Algumas pessoas têm me perguntado como consigo me interessar por temas tão diferentes quanto histórias em quadrinhos e marketing, passando por filosofia oriental e teoria do caos. Há uma idéia generalizada de que uma pessoa que não entende de um assunto específico e escreve unicamente sobre aquele assunto é uma espécie de impostor, o que espero não ser o meu caso. Por outro lado, o editor do Digestivo Cultural tem se surpreendido com minha capacidade de escrever em forma simples sobre coisas complexas, como algoritmos. Essa capacidade também espantou meu orientador de mestrado, o professor Isaac Epstein, que, inclusive, sugeriu que eu transformasse minha dissertação de mestrado em um trabalho de divulgação científica.
Para entender uma pessoa é sempre importante conhecer suas influências.
Pensando sobre o assunto, chego à conclusão de que muito do que sou se deve a dois escritores. Tanto Isaac Asimov quanto Monteiro Lobato tinham essas características de explicar de maneira simples assuntos complexos e se interessar pelos mais variados temas. Na época de Lobato chamava-se a isso de inteligência enciclopédica.
A influência de Lobato sobre mim é tão duradoura e definitiva que, enquanto escrevo, tenho à minha frente um bonequinho de chumbo do escritor paulista. Lá está ele com um terno bege, um livro à mão, a sobrancelha de taturana e o olhar calmo, mas determinado.
Lobato costumava dizer que só complica um assunto quem não sabe nada sobre ele. Lembro de ter lido isso em um livro em que ele explicava a lei da gravidade de Isaac Newton. Matéria atrai matéria na razão direta da massa e na razão inversa do quadrado da distância. Imagine explicar isso para uma criança de nove anos. Lobato conseguia. A maneira como ele escrevia era tão simples, tão cheia de exemplos, que só um débil mental ainda ficaria em dúvida. E aquela frase ficou na minha mente: quem não consegue explicar, é porque não entende nada do assunto. Claro que ele estava falando da maior parte de nossos professores. Sou professor universitário e, de vez em quando, alunos de outros professores, vêm me procurar para tirar dúvidas sobre determinados assuntos (especialmente sobre metodologia científica) e, no final, a frase que a maioria diz é: "Mas era só isso? Parecia tão complicado antes!".
Lobato também era uma pessoa que se interessava pelos mais diversos temas. Ele chegou a escrever livros para crianças explicando geologia (O Poço do Visconde), história (História do Mundo para Crianças), geografia (Geografia de Dona Benta) e até matemática (Aritmética da Emília).
Relendo sua obra, tenho a impressão de que, quando desconhecia um assunto, ele lia sobre ele até ser capaz de escrever um livro. Pelo menos era isso que fazia Isaac Asimov. Esse autor russo, naturalizado norte-americano, embora seja mais conhecido por suas histórias a respeito de robôs, escrevia sobre tudo, de feminismo a física.
Assim como Lobato, Asimov era movido pela curiosidade. Um assunto desconhecido para ele era como uma esfinge fitando-o e dizendo: "Decifra-me ou te devoro!".
Além disso, Asimov era um escritor compulsivo. Em um dos livros ele lembra de umas férias nas quais a esposa conseguiu convencê-lo a viajar. Eles foram para um hotel com piscina. Pois bem, todo dia o Bom Doutor descia com sua máquina de escrever e postava-se em uma mesa ao lado da piscina, escrevendo e escrevendo, para espanto dos outros hóspedes.
Lobato ficava irritado quando o excesso de visitas à editora não o deixavam escrever.
Lobato e Asimov tinham mais uma característica em comum: ambos eram apaixonados pela ciência e tinham muita fé nela. Claro que isso é relativizado em meus escritos. Afinal, vivemos na pós-modernidade e eu já li Thomas Kuhn e Edgar Morin, mas ainda assim acredito que a ciência pode, ainda, nos apresentar respostas para a maior parte de nossas indagações. Uma ciência ética (ou ciência com consciência, como diz Morin) pode nos levar a um mundo muito melhor.
E, claro, Asimov adorava escrever sobre si. Uma espécie de narcisismo intelectual que tenho perdoado perfeitamente, assim como espero que meus leitores me perdoem por essa mesma falha neste texto.
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