Em janeiro de 2023 eu fui contactado pelos
responsáveis por um site de quadrinhos pornôs. Eles queriam que eu escrevesse
roteiros para eles. Não era um convite despropositado, já que eu cheguei a
escrever quadrinhos eróticos na década de 1990 (algumas histórias, como a Família
Titã, chegaram a se tornar célebres).
Mas eu comecei a estranhar quando entrei no
site (eles me passaram um login e senha) e li as histórias. Eu cheguei a
perguntar a eles se o sexo oral nas mulheres era proibido, pois não aparecia em
nenhuma das histórias que li naquele primeiro momento (segundo eles, não era).
Outra coisa que me provocou estranhamento é
que, segundo eles, era necessário que as mulheres das histórias tivessem um tal
de “gatilho para o sexo”, ou uma seja, uma motivação não-sexual para o sexo. Já
a única motivação dos homens era puramente a libido.
Além disso, não havia qualquer margem para a
autorilidade: eles me enviavam um resumo e eu deveria desenvolvê-lo a partir de
parâmetros bem específicos e rígidos.
Para mim ficou óbvio que eu não me encaixaria
e nem teria interesse em fazer aquele trabalho, mas aproveitei a oportunidade para
fazer uma análise de conteúdo sobre as histórias do site. Os resultados,
transformados em gráficos, foram surpreendentes até para mim: essas HQs, em
pleno 2023 eram mais conservadoras que os quadrinhos eróticos do início da década
de 1990 ou até mesmo que os quadrinhos da Grafipar, do início da década de 1980.
Também aproveitei para realizar uma experiência:
fazer um roteiro a partir de um plot enviado por eles, mas modificá-lo,
colocando a ênfase da história no prazer feminino. Qual seria a reação dos
editores a esse roteiro? Como eles encarariam essa inversão?
O resultado dessa pesquisa você pode conferir
no artigo “Sexo como mercadoria e o prazer feminino: uma análise do site Tufos”,
publicado na antologia Histórias em Quadrinhos e Interdisciplinaridade: Desafios
Metodológicos, organizado por Natania Aparecida da Silva Nogueira, Amaro Xavier
Braga Jr. e Maiara Alvim de Almeida e lançado pela Aspas.
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