segunda-feira, outubro 28, 2024

A crítica colonial ao Aspas Norte

  


O Aspas Norte surgiu quando ouvi, de uma pessoa que tinha defendido TCC sobre quadrinhos na Unifap, que gostaria de apresentar essa pesquisa no Aspas Nacional, mas não tinha condições.

De fato, Amapá é o estado mais isolado da federação. Não há como sair daqui se não for por avião ou navio. E, além do gasto com transporte, entra hospedagem, alimentação etc. Só para título de comparação, este ano eu vou participar do evento do Aspas e cada trecho da passagem custou 1.800 reais, sendo 3.600 reais ida e volta. No todo, com hotel, alimentação, translado, não se gasta menos de 5 mil reais. Impensável para um estudante de graduação. Ainda mais pelo fato de que, na grande maioria, nossos estudantes da Unifap são pobres. Muitos nunca tiveram oportunidade sequer de ir para Belém. Mesmo com relação ao material de pesquisa, o acesso é apenas ao que está na Biblioteca da Unifap ou o material disponibilizado gratuitamente na internet.

O Aspas Norte surgiu para suprir essa lacuna e permitir que nossos estudantes, a maioria de graduação, tivessem uma oportunidade apresentar suas pesquisas. E fazemos isso nadando contra a corrente de dificuldades. Para se ter uma ideia, no curso de Jornalismo, só temos 4 professores efetivos ativos. Isso se soma às dificuldades de estrutura, como internet, salas etc.

Assim, me espantou muito saber que de uma crítica de uma pessoa de São Paulo a respeito dos trabalhos apresentados no Aspas Norte. Segundo essa pessoa, aqui se faz uma pesquisa ultrapassada, algo expresso em frases como: “Eles ainda pesquisam Maus! Quem ainda estuda Maus?”.

Esse é um exemplo de crítica que não é crítica, mas puro colonialismo.

A pessoa que mora em São Paulo, tem acesso a tudo de mais recente que está sendo lançado, consegue participar de todos os eventos ao preço de uma passagem de metrô, quer criticar um evento no estado mais isolado da federação, tomando como parâmetro eventos de São Paulo e a realidade da pesquisa em São Paulo.  Além de desprezar totalmente as condições regionais, a crítica parte do princípio de que a região norte não pode trilhar seu próprio caminho, mas deve seguir o que se faz em São Paulo.

Nessa visão colonial, a Amazônia é vista como um local atrasado, selvagem, inculto, cuja solução seria ansiar um dia se tornar uma grande metrópole nos mesmos moldes de São Paulo. A realidade da Amazônia, a riqueza cultural da Amazônia, é totalmente desprezada e diminuída.

Toda essa visão colonial sobre a Amazônia foi muito bem resumida na música Belém,Pará, Brasil, do grupo Mosaico de Ravena:

A culpa é da mentalidade

Criada sobre a região

Por que que tanta gente teme?

Norte não é com M

Nossos índios não comem ninguém

Agora é só hambúrguer

Por que ninguém nos leva a sério?

Só o nosso minério

 

Ah! Chega de malfeituras

Ah! Chega de triste rima

Devolvam a nossa cultura

Queremos o Norte lá em cima!

Por quê? Onde já se viu?

Isso é Belém!

Isso é Pará!

Isso é Brasil!

 

A música é de 1992. Infelimente, essa visão colonial sobre a Amazônia mudou pouco de lá para cá, como pudemos observar nessa crítica ao Aspas Norte.  

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