As pessoas normalmente não têm essa noção, mas existe uma tecnologia narrativa, que foi se desenvolvendo ao longo do tempo: técnicas e estratégias que começaram a ser usadas por escritores, funcionaram e depois se tornaram comuns. Ou que não funcionaram e foram abandonadas.
O foco narrativo é um exemplo.
Nas primeiras narrativas, a história era contada
em terceira pessoa, do ponto de vista de um narrador onisciente, que sabia
tudo, conhecia todos os fatos.
Em algum momento, alguém percebeu que era
possível conquistar mais envolvimento do leitor com o personagem ao colocar a
narrativa em primeira pessoa. Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, e Manuscrito
encontrado em uma garrafa, de Edgar Alan Poe são exemplos disso.
George Martin, na série conhecida como Guerra
dos Tronos (na verdade, Crônicas de gelo e fogo) inventou uma outra maneira de
narrar os acontecimentos: acompanhar um personagem a cada capítulo, em uma
narrativa em terceira pessoa, mas que sabe apenas o que o personagem sabe. É como
se fosse uma câmera que o acompanhasse por todo o capítulo e visse apenas o que
ele vê, como se cada capítulo tivesse um protagonista.
Essa estratégia é interessante por vários
fatores. O primeiro deles, claro, por permitir que o leitor conheça e se identifique
com vários personagens e não só com o protagonista. A segunda: ajuda no
suspense. Como não há um narrador onisciente, o personagem de cada capítulo não
sabe o que está acontecendo fora de seu campo de ação e da mesma forma o
leitor.
Eu já tinha experimentado algo semelhante no meu
primeiro romance Galeão: embora a narrativa do navio fosse em terceira pessoa,
com um narrador onisciente, nos flashbacks eu focava em um personagem.
Em O uivo da górgona, eu ampliei o recurso,
mundando constantemente o foco narrativo de um personagem para outro a cada capítulo.
Há, por exemplo, um capítulo focado na galinha Pimpinela, e um capítulo focado
em uma zumbi.
O objetivo, claro, era tanto construir uma maior
aproximação do leitor com os personagens quanto permear a narrativa de
suspense.
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