Olhando em retrospecto, percebo que dois livros, lindos na
pré-adolescência, foram essenciais pelo meu fascínio pelos gêneros da fantasia
e da ficção-científica. O interesse pela fantasia surgiu com As aventuras de
Xisto. Já a ficção científica, com Xisto no espaço, ambos lançados na coleção
Vaga-Lume e de autoria de Lúcia Machado de Almeida.
Recentemente consegui num sebo o último e o reli agora com
um olhar de adulto sobre aquela obra lida no fim da infância.
A história começa num laboratório, onde dois cientistas
captam uma mensagem vinda de outro planeta. Os dois são construídos como
alívios cômicos, estratégia da escritora para garantir o interesse de crianças.
Protônius é um homem alto, de óculos com aros de tartaruga e
cabelos compridos sempre revoltos. “Vivia inventando coisas esquisitas e tinha
fama de doido (mas não era)”, explica a autora. Já o professor Van-Van é um
homem baixo, de barba enorme, dado a desmaios repentinos e a falas
incompreensíveis.
A mensagem captada por eles é estarrecedora: “Caso Xisto não
venha até Minos, atacaremos vosso planeta quando este sair de seu eixo. Inútil
reagir. (Assinado) Rutus, o que não tem sangue, senhor de Minos”.
Xisto, neste livro, já foi alçado à condição de governante
local, apesar da sua pouca idade (17 anos) e continua o mesmo idealista guloso
de sempre, louco por pastéis de queijo. Ele resolve enfrentar o desafio de uma
viagem espacial e ir para Minos.
Um dos aspectos interessantes do livro é como Lúcia Machado
de Almeida descreve a astronave, seus equipamentos e forma de funcionamento. Um
exemplo: “Afim de tornar respirável o ar no interior da astronave, o Professor
Van-Van preparara um recipiente com soda cáustica, clorato, peróxido de
potássio e outros produtos destinados a absorverem o gás carbônico eliminado
pela expiração, e a fabricarem o oxigênio necessário à respiração. Além disso,
uma espécie de aquário cheio de algas unicelulares foi colocado no mesmo lugar,
a fim de reforçar a purificação da atmosfera”. A decolagem se dá em estágios,
com foguetes se desprendendo.
O livro foi escrito em 1967, auge da corrida espacial (os
americanos chegarima à Lua em 1969) e fica óbvio que a autora acompanhava as
notícias sobre o assunto e tentava se inteirar de como seria uma viagem
espacial. Ela, aliás, antecipa alguns aspectos, como o passeio no espaço com
pistola de pressão, algo que seria de fato usado por astronautas. Ela também
usa informações científicas, como a descoberta da penicilina, de forma criativa
para eliminar um perigo.
Apesar da imaginação da autora surpreender em muitos pontos
do livro, sua percepção da vida em outros planetas é limitada. Xisto e seu
amigo Bruzo chegam, por exemplo, em um planeta chamado Nívea em que os
habitantes são exatamente iguais aos terrestres e o que muda é apenas a fauna,
muito grande ou muito pequena: “Incrível! Animais das selvas reduzidos a cinco
centímetros de tamanho! Camelos de um dedo, ursos do tamanho de uma caixa de fósforos...
E tudo isso vivo, correndo de um lado para outro”.
A autora, entretanto, consegue fazer uma obra empolgante,
mesmo para um leitor adulto, pela trama um tanto ingênua, mas bem bolada, em
que, por exemplo, um gancho jogado lá no início do livro, como o lenço
encharcado de essência de feno, torna-se fundamental no desfecho da trama.
O livro encanta também por sua visão pacifista do mundo. No
final, a grande ameaça de Rutus é debelada sem o uso de violência. Xisto é um
herói que coloca o cérebro acima dos músculos e dos punhos.
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