O alimento dos deuses é, injustamente, um dos livros menos conhecidos de H. G. Wells.
A trama gira em torno de dois cientistas que elaboram uma fórmula de crescimento (o tal alimento dos deuses) e das consequências dessa descoberta. Inicialmente eles criam uma fazenda modelo, onde pretendem experimentar a fórmula em frangos. Ocorre que os empregados contratados são relapsos, deixam o alimento aberto e a localidade sofre uma infestação de ratos e vespas gigantes, além das próprias galinhas, que se soltam do viveiro e ivadem a cidade.
Esse enredo original é a base de uma infinidade de obras, com destaque para os filmes com animais gigantes e pessoas gigantes e a destruição que eles provocam. Contando que Wells também é o pai das viagens no tempo através de mecanismos e das histórias de invasão alienígena, boa parte da ficção do século XX deriva de sua obra.
Mas O alimento dos deuses vai muito além. Algumas pessoas começam a dar o alimento para os filhos e surge uma geração de gigantes, com aproximadamente 12 metros de altura. É nesse ponto que o livro se torna uma vigorosa crítica social. Wells usa o enredo para refletir como as pessoas reagem ao novo e como o instinto reacionário é baseado no medo daquilo que é diferente.
Esse ponto já é entrevisto no trecho em que o prédio em que mora um dos inventores do alimento é depredado por uma multidão furiosa, mas ganha corpo quando foca nos filhos do alimento, os gigantes e a reação da sociedade a eles. “Reacionário? Quem não seria reacionário?”, diz um personagem à certa altura.
Esse ponto de vista é representado por um vigário de uma pequena localidade: “Pois estavam falando, ele e seu amigo, dos horrores da época, da democracia, da educação secular, dos arranha-céus, dos carros a motor, da invasão americana, da literatura barata popular e do desaparecimento de todo gosto”.
O ódio reacionário volta-se, no livro, contra os filhos do alimento, os gigantes. Ou estes são simplesmente subjugados, como acontece com o jovem Caddles, tornado gigante por conta do alimento levado pela empregada da fazenda, sua tia. Wells dá a entender que o garoto tem inteligência acima do normal, mas esta é sufocada pela situação em que é criado, sob a tirania do Vigário e e de Lady Wondershot. Os que não subjugados são simplesmente vítimas do ódio do normal a tudo que é diferente. “O grosso do povo está conosco. A lei está conosco, a constituição e ordem da sociedade, o espírito das religiões estabelecidas, os costumes e hábitos da sociedade estão conosco”, diz certo personagem.
Nesse sentido, o livro pode ser visto até mesmo como uma metáfora de todas as dificuldades que mentes revolucionárias, mentes que ousam agigantar cima do normal, encontram. Talvez fosse um desabafo do próprio H.G. Wells, ele mesmo um gigante de sua época.
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