Em 1936, John Steinbeck foi contratado pelo San Francisco News para fazer uma reportagem sobre os migrantes okies na Califórnia (a reportagem, um clássico do jornalismo americano, chamou-se “Morte na poeira”). Ele viu muita miséria, pessoas morrendo de fome, famílias inteiras arruinadas. E percebeu que, além da matéria, poderia também escrever um livro, uma mistura de romance e reportagem que antecipou em muitos anos o new jornalismo. O resultado foi As vinhas da Ira, publicado em 1939.
O livro conta a história de uma família de Oklahoma, os Joad, expulsa de suas terras pelos bancos. Da mesma forma, milhares de outras famílias eram expulsas de suas terras. Para os bancos, um homem com um trator poderia fazer o trabalho com dezenas de homens. Essas pessoas, desalojadas e totalmente sem perspectiva, resolvem ir para a Califórnia, para trabalhar na colheita de frutas. Um folheto, espalhado pela região promete trabalho para todos e bons salários. Mas é uma armadilha: a ideia dos fazendeiros é fazer uma verdadeira multidão se mudar para o local e, como o excesso de mão de obra, pagar o mínimo possível.
A obra é uma mistura de capítulos jornalísticos com ficcionais, que contam a jornada dos Joads (a viagem ocupa metade do livro) e sua tentativa de manter a dignidade no meio da fome, das péssimas condições de vida.
A narrativa é seca, mas detalhada, minunciosa, como o olhar de um jornalista experimentado, a exemplo da sequência em que um funcionário do banco avisa o chefe de uma família que eles serão despejados: “As mulheres dos arrendatários também chegavam às portas das cabanas, e com os filhos pequenos atrás delas, crianças de cabelo cor de milho, olhos dilatados, um pé nu sobre outro pé nu, os dedos a catar poeira”.
Se na maioria das vezes é seco, o livro tem momentos de candura, como quando a família para num posto de gasolina de beira de estrada e a atendente, compadecida, vende um doce para as crianças por um preço muito inferior ao normal. E até momentos felizes, como quando a família se instala em um acampamento do governo administrado pelos próprios moradores.
Mas na maioria das vezes a obra é um acúmulo de tragédias, antecipadas pela morte do avô, logo na parte inicial da viagem. Sem dinheiro, enterram ele ali mesmo, na beira da estrada. Na Califórnia, intalam-se em um acampamento que é queimado pela polícia, quando no acampamento do governo, vêm os fazendeiros armarem uma briga para que os policias possam entrar no local e destruir o acampamento. E, quando começam a trabalhar, se deparam com fazendeiros que querem pagar preços justos, mas são obrigados a baixar seus salários por pressão dos sindicatos patronais. Na maioria das vezes, o trabalho, quando arranjam, é de 12 horas para toda a família e gera dinheiro o suficiente apenas para que não morram de fome.
O livro foi um sucesso absoluto ao mostrar as condições de boa parte da população americana no período pós-crise de 1929. Mas transformou-se num inferno para seu criador: Steinbeck foi chamado de comunista, investigado, ameaçado.
Aliás, o próprio livro define o que é um comunista, quando um dos trabalhadores pergunta um fazendeiro o que é um vermelho: “Um vermelho é um desses filhos da puta que exigem 30 cents a hora quando a ente só quer pagar 25”. O rapaz ficou pensando sobre a coisa e disse: “Olha, seu Hines, eu não sou nenhum filho da puta e quero 30 cents a hora. Quem é que não quer? Que diabo, seu Hines, se é assim todo mundo é vermelho”.
Surpreendentemente, o livro acabou gerando um filme de Joh Ford com Henry Fonda no papel já em 1940. É um dos melhores filmes de Ford e um dos grandes clássicos do cinema.
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