Ao estudar sobre os Bórgia, o roteirista Jodorowsky ficou fascinado com aquele que ele considerou “o primeiro clã mafioso da história”. Isso o levou a escrever um roteiro, transformando em quadrinhos a saga dessa família controversa que marcou profundamente o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, inclusive em termos de arte, já que eles foram mecenas de diversos artistas.
Para representar o Renascimento, seus sacerdotes, reis, guerreiros, filósofos, místicos, fanáticos, prostitutas, ladrões e crimes, o roteirista só conseguia pensar em um nome: Milo Manara. Afinal, só ele, com a delicadeza de suas linhas e cores e beleza de suas mulheres, comparável apenas às de Botticelli, poderia desenhar uma história em que sexualidade e atrocidades se misturavam.
Surpreendentemente, Marana aceitou. Para isso, o roteirista incluiu no roteiro uma sequência em que Botticelli queimava um dos seus quadros a pedido do fanático religioso Savonarola. Não se sabe qual era o conteúdo do quadro, mas na história ela aparece como três ninfas tentando despertar Eros.
A história mostra a corrupção e depravação que tomavam conta de Roma. |
O resultado dessa união de duas das maiores mentes dos quadrinhos europeus é a série Bórgia, que agora ganha edição integral pela Pipoca e Nanquim.
A história começa nos dias finais do papado de Inocêncio VIII. Savonarola está pregando na praça e o roteiro aproveita isso para mostrar como era a corrupta Roma daquela época. “As pessoas são roubadas no meio da rua. As casas são saqueadas em plena luz do dia”, diz ele, e a imagem mostra um casal sendo assaltado. Depois são mostradas prostitutas e uma charrete passa, o vento sopra, a proteção se levanta e vemos ali vários religiosos com mulheres semi-nuas. “Os cardeais recebem suborno e se cercam de amantes! A falta de vergonha, a corrupção e a luxúria reinam!”, denuncia o fanático.
Botticelli queima um dos seus quadros: a cena que convenceu Manara a desenhar a série. |
Dentro da residência do Papa, o cardela Rodrigo Bórgia presta seu auxílio ao papa moribundo. Leva para ele uma mulher lactante para que ele possa se alimentar no seu seio. Leva também dois rapazes que farão uma transfusão de sangue para o sumo sacerdote (eles morrem durante o procedimento).
Esse início dá o tom da história, em que poderosos são corruptos e a libertinagem é a tônica.
Rodrigo Bórgia é mostrado como um estrategista (não por acaso, Maquiavel era seu principal conselheiro) que usa sua inteligência e métodos excusos para se eleger Papa, mesmo sendo o candidato com menos chances. Essa sequência mostra como o personagem não tem qualquer tipo de escrúpulos para alcançar seus objevitos.
Manara constrói painéis repletos de detalhes libidinosos no estilo Bosh. |
A morte do antigo Papa faz Roma mergulhar num caos absoluto, e mais uma vez o leitor se surpreende com a estratégia do personagem, agora chamado Alexandre VI, para impor a ordem.
Aliás, essas sequências com Roma mergulhada no caos são alguns dos melhores momentos de Manara. Ele constrói um painel que lembra de Bosh: uma imagem repleta de detalhes, de pessoas entregues aos mais variados tipos de licenciosidades. É um quadro para olhar com lupa, apreciando os detalhes.
Jodorowsky transforma a trajetória da família Bórgia, do sucesso ao ocaso, numa leitura viciante. As situações são muito bem construídas, embora muitas vezes pareçam bizarras e o suspense é muito bem trabalhado. Ficamos especialmente interessados na forma como o Papa Bórgia irá remover os inúmeros obstáculos que encontra à sua sede de poder.
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