domingo, janeiro 21, 2024

Demolidor – Demônios

 


Um dos principais vilões do Demolidor é o Mercenário, mas na primeira aparição do personagem, tendo Miller como desenhista, ainda na fase do Roger McKenzie como roteirista, ele simplesmente perde a oportunidade de matar o herói após um surto providencial.

Miller deve ter percebido que isso era uma ponta solta, um momento mal explicado na cronologia do personagem e resolveu a situação com uma história publicada em Daredevil 169.

A história começa com uma sequência magistral, na qual Matt Murdock está sendo entrevistado num programa de TV quando o apresentador paralisa a entrevista para dar a notícia de que o Mercenário fugiu da prisão. É dado um close no jornalista e, no quadro seguinte, a imagem abre e vemos a poltrona de Murdock vazia. O humor aqui surge do uso inteligente da elipse, recurso no qual parte dos fatos narrados é omitida.

Miller usava a elipse para criar humor... 


A história pula para uma igualmente genial página dupla na qual o mercênário está andando na rua e todas as pessoas à sua volta estão caracterizadas como versões do Demolidor, o que reflete seu delírio. Vale lembrar que o nome original do herói, Daredevil, inclui a palavra demônio, o que se reflete no título da história.

Em seu delírio, o vilão entra em um cinema e está passando O falcão maltez na versão interpretada por Humprhey Bogarth. A situação é uma oportunidade que Miller usa para homenagear o cinema noir, uma de suas principais influências. Enquanto o Mercenário briga com várias pessoas no local, dois fãs tecem comentários sobre o filme: “A interpretação de Bogarth leva à tela um Sam Spade descrente, mas ainda assim vulnerável... com o certeza o protótipo do herói detetive”. Embora os dois nerds sejam mostrados de forma humorística e até certo ponto pejorativa, é inegável que boa parte daquelas falas parecem ter saído diretamente das opiniões de Miller sobre o cinema noir.

... ou para mostrar a insegurança do personagem. 


Essa história traz ainda duas sequências que mostram a genialidade de Miller no uso da elipse. Ele pode usar o recurso para encurtar o tempo, fazendo com que algo pareça ter acontedido de repente, como no caso da poltrona vazia, mas também pode fazer o tempo se alongar, quase como numa câmera lenta. 

Em uma delas, o vilão joga uma faca no ombro do Demolidor. A sequência inteira dura seis quadros. Em outro, um dos nerds resolve usar uma replica do falcão maltês para acertar a cabeça do Mercenário enquanto ele está em uma de suas crises. Essa sequência também dura seis quadros e a extensão do tempo tem o objetivo de mostrar a insegurança do nerd. “Ele está indefeso. Pode ser nossa única chance... esta estátua é pesada. Deve quebrar a cabeça dele. Mas... se não quebrar... o cara vai... vai...”... e o personagem volta a colocar a estátua no lugar. Impossível replicar esse recurso na literatura e até mesmo no cinema ela não teria o mesmo impacto. 

Miller estava mostrando como a linguagem dos quadrinhos tinha recursos únicos.

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