Quando estreou a revista do Homem-animal escrita por Grant Morrison, ela parecia destinada ao fracasso. Afinal, Morrison era um roteirista desconhecido nos EUA, o Homem-animal era um personagem do time C da DC, desconhecido da maioria dos leitores. Além disso, o desenhista de Chas Troug, embora competente, não era nem de longe uma virtuose. O único ponto que deveria chamar a atenção dos leitores eram as belíssimas capas de Brian Bolland.
No entanto, a revista se tornou um sucesso, alçando o Homem-Animal ao time A da DC a ponto dele fazer parte da Liga da Justiça por um período.
Um personagem misterioso aparece na cidade. |
Boa parte desse sucesso se deve à visão revolucionária e, ao mesmo tempo, simples de Morrison (posteriormente ele se dedicaria a histórias “complicadas”). Para começar, ele percebeu que um personagem que adquiria as características dos animais seria também empático a eles, algo que acabou refletindo na própria vida pessoal do roteirista. Como escreveu Morrison: “Pouco depois de eu começar a trabalhar em HOMEM-ANIMAL, afiliei-me aos Apoiadores da Frente de Libertação Animal e comi o último bife da minha vida”.
O próprio Homem-animal torna-se vegetariano e passa a lutar pelos direitos dos animais, algo que parece óbvio hoje em dia, mas que ninguém havia pensado antes – em sua origem o personagem era um caçador.
A primeira revista já deixa alguns desses temas claros, assim como mostra a grande capacidade narrativa de Morrison.
Mudança no uniforme: o herói pasa a usar uma jaqueta. |
É impossível falar dessa edição sem comentar a capa impressionante de Brian Bolland, com o personagem correndo em primeiro plano e animais ao seu redor e ao fundo. Já nessa capa aparece a primeira modificação de Morrison no herói: ele usa uma jaqueta, o que deu um ar mais descolado ao uniforme. “Eu fico meio sem jeito de andar de colante... e acho que a jaqueta é um toque elegante, além de servir pra carregar trocados e miudezas”, explica o herói, na história.
A HQ começa com Buddy Barker usando seus poderes para salvar um gatinho no alto de uma árvore. Em seguida ele conversa com a esposa sobre a possibilidade de se tornar um super-herói em tempo integral e, quem sabe entrar para a Liga da Justiça Internacional. “Tem centenas de super-heróis no mundo, Buddy”, ela responde. “Acho que a LJI não tem vaga para todos”. Depois, entretanto, ela o ajuda a testar seus poderes e o personagem chega a aparecer num programa sensacionalista.
A splash page final é impressionante. |
Entremeada a essa narrativa doméstica, temos um personagem misterioso, que entra na cidade com objetivos desconhecidos e uma trama de um grupo de amigos que saem para caçar. Embora as três tramas pareçam desconhexas, a questão dos direitos animais as une.
A sequência do personagem misterioso é um pequeno exemplo da maestria de Morrison no texto. O texto é simples, mas impactante: “Ainda a mais de dez quilômetros da cidade, a gritaria começa pra valer. Vem primeiro numa balbúrdia distante, como uma briga no vizinho, e fica mais barulhenta a cada passo. Gritos... os macacos gritando, batendo em barras de ferro, sacudindo cercas de arame, usando jaulas como instrumentos desafinados”.
A história termina com o herói sendo contatado por um laboratório que foi invadido e se deparando com uma criatura que é a junção de dezenas de macacos.
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