sexta-feira, dezembro 03, 2021

Projetos que naufragaram: Segredos do Amapá

 

Eu vivo me metendo em barcas furadas. Dia desses fiz as contas de quantas páginas de roteiro já fiz e nunca foram aproveitadas. São mais de mil páginas de projetos naufragados. Um deles foi o SEGREDOS DO AMAPÁ. Era para ser um programa de documentários sobre aspectos da cultura local, uma espécie de Globo Repórter tucuju. A diretora me chamou, mostrou algumas imagens e entrevistas que haviam sido feitas meio que por acaso (o cinegrafista tinha ido cobrir outro assunto e resolveu entrevistar uma mulher que fazia o tucupi) e pediu que eu fizesse um roteiro aproveitando esse material para o primeiro programa, que seria sobre o tucupi. Depois do roteiro pronto, a diretora fez as contas e descobriu que o programa era financeiramente inviável. Como eu havia embarcado nessa pela amizade, ficou pela amizade. Esse material nunca foi publicado e também nunca recebi por ele. Coloco abaixo o roteiro do primeiro bloco do programa.

SEGREDOS DO AMAPÁ
PROGRAMA 1
TUCUPI, O SABOR DA FLORESTA
ROTEIRO DE IVAN CARLO ANDRADE DE OLIVEIRA

Texto de abertura:
Tucupi. Seja no pato, no tacacá ou simplesmente na pimenta...

Não há quem resista a esse líquido amarelo retirado da mandioca de sabor
adocicado e selvagem.

Mas o tucupi tem seus segredos.

Como usar o tipiti? Como fazer o pato no tucupi? Por que quem vem de fora não consegue esquecer o tacacá?

Tucupi, o sabor da floresta. Este é o tema de hoje do Segredos do Amapá.

Cena 1 – apresentadora anda pelo cenário, fala, enquanto aparece imagem no tucupi no croma.

Apresentadora: Mandioca. Sem ela a maioria dos pratos amazônicos não seria possível. Sem ela, talvez a fome se espalhasse pela região. A mandioca faz parte do dia-a-dia dos amapaenses. Seja na pimenta, na farinha, no tacacá, no biju, na maniçoba, os amapaenses a consomem sempre.

Cena 2
Imagens das ilustrações que fará as imagens. Dou algumas sugestões de como animá-las, mostrando closes de personagens intercalados com a ilustração geral. Mas fique à vontade para utilizar outros cortes.

Take 1 – Imagem de Saíra andando pela floresta. Geral.
Off: Conta a lenda que o cacique Cauré tinha uma filha de nome Saíra.

Take 2 – Plano detalhe dos passarinhos.
Off: Era tão bonita que os passarinhos a reverenciavam, vindo cantar à porta da oca quando ela acordava.

Take 3 – Plano detalhe das flores.
OFF:As flores, inebriadas com seu encanto, curvavam-se quando ela passava.

Take 3 – Plano médio de Saíra grávida.
OFF: Mas Saíra ficou grávida. Como se recusasse a dizer quem era o pai, o cacique a expulsou da tribo.

Take 4 – Geral do desenho do cacique expulsando a filha da tribo.
OFF: Ela deveria viver na floresta até que nascesse o fruto de seu ventre, que deveria ser morto.

Take 5 – Plano geral da ilustração de Mani nascendo.
OFF: Mas, quando nasceu uma menina de pele branca, olhos claros e cabelos da cor do milho, o cacique Cuaré se condoeu.

Take 6 – Plano detalhe da ilustração de Mani nascendo.
OFF : Deu a ela o nome de Mani e a levou para a tribo.

Take 7 – Close do cacique olhando para a menina.
OFF: Passava os dias a contemplá-la, inebriado com sua beleza.

Take 8 – Geral da ilustração de mani brincando e o cacique olhando.
Off: A indiazinha era pura formosura e todos da tribo se desmanchavam em dengos para com ela.

Take 9 – Close de Mani. BG: Música de suspense.
OFF: Mas Mani morreu. Inconsolável, o avô se recusou a cremá-la e a enterrou na frente da oca.

Take 10 – O cacique retirando a mandioca.
OFF: Naquele lugar nasceu uma planta repleta de folhas. Mas a planta morreu. Cauré, curioso, teve a idéia de arrancá-la. Aos pés da planta havia nascido uma raiz. Era a mandioca.

Cena 4 – Voltamos para a apresentadora.
Apresentadora: A mandioca passou a fazer parte de quase todos os pratos da culinária amapaense.
Apresentadora: Ralada e espremida no tipiti, ela nos dá o delicioso tucupi, segredo de pratos como o tacacá, o camarão no bafo e o pato no tucupi.

Cena 5 – Nesta cena teremos as imagens e os depoimentos de Dona Olívia.

Take 1 – Dona Olívia colocando a mandioca para ser ralada.
OFF: Dona Olívia conhece bem os segredos do tucupi.

Take 2 – geral do local em que Dona dona Olívia.
OFF: Moradora de São Francisco de Casa Grande, uma localidade a 14 quilômetros de Macapá, ela dedica sua vida à lida com a mandioca.

Take 3
Sonora da Dona Olívia falando que o pai ensinou e ela não aprendeu, mas a cunhada sim.

Take 4 – Temos alguma imagem de dona Olívia colhendo a mandioca? Se tivermos, entra aqui.
OFF: Quando chega a época de colher a mandioca, de janeiro a maio, é tempo de fazer o tucupi.

Take 5 – Dona Olívia preparando a mandioca para ser ralada.
OFF: A mandioca é descascada e lavada.

Take 6 – Dona Olívia ralando a mandioca.
OFF: O próximo passo é ralar num enorme ralador de madeira e metal. Houve tempo, quando a tecnologia ainda não havia chegado ao interior, em que se usava a língua do pirarucu para fazer esse serviço.

Take 7 – Dona Olívia colocando a massa no tipiti.
OFF: Depois de terminada essa fase, é hora de encher o tipiti com a massa de mandioca.

OFF: Quem vem de fora e vê esse instrumento feito de miriti não acredita que ele é capaz de compactar retirar todo o sumo da mandioca a ponto de deixar a massa completamente seca.

Take 8 – Dona Olívia colocando o peso no tipiti.
OFF: Basta que dona Olívia coloque um peso na base do tipiti para que saia dali um sumo amarelado e cheiroso.

Take 9 – Volta para a apresentadora. (se não, pode-se continuar mostrando imagem do tucupi sendo extraído do tipiti).
APRESENTADORA: O tipipi sintetiza a criatividade e engenhosidade do índio e do caboclo, que, usando o que a natureza lhe dava, soube inventar maneiras de tornar mais fácil a vida.

Take 10 – Dona Olívia recolhendo o tucupi.

OFF: No final, resta apenas uma massa seca, que, torrada, formará a farinha.

OFF: ,O tucupi vai para a panela.

Sonora da dona Olívia: O tucupi, nós deixa ele senta. Chega em casa, nós ferve...


Take 11 – Imagens da farinha e do tucupi.
OFF: Da folha da mandioca, faz-se a maniçoba. O sumo, espremido, forma o tucupi. E a massa, forma a farinha, base da alimentação regional.

Cena 6 – Volta para a apresentadora.

APRESENTADORA:

A sabedoria dos índios nos ensinou que da mandioca tudo se aproveita ... e que a vida pode ser muito mais gostosa, gostosa como um pato no tucupi...

No próximo bloco: Saiba como se faz o pato no tucupi.

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