segunda-feira, maio 27, 2024

Iluminações, de Alan Moore

 


Iluminações é a mais nova obra do mago de northampton publicada no Brasil.

Ao contrário do que se poderia esperar, iluminações é uma obra literária, um livro de contos, e não uma história em quadrinhos. E lendo Moore assim, sem o apoio das imagens, é fácil perceber que ele está no mesmo nível dos melhores escritores da nossa era, seja em qual mídia for. 

O volume de quase 500 páginas já começa com um verdadeiro petardo. “Lagarto hipotético” se passa em um bordel em um mundo de fantasia. Embora não fique claro no texto, esse conto faz parte do universo Liavek.

A narrativa é densa e convida o leitor a experimentar uma perspectiva pouco convencional. A história é totalmente focada em Sonson, uma garota que recebe apenas magos. Para evitar que ela conte segredos sobre eles, ela passa por um processo chamado de silenciamento, que inclui a separação dos lóbulos cerebrais. Embora possa ouvir, ela jamais consegue falar nada mais do que frases desconexas.

“Nem mesmo lenda” é um conto curto e aparentemente despretensioso, mas no final acaba se revelando um quebra cabeça narrativo. A história se passa durante a reunião de um grupo de parapsicologia e acompanha as impressões de cada um dos membros sobre a reunião. Entremeada a essa narrativa tediosa temos trechos em itálico que não parecem fazer qualquer sentido ou ter qualquer relação com a história. As duas narrativas só se encontram no final, quando finalmente entendemos o que está acontecendo. Dificilmente você irá resistir à tentação de reler a história e aconselho que o faça.

“Leitura a frio” conta a história de Rick Sullivan, um homem que ganha a vida promovendo a comunicação de pessoas com os seus mortos. Na verdade, tudo é uma farsa. Ele pesquisa na internet informações sobre as pessoas e seus entes queridos e usa seu charme para convecê-las de que estão recebendo mensagens de seus mortos. Ele mesmo, no entanto, não acredita em espíritos. Uma noite, no entanto, ele recebe uma ligação de um cliente que vai mudar tudo. Acrescida de um final irônico, essa é uma das melhores histórias de fantasmas que já li.

“O que se pode saber sobre o Homem-trovão” é um caso interessante. Pelo tamanho, dificilmente poderia ser classificado como um conto (ficaria entre uma novela e um romance), de modo que é possível que ele só tenha sido introduzido no volume porque Moore percebeu que os contos em si não dariam uma boa quantidade de páginas.

Conto, novela ou romance, “O que se pode saber sobre o Homem-trovão” é, na verdade, uma vingança de Moore contra a indústria dos quadrinhos, com nomes mudados para evitar processos. Essa vingança fica óbvia na sequência em que um editor da DC (seria Julius Schwartz?) morre e quando os amigos vão até sua casa descobrem que o local é abarrotado de revistas pornográficas a ponto de não se conseguir ver o chão, o que, aliás, é a parte menos exótica dessa visita.

O fato dos nomes terem sido modificados e a cronologia não ser a mesma do mundo real faz com que seja difícil identificar exatamente quem é quem na história. Mas podemos perceber algumas pistas. É possível perceber, por exemplo, que Dan Wheems é Roy Thomas, embora no texto ele seja até hoje escritor dos Vingadores (chamados na história de Vingativos). Outro que é possível identificar é Denny Wellworth, codinome para Archie Goodwin. Os dois, aliás, são algumas das poucas figuras do meio quadrinístico tratados com respeito e reverência por Moore, o que provavelmente indica que o autor inglês os considerada como escritores de talento e editores éticos. O texto inclui traz inclusive uma entrevista feita por Dan com Denny. Jack Kirby e Steve Ditko também merece elogios. O restante é mostrado ou como pervertidos sexuais ou como pilantras. Ou os dois. Alguns nitidamente merecem, como o mafioso Vince Colletta, arte-finalista que estragava as páginas de Jack Kirby (e Moore inventa uma razão hilária para isso, encaixando Colletta nas duas categorias – pervertido e pilantra).

“O que se pode saber a respeito do Homem-trovão” não é uma história com início, meio, fim. É antes um quebra-cabeças feito das mais diversas formas narrativas, incluindo um fórum de internet e um roteiro de quadrinhos.

Por trás de todo esse emaranhado, uma tese: a que de a indústria de quadrinhos é de alguma forma amaldiçoada por ter surgido do roubo, uma vez que os mafiosos donos da DC Comics roubaram o Super-homem de Jerry Siegel e Joe Shuster.  

Apesar de toda a mágoa e ressentimento, é muito óbvio que Alan Moore ainda ama a indústria dos quadrinhos. Ele chegou a introduzir no texto um artigo de revista que analisa, do melhor ao pior, todas produções áudio-visuais com o Homem-Trovão. Claro que ele muda nomes (os irmãos Flescher, que fizeram o primeiro desenho animado do superman, por exemplo, viram irmãos Essler). Lendo, percebemos que Moore assistiu todos os filmes e seriados do Superman. Quem se daria ao trabalho de fazer isso com algo que odeia?

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