quarta-feira, junho 30, 2021

Fundo do baú - Caverna do Dragão

 


 Caverna do Dragão foi um desenho animado criado em 1983, nos Estados Unidos, baseado no RPG Dungeons and Dragons. Entre os seus criadores estão o roteiro de quadrinhos Mark Evanier, famoso pelo personagem Groo.

A série mostrava as crianças entrando em uma espécie de trem fantasma que se transformava em um portal para uma dimensão repleta de dragões, magos, anões e diversas outras criaturas mágicas. Nesse mundo eles conhecem o Mestre dos Magos e o vilão Vingador. A maioria dos episódios girava em torno da tentativa dos mesmos de voltarem para a terra, algo que eles nunca conseguiam.
No Brasil, assim como nos EUA, a série foi um enorme sucesso. Entretanto, ela foi descontinuada depois da terceira temporada, no auge da fama. Na verdade, nem mesmo o último episódio dessa temporada foi produzido. A razão é que a empresa responsável pela marca Dugeon and Dragons faliu e a produtora CBS e a Marvel resolveram parar a produção.
O fato de não ter sido um final transformou o desenho em uma lenda urbana. Começaram a surgir vários finais alternativos, escritos na forma de fanfic. O mais famoso deles dizia que as crianças estavam no inferno e que o Mestre dos Magos e o Vingador eram a mesma pessoa.
Entretanto, existiu o roteiro de um episódio final da terceira temporada com o título de Réquiem. Escrito por Michael Reaves, que pode ser considerado o final oficial:"Este episódio foi escrito de forma que tivesse um duplo sentido, ambíguo e triunfante: se o desenho não continuasse, o final seria satisfatório; se continuasse, o episódio serviria de trampolim para uma nova direção". Esse episódio deveria se chamar redenção, mas os produtores acharam que o título era muito explícito.
Recentemente o roteirista disponibilizou o roteiro na internet e o brasileiro Reinaldo Rocha fez a versão em quadrinhos. 

Capas de revistas da Grafipar

 


Grafipar foi uma das mais importantes editoras brasileiras de quadrinhos. Especializada em quadrinhos eróticos, ela inundou as bancas no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 com uma enorme variedade de revistas com a nata dos quadrinhos nacionais. Confira algumas capas da editora.
















Antropofagia cultural

 


Uma discussão que tem intrigado intelectuais, artistas e pesquisadores é a cultura brasileira. O que é cultura nacional? Quais são as suas manifestações legítimas? Ela existe mesmo, ou, ou somos simples imitadores? Uma resposta curiosa para essas perguntas é representada pela antropofagia cultural.
Esse ponto de vista ganha uma metáfora na desafortunada viagem do Bispo Sardinha. O episódio se passou na época do Brasil Colônia. O sacerdote teve sérias desavenças com o Governador Geral do Brasil, em Salvador. A coisa se tornou tão séria que a Corte o chamou a Portugal para que explicasse a situação. Ainda na costa brasileira, o barco naufragou e os sobreviventes nadaram desesperados até a praia. Deram azar. Os índios antropófagos  estavam lá, esperando que a comida chegasse até eles. Que me desculpem o trocadilho, mas jantaram o sardinha.
O mesmo fez o povo brasileiro com a cultura que veio de fora. Ela foi jantada e digerida. Danças típicas, como a quadrilha e o carimbó, tiveram sua origem nos salões nobres da Europa, mas aqui foram misturadas com o tempero índio e negro, transformando-se em  algo completamente diferente, típico do Brasil, embora tenha suas origens no estrangeiro.
Quando Gilberto Gil e os Mutantes introduziram a guitarra elétrica na MPB, muitos chiaram. Para os patrulheiros de plantão, usar esse instrumento era se render à dominação cultural americana. Quem conhece a Tropicália sabe que foi exatamente o oposto que aconteceu. A mistura de ritmos, instrumentos e influências deu origem a algo completamente novo e inusitado, genuinamente nacional. Outro exemplo é Raul Seixas com seu rock misturado com forró, repente e baião
Mais recentemente tivemos outros exemplos, ainda na música. Chico Science e Pato Fu fazem uma música sem fronteiras, misturando ritmos e dando continuidade a uma tradição que remonta aos primeiros antropófagos que jantaram os náufragos europeus.
O mesmo fenômeno pode ser visto no cinema, literatura, quadrinhos e televisão. Veja-se o caso das telenovelas. Inicialmente realizadas com roteiros importados do México ou de Cuba, elas acabaram tomando uma “cara” nacional. O Brasil inventou um jeito de fazer novela que é reconhecido em todo o mundo e supera em qualidade até mesmo quem nos serviu de modelo.
Fechar-se em si próprio não parece ser a característica do brasileiro. Estamos sempre abertos ao novo, ao que vem de fora. Exemplo disso foram os imigrantes que ajudaram a construir o país e fizeram de nossa população um fenômeno de mistura e beleza. Observar as arquibancadas de um jogo do Brasil é observar um espetáculo miscigenação. Há desde pessoas negras a loiras de olhos azuis.
A maioria de nosso povo é uma mistura de negros, índios, portugueses, espanhóis e italianos. O mesmo ocorre com nossa cultura. Nossa ótica é a da mistura. A cultura nacional parece ser uma mescla de várias outras, mas é também extremamente original.
Somos, portanto, antropófagos. Antropófagos culturais.
Mas para que o canibalismo não degenere em macaquismo (imitação pura e simples) são necessários alguns cuidados.
O primeiro deles, claro, é preservar o que já temos. Não se faz antropofagia abandonando o que já existe para adotar o que vem de fora, e sim misturando o alienígena com o nacional. Como mixar rock com maracatu. Ficção-científica com cordel. Chiclete com banana. Se não preservamos e não damos valor ao que já faz parte da cultura nacional, então seremos eternos imitadores.
Um outro cuidado é fazer uma leitura crítica do que chega até nós. Os índios antropófagos escolhiam as melhores partes para devorarem (preferencialmente o cérebro, pois se acreditava que a inteligência da vítima passaria para o guerreiro). Andar por aí usando camisas de universidade americanas ou vestido de cowboy não é antropofagia, é macaquismo.
Podemos, claro, aproveitar até mesmo o lixo cultural que chega até nós, mas devemos fazer isso criticamente. Isso sim é antropofagia.

Concepção cognitivista da educação

 


Um dos paradigmas que tiveram grande influência sobre a área da educação é a cognitivista, especialmente de autores como Jean Piaget e Vygotski.
Piaget começou sua carreira trabalhando com dois psicólogos franceses, Binet e Simon, criadores do famoso teste de QI, que mede a inteligência. Analisando as respostas erradas das crianças, ele percebeu que essas respostas eram consideradas erradas por serem analisadas do ponto de vista do adulto. Na verdade, as respostas seguiam uma lógica própria característica de cada idade.
Ponto fundamental da teoria de Piaget é a noção de equilíbrio (chamada de homeostase pela cibernética) segundo a qual todos os organismos, sejam eles uma ameba, uma borboleta ou uma criança procura manter um estado de equilíbrio com seu ambiente.
A construção do conhecimento ocorre quando ações físicas e mentais sobre o objeto provocam desiquilíbrio, que resulta em assimilação ou acomodação. Na assimilação, a realidade do mundo é assimilada às estruturas cognitivas existentes, na acomodação, a estrutura cognitiva é modificada em decorrência das experiências.
Para Piaget, a pessoa passa por fases de desenvolvimento que refletem as fases pelas quais passou a própria humanidade. As fases não são diretamente ligadas a uma idade. É possível que uma criança passe para uma nova fase antes das outras. Mas a seqüência não pode ser pulada.
Na fase sensório-motora, a criança baseia-se exclusivamente nas percepções sensoriais e nos esquemas motores para resolver problemas que são essencialmente práticos: bater em uma bola, pegar um botão, etc.
Presa ao aqui e agora, a criança ainda não tem capacidade de representar eventos, evocar o passado ou se referir ao futuro. Se ela está brincando com uma bola e a bola cai debaixo da coberta, ela deixa de existir. Se a mãe sai de perto do bebê, ele ainda não tem a percepção de que ela irá voltar. Com o tempo a criança começa a perceber que as coisas perduram no tempo e no espaço independente de estarem visíveis ou não e esse tipo de descoberta traz grande prazer à criança. É a fase em que os pais colocam um pano na frente do rosto e depois o descobrem. Ou cobrem um objeto e depois tiram o pano. Essa brincadeira reflete uma mudança na estrutura cognitiva da criança.
Na fase pré-operatória a criança começa a trabalhar com símbolos e representações. Ela compreende que a palavra “papai” se refere a uma pessoa específica e que essa palavra substituí a pessoa real. Nesse período é comum a criança brincar de representação, em que um boneco é tido como um bebê, que come, brinca e faz arte.
É uma fase egocêntrica, em que a criança só consegue analisar os fenômenos tomando a si mesma como referência. O seguinte diálogo é característico dessa idade: “Quantos irmãos você tem?”. “Eu só tenho um irmão”. “E o seu irmão, quantos irmãos ele tem?”. “Nenhum”. O exemplo demonstra que a criança só pode conceber sua família tomando a si mesma como referência.
Embora já seja capaz de trabalhar com signos, a percepção da criança ainda é extremamente dependente da percepção imediata, sofrendo, em decorrência disso, uma série de distorções. A criança não é capaz, por exemplo, de perceber que a massa de uma determinada substância permanece a mesma, independente do formato. Assim, ao fazer uma salsicha com uma massinha, a criança achará que ela tem mais massa que uma bola da mesma substância, pois não é capaz de trabalhar com a reversibilidade, a capacidade de voltar mentalmente a substância ao seu estado anterior. Um outro exemplo seria o caso da água colocada em um copo pequeno, mas largo, passada para um copo estreito, mas alto. A criança nesse estágio acha que houve um aumento da massa.
Na etapa operatório concreta a criança já é capaz de lidar com a reversibilidade e com a lógica, mas ainda depende da percepção do mundo.
Na etapa do operatório formal, que geralmente inicia na adolescência, a pessoa já é capaz de trabalhar com o pensamento puramente abstrato e a utilizar a lógica dedutiva. Na lógica dedutiva, parte-se do todo para a parte. Por exemplo: todas as pessoas que usam uniforme da polícia são policiais. Este homem usa uniforme da polícia, logo este homem é policial. A lógica desse caso funciona por si só.
Na teoria de Piaget, a função da educação é ajudar nesse processo cognitivo. Ao professor cabe oferecer problemas aos alunos, sem ensinar-lhe soluções. Seu papel, essencialmente, é de um orientador. As fases do desenvolvimento do aluno devem ser respeitadas. Não se pode querer, por exemplo, que uma criança de cinco anos seja capaz de trabalhar com o pensamento hipotético-dedutivo.
Vygostski discordou de Piaget ao afirmar que a influência do meio era maior que fatores individuais. Para ele, a criança já nasce num meio social e, desde o nascimento, vai formando sua visão de mundo influenciada pela interação com adultos e crianças mais velhas. Segundo o autor russo, é impossível estabelecer etapas cognitivas que sejam válidas para todas as sociedades. Assim, variando o ambiente social, o desenvolvimento da criança também sofrerá variação.
Cada sociedade fornece aos seus integrantes instrumentos físicos (enxadas, faca, mesa, computadores) e culturais (rituais, valores, costumes, conhecimentos) desenvolvidos pelas gerações anteriores que vão orientar o desenvolvimento cognitivo.
A linguagem e a interação com os mais velhos é essencial nessa abordagem. Pensamento e linguagem são diretamente relacionados. Ao descobrir que todos os objetos têm nomes, a criança verá um objeto desconhecido como algo a ser nomeado e para resolver o problema recorre aos mais velhos. Assim, o processo de desenvolvimento do individuo possui dois níveis. Um, real, corresponde ao que ele pode fazer sozinho, com os conhecimentos já formados. O outro, potencial, refere-se à possibilidade de aprender com indivíduos mais experientes.
Para Vigotski, o aprendizado é o processo de desenvolvimento interno que só ocorre através da interação do indivíduo com o ambiente social no qual vive.

Hulk – ele voltou!

 


Um dos aspectos mais interessantes da fase de Peter David no golias esmeralda é a noção de que o Hulk é uma das facetas da personalidade de Bruce Banner, que, graças a traumas de infância desenvolveu múltipla personalidade. A capa de The incredible Hulk 372 exemplifica bem isso, ao mostrar o Hulk verde irrompendo uma imagem composta por Banner de um lado e pelo Hulk cinza do outro.

Na história, Bruce Banner está à procura de Betty Ross, que se recolheu a um convento ao ser informada que seu amado aparentemente morreu.

O Hulk verde aparece pela prmeira vez no traço de Dale Keown.


O roteirista Peter David manipula bem todos os elementos do roteiro e cria uma “comédia de erros” que serve aqui ao drama. Banner entra no convento e faz-se passar por um padre num confessionário para ouvir a confissão de Betty. A confissão é interrompida pela descoberta de que o padre verdadeiro sofreu um acidente e a confissão fica pela metade, fazendo o herói acreditar que sua amada está feliz no convento e não quer mais a vida ao lado de um monstro. Na verdade, o que ela iria dizer é que, embora estivesse feliz no convento, seu lugar não era ali.

Enquanto isso, o carro extremamente tecnológico caça Bruce Banner, o que torna tudo ainda mais eletrizante.

Um dos aspectos destaque dessa história é que nela Dale Keown desenha o Hulk verde pela primeira vez. O personagem aparece em toda a sua ferocidade numa belíssima e impressionante splash page.

No Brasil essa história foi publicada pela editora Abril em O incrível Hulk 130.

Mais forte que a vingança - o filme que serviu de inspiração para Ken Parker

 

O faroeste humano influenciou a série Ken Parker.


Mais forte que a vingaça (Jeremiah Johnson no original) não é só uma boa obra cinematográfica, mas um filme que tem uma atração a mais para os fãs de quadrinhos: foi ele que serviu de inspiração para a série de faroeste Ken Parker. Inclusive a fase inicial na revista o personagem é exatamente igual a Robert Redford, como aparece no filme.
A produção reúne nomes de peso: Na direção, Sydney Pollack e no roteiro, Edward Anhalt e John Milius, este último seria o direitor da versão cinematográfica de Conan, em 1982.
Nas primerias histórias de Ken Parker ele era muito parecido visualmente com o protagonista do filme.

Na história, um veterano da guerra entre México e EUA resolve abandonar a sociedade e se internar nas montanhas, transformando-se em um caçador de peles (para quem leu desde os primeiros números, essa era a profissão de Ken Parker no início). No caminho, ele conhece um velho e divertido caçador, que o ensina os segredos da caçada. Depois encontra uma família que foi assassinada e só sobraram a mulher enlouquecida e o filho. Sem alternativa, leva o menino consigo. Ele acaba se casando com uma índia e a nova família fixa residência próximo a um rio. Mas esse idílio irá logo ter um fim: ao ser convocado pelo exército para ser guia de uma expedição que irá salvar colonos, ele acaba passando pelo meio de um cemitério indígena. Como vingança, os nativos exterminam sua família.
O filme passa longe de ser um faroeste clássico. Ao contrário: tem todo o clima de drama humano que ficaria tão famoso em Ken parker. Os índios também não são mostrados como simples vilões unidimensionais, como na maioria dos faroestes. Suas crenças, costumes e variedade de etnias são retratados no filme. E a relação de Jeremiah Johnson com sua esposa índia é mostrada de forma terna e poética.
Ajuda muito no clima do filme a ótima trilha. Há cenas inteiras que são narradas apenas com imagens e músicasvisualmente e musicalmente e são boa parte do charme da produção.
Esse é, portanto, um faroeste da década de 1970, quando muitos dos cânones do gênero foram colocados em xeque e diretores trouxeram uma nova sensibilidade.

terça-feira, junho 29, 2021

Stan Lee - o reinventor dos super-heróis

 


Stan Lee é uma das figuras mais importantes da cultura pop ocidental. Foi co-criador de alguns dos personagens mais famosos dos quadrinhos, entre eles Thor, Hulk, Homem de Ferro e o Homem-aranha. Seu estilo de produzir quadrinhos foi revolucionário para a época ao introduzir a cronologia nas histórias e personagens humanos cheios de defeitos influenciou gerações inteiras de artistas e até produções cinematográficas (o recente filme dos Vingadores é exemplo disso). Além disso, seu estilo de auto-promoção levou os leitores a reconhecerem os artistas das histórias (antes dele muitas HQs não eram nem assinadas) e comprarem os gibis por causa da equipe criativa. Foi o primeiro roteirista de quadrinhos a se tornar uma celebridade, abrindo caminho para astros como Alan Moore e Neil Gaiman. É esse homem cativante e muitas vezes polêmico que Roberto Guedes retrata em Stan Lee, o reiventor dos super-heróis (Kalaco, 160 páginas). O livro é escrito de maneira fluida e divertida, lembrando inclusive o texto do próprio biografado, principalmente nas fases de efeito.
Guedes acompanha seu personagem desde a infância pobre em Nova York até o estrelato ao participar das milionárias produções de Hollywood. Algo que fica claro na leitura é que Lee é não só um grande escritor, mas um verdadeiro vendedor de ideias, alguém capaz de entusiasmar as pessoas ao seu redor.
O livro relata uma experiência que parece ter sido fundamental nesse processo. Quando criança, um colega de escola pediu para entrar na turma para vender a assinatura de um jornal. Ele foi tão empolgante em sua explanação que Lee assinou o jornal na hora. Foi além: usou-o como referência em sua atuação profissional nos quadrinhos.
Outro acontecimento que parece ter marcado profundamente o garoto foi uma carta enviada ao jornalista Floyd Gibbons, do Chicago Tribune, um herói nacional por sua cobertura da atuação dos EUA na I Guerra Mundial (ele chegou a perder um olho ao ser alvejado). O jornalista não só leu sua carta, como a respondeu.
Quando comandou a revolução da Marvel nos anos 1960, Lee fez da seção de cartas uma das grandes atrações das revistas: "As seções de cartas da concorrência eram uma chatice só. Se algum leitor reclamava de algo, o editor mandava aquela: 'seria bom você reler a história, pois é evidente que você não a entendeu', mas nas da Marvel nós respondíamos assim: 'Sabe que você tem razão? Na próxima edição publicaremos uma história tão boa que o fará esquecer-se dessa', e os leitores adoravam isso, pois entendiam que sua opinião era levada em conta, que eles eram respeitados".
Lee passou por diversos empregos, inclusive lanterninha de cinema, antes de entrar na editora Timely, com 17 anos. Lá ele conheceu Jack Kirby, o rei dos quadrinhos, que o achou intrometido e tagarela e concluiu que ele só poderia estar ali por ser parente do dono. Quando este e seu parceiro Joe Simon foram para a DC Comics, o cargo de editor ficou vago. O dono da editora, Martin Goodman perguntou a Stan: "Você acha que pode encarar o trabalho enquanto procuro um adulto?". Stan ficou no cargo por décadas.
Nem toda essa época foi boa. Logo depois da guerra os super-heróis caíram em desgraça e até campeões de popularidade, como o Capitão América tiveram de ser cancelados. Para piorar, Goodman vendeu sua distribuidora, passando suas revistas para outra distribuidora, que faliu duas semanas depois. O jeito foi usar o esquema de distribuição da National (atual DC Comics), que colocou uma condição para a rival: só podiam ser publicadas 12 revistas. Para uma editora que publicava 80 títulos foi um baque e tanto.
A Marvel só voltaria a se levantar no início dos anos 1960. Nessa época, Goodman tinha o costume de jogar golfe com os chefões da National, e ouviu de um deles que o gibi da Liga da Justiça estava vendendo muito bem. Ele correu para a editora e encomendou uma imitação para Stan. "Goodman jamais permitiria qualquer ousadia conceitual em qualquer um de seus títulos. Tudo sempre girava em torno de copiar alguma fórmula já pronta, de ir à esteira de algum sucesso do momento, de simplesmente fazer o pastiche nosso de cada dia", escreve Guedes.
Foi a esposa de Lee que o convenceu a produzir o Quarteto Fantástico: "O pior que pode acontecer é o Martin te demitir. E você quer pular fora de qualquer jeito".
A revista foi publicada e se tornou um sucesso absoluto. Além da arte revolucionária de Jack Kirby, em que a ação parecia explodir nas páginas, havia heróis imperfeitos, com personalidade, problemas. E havia a continuidade. Se um personagem quebrava um braço em uma edição, no número seguinte, aparecia com o gesso. Isso tudo junto fazia o púbico vibrar - e faz até hoje.
O livro de Guedes analisa a criação destes e de outros personagens, mostrando os bastidores e detalhado o método Marvel de produção (em que o roteirista entrega apenas uma sinopse ao desenhista e depois coloca o texto sobre a página pronta).
Como não poderia deixar de ser, o livro não ignora as polêmicas, como a suposta briga de Jack Kirby e Steve Ditko com a Marvel e com Stan Lee em particular. O autor não é imparcial quanto a isso. Deixa claro que a saída de Steve Ditko do Homem-aranha se deveu à diferença filosófica entre os dois criadores: Lee era um humanista e Ditko um conservador, que colocava críticas aos hippies nas histórias do aracnídeo e do Dr. Estranho (uma burrada, pois os dois personagens eram os prediletos da juventude da época). Lee mexia nas histórias através do texto. "Não mude minhas histórias!", reclavama Ditko. Um dia se encheu e foi embora. O episódio mostra que Stan Lee não só era um grande roteirista, mas também um especialista em marketing
Quanto a Jack Kirby, Roberto Guedes deixa a entender que a esposa do desenhista poderia ter sido influenciado pela esposa em suas declarações (ele chegou a dizer que havia criado todo o universo Marvel sozinho e que Stan Lee nunca escrevera uma palavra). Mesmo defendendo o biografado, Guedes deixa clara a importância desses dois desenhistas para o sucesso da editora e lamenta a separação das duplas.
O livro, enfim, é delicioso. Li as 160 páginas em dois dias, sem conseguir parar. Contribui para isso o ótimo tratamento editorial: além da bela capa assinada pelo desenhista Seabra, a edição traz miniaturas coloridas das capas da Marvel nos EUA e no Brasil, além de fotos e mais fotos de Lee e outros artistas, sempre com a legenda irreverente de Guedes.
Uma leitura essencial para fãs de quadrinhos.

Buck Rogers: ficção científica nos quadrinhos

 

Como nem tudo são flores, logo veio a crise de 1929 que acabou com a alegria da classe média americana. Naqueles dias, muita gente dormia ri­ca e acordava pobre — absolutamen­te miserável.
 O clima era de desespero e desânimo e o lance ago­ra não era mais rir futilmente da vi­da. As primeiras histórias em quadrinhos tinham sido todas cômi­cas (tanto que nos EUA, os quadri­nhos são chamados de “comics”), mas já não havia muita razão para rir.
Todos queriam fugir para plane­tas distantes, cidades perdidas ou paí­ses exóticos... todos queriam aventura!
Uma das primeiras séries a captar esse clima de escapismo foi Buck Rogers, criação de Philiph Nowlan. Esse personagem foi publicado originalmente na revista pulp Amazing Stories, em agosto de 1928. O conto, Armagedon 2419 AD contava a história de um piloto (Rogers) preso em uma mina que desabara. Ele, graças a gases radioativos, permanece em estado de dormência, vindo a acordar 500 anos depois.
A América que ele vê é totalmente diferente da que conhecera. Agora o país está totalmente destroçado pelos invasores orientais e os seus habitantes perseguidos em sua própria terra, obrigados a se esconderem nas florestas.
A história fez tanto sucesso que o editor da revista, John Dille, sugeriu a Nowlan que a adaptasse para os quadrinhos. Para realizar essa tarefa foi contratado um desenhista, Richard (Dick) Calkins, que tinha um traço barroco e detalhista.  
Na versão em quadrinhos foram necessárias algumas adaptações. O nome foi mudado para Buck Rogers para aproveitar o sucesso de Buck Jones, famoso cowboy do cinema.
A tira foi publicada pela primeira vez no jornal Courier Press, de 27 de janeiro de 1929 e fez enorme sucesso, abrindo caminho para muitos outros personagens de aventura e ficção-científica.
Para manter o clima pseudo-científico, a equipe de criação contava com consultores especialistas, inclusive um metereologista.
Entre as curiosidades da série está o fato dela ter antecipado o meio pelo qual os astronautas iriam se deslocar no espaço. Logo na terceira tira da história, a heroína Wilma mostra a Rogers uma mochila antigravitacional que lhe permitia flutuar no ar. Para direcionar o vôo, Buck utiliza o recuo da arma.
Quando, em 1984, os primeiros astronautas passearam soltos no espaço, o escritor Isaac Assimov se lembrou imediatamente de Buck Rogers: “ Recentemente dois astronautas flutuaram livremente no espaço, antes de seu ônibus espacial pousar na Flórida. Eles não ficaram ligados à espaçonave. Saíram dela e retornaram. Os mais velhos se lembrarão das histórias em quadrinhos de Buck Rogers, no anos 30 e 40. Tudo isso – o passeio espacial, a espaçonave movida a foguetes, a mochila nas costas – já tinha acontecido nos desenhos”.
A propósito, a forma como os astronautas conseguiram controlar seu deslocamento no espaço foi justamente através do recuo de uma pistola de ar. Como em Buck Rogers.

Capitão América de John Byrne

 


No início da década de 1980, a Marvel resolveu trocar a equipe do título do Capitão América. Para desenhar chamaram uma estrela em ascensão na editora, John Byrne. Para escrever, colocaram o próprio editor do título Roger Stern, um estreante nos roteiros.
Essas histórias marcaram época e foram reunidas no volume sete da coleção Os heróis mais poderosos da Marvel.
A dupla começa desfazendo uma cagada de roteiristas anteriores, segundo os quais, na verdade o personagem era descendente de aristocratas, e não um garoto pobre de Nova York na época da recessão.
A primeira história é justamente o Capitão achando seu diário na Shield e descobrindo que a história da família aristocrata eram memórias falsas implantadas pelo governo norte-americano para proteger sua verdadeira identidade caso ele fosse aprisionado. Enquanto isso, Barão Strucker foge da prisão e invade a Shield com o objetivo de matar o sentinela da liberdade.
Roger Stern exagerava nos diálogos. 

Posteriormente o Capitão enfrenta o Homem-dragão e Mecanus e depois impede que Mister Hyde destrua Nova York. Nesse meio tempo ainda encontra tempo para abdicar de ser candidato à presidência.
John Byrne parecia à vontade desenhando o Capitão, um personagem criado pelo seu ídolo, Jack Kirby (eu me pergunto porque a Marvel não deu o personagem para o Byrne quando ele já estava famoso). Roger Stern, no entanto, nem sempre se saía bem. Ele exagerava no texto, muitas vezes deixando pouco espaço para os desenhos. Sua caracterização do personagem, no entanto, era perfeita: justo, honrado, democrata, um verdadeiro exemplo a ser seguido. Stern também introduz uma personagem nova, Bernie Rosenthal, uma das primeiras personagens dos quadrinhos declaradamente judias – e que viria a ser melhor desenvolvida por JM DeMatteis na fase seguinte.
Uma das melhores capas dessa série.

Mas a história realmente engrena quando começa a saga hoje conhecida como “Seu ódio se chama sangue”. Não por acaso, essas histórias são co-roteirizadas por John Byrne, que aqui ganha espaço para mostrar o ótimo narrador gráfico que iria se revelar.
Na trama, o Capitão viaja para a Inglaterra a pedido de Union Jack, um velho amigo dos tempos do grupo Os invasores. Ali estão acontecendo vários assassinatos e o velho herói acha que são obra de seu irmão, o vampiro nazista Barão Sangue. A história é cheia de ação e reviravoltas. E tem John Byrne em ótima forma. A capa que ele faz para o número 254 da revista, com o vampiro pulando sobre o Capitão enquanto o envelhecido Union Jack tenta se levantar da cadeira de rodas é simplesmente memorável e resumia muito bem todas as maiores qualidade da série.
Infelizmente, Roger Stern brigou com o chefão da Marvel, Jim Shooter, e saiu da série. A razão é que Stern queria desenvolver tramas mais complexas para o Capitão e Shotter queria que as sagas não se alongassem muito. E, Byrne se concentrou nos X-men, que o tornariam a grande estrela do mercado americano.  
Entretanto, essa série é até hoje apontada como um dos melhores momentos do personagem.

Calafrio 72 traz HQ em homenagem A Rodolfo Zalla por Gian Danton e Guto Dias



 A edição 72 da revista Calafrio acaba de ser lançada e traz uma HQ especial que escrevi em homenagem a Rodolfo Zalla, o primeiro editor da revista e a pessoa que abriu as portas do mercado de quadrinhos para mim, lá em 1989. A história, que brinca com alguns clichês das histórias de terror, foi magnificamente ilustrada pelo curitibano Guto Dias. 

A edição traz também mais uma HQ da série sobre Psicopatas, agora sobre o Maníaco de Goiânia, com desenhos de Cláudio Dutra. 



A revista traz também uma HQ clássica de Mozart Couto, agora finalmente publicada em formato magazine para melhor apreciação da arte suprema do mestre. Ivan Lima, a sensação da editora traz Sorriso de Morte, ambientada na época da Lei Seca nos EUA. 
Os carniceiros Rodrigo Ramos e Marcel Bartholo narram mais um causo  com Demergi. Estream também na editora o escritor André Bozzetto Jr e o desenhista Christiano Carstensen Neto com Sangue e Vinho Tinto. Outro mestre presente é Bira Dantas com Escuro. 

Além das HQs, as mensagens dos leitores na Mala Direta, uma nova crônica de Luiz Saidenberg, e a Quem é Quem nos Quadrinhos fala sobre o capista da edição, Cláudio Dutra. A Matéria mais que especial sobre as participações de Zé do Caixão nas histórias em quadrinhos por Rodrigo Ramos. Sidemar de Castro traz de volta a CineCalafrio, onde resenha o filme A Companhia dos Lobos. Encerra a edição a tradicional Capas Clássicas que comenta uma edição do passado.

Calafrio 72, e as edições anteriores de Calafrio e Mestres do Terror têm 52 páginas, no formato 20,5x28cm ao preço de R$15,00. Podem ser solicitadas pelo revistacalafrio@gmail.com, pela página das revistas no facebook, e em breve na sua loja favorita.

Barão Vermelho - Rock do Cachorro Morto

 






A música Rock do cachorro
morto, do Barão Vermelho, é baseada na poesia Suave Mari magno, de Machado de
Assis. No poema, um cão está morrendo envenenado e, de todas as pessoas que
passam por ali, nenhuma deixa de parar e olhar a morte do cão. Para Machado,
isso revelava um instinto humano maligno: sentir prazer no sofrimento alheio. Escrito
em 1880, o poema parece falar de nossos dias, em que as pessoas se regozijam em
receber e compartilhar no Whatsapp imagens de pessoas mortas, amputadas, de de
acidentes e assassinatos. Machado nunca foi tão atual.
Suave mari magno
Lembro-me que certo dia
Na rua, ao sol de um verão
Envenenado morria, um pobre
cão
Arfava, espumava e ria
De um riso espúrio e bufão
Ventre e pernas sacudia na
convulsão
Nenhum, nenhum curioso
Passava sem se deter
Silencioso, silencioso
Quem sabe é delicioso?
Ver padecer
como se lhe desse gozo ver
padecer

Livro em financiamento coletivo no Catarse explica o fenômeno dos psicopatas

 


Psicopatas estão em todos os lugares: nas empresas, na política, nos filmes, nos seriados, nos quadrinhos. Você provavelmente conhece um psicopata. E ele é a pessoa que você menos desconfia. Explicar esse fenômeno é o objetivo do livro Psicopatas na vida real e na ficção, escrito por Gian Danton e Jefferson Nunes.

A obra será dividida em três capítulos. No primeiro, uma mente peversa, é explicado como surgiu o termo psicopata e o que significa a psicopatia, as caracterícas mais visíveis e a diferença entre psicopata e psicótico. No segundo capítulo, são apresentados exemplos reais de psicopatas assassinos. O terceiro capítulo se debruça sobre o fenômeno na cultura pop. São mostrados exemplos de psicopatas na música, nos quadrinhos, no cinema e nos seriados.

O livro terá 200 páginas ricamente ilustradas e está financiamento coletivo no Catarse.  Para apoiar o projeto, clique em: https://www.catarse.me/psicopatas_na_vida_real_e_na_ficcao_9e59.

Radioactive – filme conta a vida de Marie Curie


Marie Curie é uma das mulheres mais importantes da ciência. Ganhadora de dois prêmios Nobel por suas pesquisas sobre radiação, foi a pessoa que abriu caminho para que as mulheres pudessem ingressar na vida científica, até então um meio dominado praticamente só por homens.

É a vida dessa heroína da ciência que é contada no filme Radioactive. A diretora do longa lançado pelo Netflix é a iraniana Marjane Satrapi, mais conhecida no Brasil pela história em quadrinhos Persépolis. Por sua vez, Satrapi adapta a história em quadrinhos Radioactive: Marie & Pierre Curie: A Tale of Love and Fallout, de Lauren Redniss.

O filme conta a história da cientista desde quando ela conhece seu futuro marido, Pierre Curie. Este não só se apaixona por ela, como consegue perceber que tratava com uma pessoa genial – e geniosa. O casal se envenou com radiação quando fazia suas experiências. Pierre, que adoeceu antes, foi atropelado por uma charrete e morreu. Marie morreu muito tempo depois. Sua trajetória inclui as dificuldades de uma mulher cientista sociedade conservadora e xenófoba e a falta de verbas para pesquisa.

A grande questão por trás da pesquisa de Pierre e Marie é que a descoberta feita por eles representou esperança e saúde, como a radioterapia para câncera e o raio x, que salvou diversas vidas, mas também provocou milhares, talvez milhões de mortes, a exemplo das bombas atômicas sobre o Japão. O filme explora muito bem esse aspecto ao introduzir insertes com cenas futuras, flash fowards, que explicam ao expectar os aspectos nocivos e benéficos da radiação. Mais do que uma biografia, o filme se torna também um comentário sobre como descobertas importantes podem ser apropriadas para o bem e para o mal.

Além da direção segura e realmente competente de Satrapi, o filme conta com a atuação inspirada de Rosamund Pike no papel principal. Difícil pensar em Marie Curie sem lembrar da atuação dessa atriz. Anya TaylorJoy, que faz a filha da cientista, aparece apenas na segunda parte, mas rouba a cena.

Em outras palavras: é um filme em que mulheres, apropriadamente, brilham.

segunda-feira, junho 28, 2021

Roteiro de quadrinhos: o tema da história

 


Alan Moore sugere que a melhor maneira de começar uma história é pela idéia, ou tema. O tema é aquilo sobre o que a história fala. Dou um exemplo literário: A Causa Secreta, de Machado de Assis, tem como tema a crueldade inata de algumas pessoas que se deliciam com a desgraça ou o sofrimento dos outros.
                V de Vingaça é uma história sobre o anarquismo em confronto com o totalitarismo.
                A Queda de Matt Murdock, de Miller e Mazzuchelli, é uma história sobre loucura  e decadência e sobre a incrível capacidade humana de vencer todas as adversidades.
                O tema não é o mesmo que a trama da história. Bom lembrar que a maior parte das HQs de super-herói não possui um tema. No máximo, podem ser história sobre a luta entre o bem e o mal.  E, no entanto, os super-heróis apresentam grandes possibilidades de desenvolvimento de temas.
                O roteirista Kurt Buziek e o desenhista Alex Ross aproveitaram a saga dos X-Men para contar uma história sobre o preconceito em Marvels.             
                Talvez seja mesmo mais fácil imaginar um assunto que seria importante desenvolver antes de começar o roteiro. O resultado mais freqüente desse expediente é dar mais consistência à sua trama.