mar. A regra da televisão na época era: lavou, tá novo.
Devido ao elevado custo de produção, esse seriado durou apenas uma temporada, com 30 episódios.

MAD 18 - No Limite do Senado

 

Na época da MAD 18 dois assuntos estavam na boca de todos: a volta do reality show No Limite e mais um dos inúmeros escândalos de corrupção no Senado, na época comandado pelo famoso bigodudo. Quando o Raphael Fernandes me convidou para fazer a sátira do No Limite pensei em juntar as duas coisas e assim surgiu No Limite do Senado, no qual os integrantes ficam presos em uma ilha e ganha a disputa quem consegue roubar mais dinheiro. O editor Raphael Fernandes teve a ideia de divulgar as imagens da história como se ela tivesse sido censurada por políticos, o que chamou ainda mais atenção para a HQ. Os desenhos ficaram por conta do Anderson Nascimento. 

Roteiro de quadrinhos: a narrativa

 

Skreemer apresenta flash backs de vários personagens


Falaremos agora de um dos temas mais fáceis de serem percebidos e mais difíceis de serem usados numa história em quadrinhos.
                Falo da narrativa. O que é a narrativa? É a maneira como a história se desenrola. Com isso não quero me referir aos diálogos e ao texto, assuntos de que trataremos mais tarde e que pertencem ao mundo da FORMA.
                O tipo mais evidente de narrativa é a linear. Ou seja, é aquela história com início, meio e fim muito bem delineados.
                Por exemplo: um bando de assaltantes resolve roubar um banco. Eles chegam de carro, rendem o gerente, pegam o dinheiro e fogem. É quando aparece o Super-homem e prende todos os malfeitores. Termina a história com os meninos maus atrás das grades e um texto do tipo: "Viram, meninos? O crime não compensa".
                Esse é o tipo de narrativa mais comum de se encontrar nos quadrinhos clássicos (claro que não me refiro a algumas pérolas do roteiro, tais como Príncipe Valente, Spirit ou Capitão César). É o que chamamos de roteiro linear. Há um início, um meio e um fim bem delineados. E também não há complicações no miolo da história. As coisas se resolvem facilmente.
                Imaginemos, no entanto, que o roteirista queira tornar esse roteiro um pouco mais complexo. Ele pode, por exemplo, focar o Super-homem. O homem de aço está numa reunião no Planeta Diário e percebe que o banco está sendo assaltado. Como sair da reunião sem ser notado? Isso pode criar algumas situações interessantes, que vão tirar a atenção do leitor do assunto principal (no caso, o assalto ao banco).
                Isso é bom? Isso é ótimo! O roteirista deve ser, antes de tudo, um sádico. O leitor está louco para saber se o assalto vai se concretizar e você fica enrolando, mostrando Clark  Kent tentando se transformar no homem de aço. Chama-se a isso suspense. Toda boa história tem algum tipo de suspense, mesmo aquelas que fogem do esquema comercial.
                Mas voltemos à nossa história. Imaginemos que os bandidos estão em dois carros. O pessoal de um carro vê o Super-homem interceptando o outro veículo. Eles estão desesperados e tentam fugir. Mas... o destino e o roteirista são cruéis. O carro não pega. O motorista tenta, mas não consegue fazer o motor funcionar.
                Isso vai introduzir um pouco mais de suspense na história e, como já disse, todo suspense é bem-vindo. Podemos, inclusive, melhorar as coisas. Um dos bandidos sai correndo desesperadamente. Ele está  fugindo agora. Está entrando em becos escuros, está pisando em latas de lixo e pulando cercas. Tudo o que ele queria agora era estar em algum lugar seguro...
                O que acharam? Nossa história melhorou um pouco, hein? Mas, apesar de todo o suspense, ainda é uma história linear. Os acontecimentos se sucedem em perfeita ordem cronológica.
                Voltemos ao nosso amigo. Ele corre, fugindo do Super-homem e, enquanto pisa o lixo, pula as cercas e entra nos becos escuros, vai se lembrando do que aconteceu antes. A história é toda contada do ponto de vista das lembranças do personagem. Chama-se a isso flash back. Flash back é tudo aquilo que é contado, mas que aconteceu antes do tempo real da história. É o principal recurso para tornar a história não linear.
Em Piada Mortal os flash backs seguem uma ordem cronológica

                Existem vários tipos de flash backs. No simples, as lembranças do personagem seguem uma seqüência cronológica. Assim, nosso amigo vai se lembrar de quando seus comparsas estavam planejando o roubo para depois se lembrar do roubo em si. Um exemplo de flash back simples é Piada Mortal, de Alan Moore.
                Mas as memórias não precisam, necessariamente, seguir uma ordem. Pelo contrário, elas podem vir embaralhadas, como cartas de um baralho. 
                Certa vez, eu e Joe Bennett (Bené Nascimento) fizemos uma história em que usávamos esse recurso. Ela começava com o Puritano, o personagem principal, sobre uma clarabóia de vidro. Lá embaixo uma garota estava sendo sacrificada num rito satânico. Ele pula e quebra a clarabóia. O tempo real da história se passa em alguns segundo: é o tempo de chegar ao chão. Toda a trama é contada pelas lembranças, tanto de Puritano quanto da moça.
                Poderíamos, claro, ter mostrado primeiro os flash backs da moça e depois os do Puritano. Mas não. Preferimos embaralhar tudo. As lembranças eram mostradas intercalada e numa ordem não cronológica... Outro exemplo de narrativa não-linear é a história Belzebu, escrita por mim e desenhada por Joe Bennett. A história começa do final, e os fatos do passado são narrados como uma lembrança da personagem. No caso dessa história há também uma interessante estrutura de elipse, pois a história começa e termina com um cachorro morto.
Watchmen e o flash back não cronológico

                Um ótimo exemplo de flash back embaralhado é o capítulo quatro (dois no Brasil) de Watchmen, quando Dr. Manhathan está em marte e começa a lembrar do seu passado.
                Outro ótimo exemplo é a mini-série Skreemer, de Peter Millingan. Lá existem tantos flash backs não cronológicos e de tantos personagens que o colorista optou por usar tons pastéis nas cenas de passado. Isso para não confundir o leitor. O resultado é que cada  releitura de Skreemer nos revela novos detalhes da trama. E, falando em detalhes, aí vai um: o tempo real da trama é de 15 minutos, o tempo que Skreemer está esperando para soltar seus balões infectados.
                Um recurso interessante de narrativa que Alan Moore diz ter emprestado de Gabriel Garcia Marques é contar a história através das narrativas de vários personagens. Só que nenhum deles tem a história completa, de modo que o leitor é obrigado a montar a trama  mentalmente, como se montasse um quebra-cabeça.
                O filme Cidadão Kane, de Orson Wells, mostra uma técnica narrativa semelhante. A história é construída através do depoimento de várias pessoas que conheceram Kane e muitas vezes os mesmos fatos são mostrados de maneiras bem diferentes.
                Há um livro da coleção Perry Rhodan que leva ao extremo essa possiblidade narrativa. Dois agentes que se odeiam são mandados para realizar, juntos, uma missão em um planeta distante. A aventura é contada através do relatório dos dois. Acontece que os dois documentos são absolutamente discordantes. Um fato é mostrado como heróico em um dos relatórios e patético em outro. O resultado é muito divertido de se ler.

The Hunters

 


Quando terminou a II Guerra Mundial, muitos dos principais cientistas nazistas foram levados para os EUA, onde seriam fundamentais para o projeto Apolo, que levou o homem à Lua. Na década de 1970 caçadores de nazistas começaram a identificar criminosos de guerra que haviam se refugiado nos Estados Unidos e denunciá-los. Esses dois fatos reais foram aproveitados para bolar uma das séries mais interessantes da atualidade: The Hunters.
Na história, um grupo de sobreviventes, após ver que suas tentativas de denunciar nazistas não davam em nada, resolvem montar uma equipe para matar os mesmos. No meio desse processo, acabam descobrindo que os nazistas organizaram um grande plano para implementar o 4º Reich e precisam impedi-los.
A série lembra muito seriados famosos das décadas de 70 e 80, a exemplo de Esquadrão classe A, em que um grupo de renegados com características e habilidades muito diferentes luta contra vilões enquanto são caçados pela lei. E une isso com um clima Tarantino de muita violência estilizada, visual retrô e uma trilha sonora maravilhosa, que inclui até Tim Maia na sua fase racional. Acrescente a isso uma narrativa que oscila bem entre o dramático, o humor ácido e até a metalinguagem – impagáveis os inserts feitos na forma de comercial na qual se ensina como identificar um nazista ou um show de variedades em que ganha quem consegue advinhar porque os judeus são tão odiados (a vencedora ganha com a resposta: “Porque são judeus!”).
A primeira sequência do primeiro episódio é, literalmente, matadora: um nazista que trabalha como conselheiro da casa branca está fazendo um churrasco com amigos quando uma das convidadas o reconhece como criminoso de guerra. Ele simplesmente saca uma pistola e mata não só ela, mas todos os presentes – e depois consegue convencer a todos de que foi o sobrevivente de um massacre.
A série tem algumas incoerências, como idades dos personagens que não batem – a garota que reconhece o nazista na primeira sequência, por exemplo, é nova demais para ter sido sobrevivente de campo de concentração. Mas é um detalhe que pode ser facilmente relevado diante de todo o resto.  
Poderia-se dizer, então, que The Hunters  é uma das melhores séries da atualidade? Sem dúvida nenhuma – se você ignorar completamente o último capítulo. Ali os roteiristas forçaram a mão num plot twist totalmente desnecessário e muito forçado. Uma boa ideia seria assistir ao seriado e simplemente pular esse capítulo.  

Demolidor – roleta russa


No ano de 1982, Frank Miller publicou, em Daredevil 191, aquela que é, com certeza uma das melhores, senão a melhor história do Demolidor de todos os tempos.

Chamada de Roleta Russa, a história mostra o Demolidor visitando o Mercenário no hospital. O vilão havia ficado paralítico no confronto com o herói logo após a morte de Elektra.

“Você deve estar se perguntando por que eu vim aqui, não, Mercenário? Por que o Demolidor, o homem-sem-medo, ídolo de milhões, quis passar uma linda noite de outono em companhia de seu maior inimigo. A resposta é muito simples... eu estou aqui para jogar com você. O jogo se chama Roleta Russa”, diz o texto, representando o pensamento do personagem.

O Demolidor joga roleta russa com um de seus maiores inimigos. 


E, na sequência, o Demolidor atira em si e no vilão, alternadamente, testando a sorte (na roleta russa há apenas uma bala no cilindro) e contando a história que o levou até ali.

A trama em flash back é sobre um menino que é fã do Demolidor, o que poderia gerar uma bela história emocionante. Mas Miller transforma isso num conto ácido e violento quando o garoto vê o Demolidor, seu ídolo, atacando o próprio pai (um corrupto sem escrúpulos) e atira num colega de escola.

Tudo nessa história é revolucionário, a começar por fugir do maniqueísmo das histórias de super-heróis. O demolidor é realmente um herói? Suas ações são sempre acertadas? Até mesmo a relação com o pai é colocada em dúvida. Depois de chamar o pai de um homem de verdade, Matt Murdock se lembra de quando este bateu nele após reagir a garotos que rasgaram seu livro de estudos. 

A diagramação era inovadora. 


Do ponto de vista narrativo, a história era ainda mais revolucionária. Miller quebrava uma imagem em vários quadros, simulando o passar do tempo com o texto, alternava closes com planos gerais, fazia quadros enormes com uma imagem pequena. Era um tipo de diagramação muito inovadora para a época (o ápice do estilo que Miller vinha construindo), e que reforçava em muito o forte teor emocional da história.

E tinha os pensamentos do personagem expressos como balão legenda, que davam uma outra dinâmica para os quadrinhos. A influência disso foi tão grande que os balões de pensamento foram praticamente aposentados na década de 80 (vale lembrar que Alan Moore, a outra grande estrela do período também preferia usar balões-legenda ao invés de balões de pensamento, o que reforçava esse novo estilo).



No Brasil essa história foi publicada em Superaventuras Marvel 44 e teve um impacto enorme junto aos leitores.

Uma curiosidade sobre essa HQ é que essa foi uma das poucas dessa fase de Miller no Demolidor que não contou com arte-final de Klaus Jason, o eterno parceiro de Miller. A honra coube a Terry Austin.

sábado, maio 29, 2021

A arte comestível de Ju Duoqui

 

Ju Duoqui é uma artista chinesa famosa por recriar obras clássicas da pintura usando... comida! Batatas transformam-se em Napoleão, Tofu vira Monalisa. Confira a obra dessa artista original. 








Crime e castigo

 


Garth Ennis é conhecido pelos roteiros mirabolantes envolvendo anjos e demônios, muita violência gráfica exagerada e uma quantidade enorme de piadas ácidas a cada página. O melhor trabalho dele, no entanto, não tem nenhum desses exageros. Crime e castigo, de 1997, é apenas uma puta história policial.
A trama é sobre um homem de meia-idade com dois filhos que de repente vê voltar um fantasma do seu passado e é obrigado a empreender uma fuga alucinada.
Quando era jovem, Jimmy e dois amigos deram um golpe em um mafioso psicopata e agora, anos depois, ele está de volta, decidido a matar todos.
A trama é extremamente violenta. 


A história se equilibra entre os flash backs (a esposa morrendo de câncer, a relação com o pai veterano da II Guerra Mundial, os detalhes do golpe), a relação conflituosa com o filho mais velho e a caçada.
Stein, o vilão, é como uma sombra, um adversário aparentemente invencível que brinca com os fugitivos como se estivesse num jogo de gato e rato. Em determinado ponto, o protagonista deixa seus filhos na casa de um amigo enquanto se encontra com os dois ex-parceiros. Quando volta, o amigo está pendurado na parede do quarto onde a menina dorme, suas tripas expostas.
Crime e castigo consegue ser um triller de suspense, uma trama sensível sobre pais e filhos e uma história poética. Tudo junto no mesmo caldeirão. Contribuiu muito para o resultado final o desenho do veterano inglês John Higgins.
Essa minissérie da Vertigo foi lançada por aqui pela editora Abril em 1998, um ano depois de sair nos EUA pela Vertigo.

O uivo da górgona

 


Um som se espalha pela cidade (ou pelo estado, ou pelo país, ou pelo mundo?). Um som que ouvido transforma as pessoas em seres irracionais cujo único o objetivo são os instintos básicos de violência e fome. É o uivo da Górgona.
Acompanhe a história dos sobreviventes neste livro de terror, uma história de zumbis diferente, em que qualquer um pode se transformar, bastando para isso ouvir o terrível uivo da górgona.
Escrito em capítulos curtos, o livro transforma o suspense em elemento de fantasia, prendendo o leitor da primeira à última página. 
Pedidos: profivancarlo@gmail.com. 

O processo de produção de Alfa, a primeira ordem

 

Alfa, a primeira ordem, é um projeto idealizado por Elyan Lopes (Elenildo Lopes)
 unindo diversos heróis brasileiros da atualidade com heróis clássicos como o Capitão 7. 
Eu fiquei responsável pelo roteiro e a revista passou por um processo de criação interessante e inédito para mim. Pela primeira vez trabalhei com o plot de outra pessoa. O Elyan me passava o plot, muitas vezes eu fazia sugestões e, aprovadas as sugestões, eu escrevia o roteiro. Para demonstrar como foi esse processo, do plot à página final, coloco alguns elementos criativos de uma das sequências. 
Em tempo: Alfa, a primeira ordem, está sendo lançado este mês e poderá ser adquirido através do site da editora Kimera

O plot
Sequência 4 – Inimigo imortal
Dante Investigação: Op. Bravos: Sucesso.
Em algum lugar das Chapada dos Guimarães – Minas Gerais

Para tentar explicações sobre os heróis nacionais e todo esse descaso ele resolve pesquisar os heróis antigos brasileiros e acaba encontrando um registro de uma luta antiga contra um vilão chamado considerado imortal no local conhecido hoje como chapada diamantina contra os heróis chamados de A Primeira Ordem que reunia vários super-heróis nacionais como Capitão 7, Capitão Gralha, O Flama, Raio negro e Homem Lua Capitão RED está certo que alguém muito poderoso fez tudo isso sem nenhum registro em meio a um colossal conglomerado de buracos gigantescos e instalações recentemente abandonadas em meio a vegetação da região. Ele foi para ali baseado em suas pesquisas internas na operação batizada de Operação Bravos, uma operação abandonada pelas autoridades que ele mesmo resolveu dá continuidade com seus amigos na PF. Quando de repente sofre um golpe na cabeça. Ao acordar está de frente a uma espécie de espelho gigantesco em formato de ^ em sua cabeça refletindo-o então algo muda e no lugar no mesmo lugar onde sua imagem era refletida agora surge a sua versão feminina passando através do espelho e quase o beijando. Então a alguém o questiona da escuridão sem mostrar o rosto. Não acha que foi muito longe Capitão? Flama espiona o Capitão R.E.D que está cercado de clones mascarados sendo torturado. Quando de repente o Capitão R.E.D começa a reagir então o mesmo entra na briga e juntos derrotam os clones mascarados e se tornam amigos depois disso.


O roteiro 


Página 13

Q1 – O Capitão Red num campo, na chapada diamantina. Ele está de frente para nós, andando, com a chapada ao fundo. 
Texto: Chapada diamantina.
Texto: Seu nome é Capitão Red e ele sente que este é o lugar.
Texto: A maioria das pessoas só consegue ver o mundo como peças soltas de um quebra-cabeça. Mas não o Capitão Red.
Q2 – Close do Capitão.
Texto: Ele foi treinado para ver o conjunto, para ver as conexões entre fatos isolados.
Para montar o quebra-cabeça.
Q3 – O herói andando, sempre de frente para nós (na página seguinte vamos mostra-lo de costas e mostrar o que ele está vendo, ok?).
Texto: As notícias aparentemente aleatórias na TV. O caos se alastrando pela sociedade.
Q4 – O Capitão andando.
Texto: Peças soltas que não pareciam fazer sentido. Mas para ele fez. E, de alguma forma, suas investigações o trouxeram até aqui, à chapada diamantina.

Página 14
Q1 – Splash page dos heróis do passado (Flama, Capitão Gralha, Capitão 7, raio Negro, Homem-lua) lutando contra uma versão de Ares.
Texto: Os velhos se lembram de uma época em que heróis voaram sobre este local.
Texto: Eles vieram dos mais variados locais para enfrentar uma ameaça terrível. E desapareceram.
Texto: Mas o que eles deixaram para trás…

Página 15
Q1 – Splash page. O capitão parado, olhando para cima, diante de uma enorme estrutura alienígena. Quadro de impacto.
Texto: … é impressionante!

Página 16
Q1 – O Capitão Red entrando na estrutura. 
Texto: Ele entra na estrutura enorme, sentindo-se pequeno.
Q2 – O Capitão olhando à volta, ao ambiente que parece uma catedral gótica alienígena. Ele parece inebriado.
Texto: No passado, grandes heróis lutaram aqui: O Capitão 7, o Flama, o Homem-lua, o Capitão Gralha, o Raio Negro. Este local está impregnado de heroísmo...
Q3 – Algo bate na cabeça do capitão e ele cai.  
Texto: ...E mistério!
Q4 – O Capitão abre o olho. Ele está preso, braços presos ao teto. Em volta dele vários clones com armas de raios que se parece com chicotes. Há um espelho na frente dele.
Capitão: Onde... onde estou?
Texto: Ele acorda. Sua cabeça é um emaranhado de fios descapados de eletricidade e dor...  
Q5  - O capitão num ângulo mais aberto, mostrando ele em frente ao espelho. Uma voz fala com ele, na escuridão. Uma versão feminina sai do espelho e anda na direção dele. Faça o quadrinho esfumaçado, como se fosse um sonho. Voz em off, em balão diferente, como se fosse parte do sonho.
Texto: ... e delírio.
Voz: Capitão...
Q6 – A versão feminina se aproxima do Capitão, sedutora.
Texto: Ele vê uma versão de si mesmo, feminina, vinda de sonho, de outra realidade ou de seu subconsciente. E uma voz fantasmagórica que reverbera, aumentando a cefaleia.
Voz: Não acha que foi longe demais?

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Q1 – O capitão sendo açoitado pelos clones.
Texto: A visão e a voz desaparecem, como num sonho e em seu lugar sobra apenas a dor. Ele se pergunta se este será o dia de sua morte...
Q2 – Vemos o Flama em primeiro plano, no alto, de costas para nós, vendo o capitão sendo torturado. Ele está agachado, pronto para pular.
Texto: ... mas hoje talvez seja seu dia de sorte.
Q3 – O Flama pula sobre os clones.
Flama: Ei, rapazes. Ninguém em convidou para a festa?
Q4 – Flama chutando um dos clones enquanto o outro fala.
Clone: Quem é esse?
Q5 – Flama chutando clones enquanto os outros tentam acertá-lo com os chicotes.
Flama: Mais respeito com a história! Sério que ninguém nunca ouviu falar do Flama?

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Q1 – Flama soltando o Capitão.
Flama: Acho que o amigo também vai querer tirar uma lasquinha...
Q2 – O Capitão, solto, vai na direção dos vilões, socando a própria mão, num gesto de quem está preparado para bater.
Capitão: Pode apostar nisso!

Q3 – Quadro de impacto, ocupando dois terços da página do Capitão e de Flama detonando com os vilões. 

O rafe 
Rafe é um esboço da página, com desenhos soltos, que servem mais para orientar o desenhista na confecção da página. Também serve para que o editor e o roteirista possam identificar alguma mudança necessária antes da página final ser produzia. Neste caso, não houve muitas mudanças. 
A página em lápis 
Aqui temos a página já sendo desenhada na sua versão definitiva mais ainda inacabada. Abaixo, a versão final do lápis mais detalhado. 
Versão final 
A arte-final e as cores foram feitas no computador. Aqui o resultado final. 
Gostaram? Alfa, a primeira ordem é um projeto incrível e que tenho muita honra de ter participado. Se ficou interessado, adquira seu exemplar no site da editora Kimera..