terça-feira, dezembro 03, 2024

Jovem Sheldon

 

 

Jovem Sheldon é um daqueles raros casos em que uma série derivada se torna ainda melhor que a original.

O seriado surgiu de uma ideia de Jim Parsons, o Sheldon do seriado The Big Bang Theory. A ideia era mostrar a infância do personagem no Texas, um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos. Isso gera diversas situações de humor, como no episódio em que Sheldon resolve fazer uma petição contra a mudança do sabor de um pão e passa a ser visto como comunista.

Em outras situações, é a própria inabilidade do protagonista para lidar com situações cotidianas, como guardar um segredo ou fingir que está doente para não ir à escola que provoca as situações de humor.

Boa parte da qualidade do seriado está ancorada na incrível interpretação de Iain Armitage, que consegue ser ao mesmo tempo arrogante, insuportável e... carismático.

Se tivesse apenas Sheldon, o seriado já valeria a pena, mas aqui temos também uma ótima construção de personagens secundários, que muitas vezes roubam a cena. Destaque para Annie Potts como a Vozinha. Alguns dos melhores episódios são focados na relação dela com o Dr. John Sturgis, professor de Sheldon na faculdade (interpretado por Wallace Shawn). Pena que a relação entre os dois tenha durado pouco.  

Talvez o que diferencie Jovem Sheldon da sitcom que lhe deu origem é que aqui também há espaço para o drama, como as inquietações teológicas da mãe do protagonista ou os problemas familiares, como o irmão que engravida uma garota.

A série tem episódios curtos, de 20 minutos e todos deliciosos, deixando sempre uma sensação de quero mais.

Em tempo: Jovem Sheldon está disponível na Netflix.

O livro dos códigos

 

              
Os códigos existem para facilitar a comunicação. São eles que nos dizem o que pode e o que não pode, o que representa algo e o que não representa nada. Sem eles, não seria possível se comunicar nem mesmo através de gestos, pois também esse tipo de comunicação passa por uma codificação. Mas existem situações em que códigos são criados com o objetivo específico de tornar o texto transparente para quem tem a chave e absolutamente incompreensível para quem não a tem. São as cifras secretas, utilizadas principalmente na política e na guerra.
              O Livro dos Códigos, de Simon Sigh, lançado recentemente pela editora Record, trata desses últimos. O alentado volume de quase quinhentas páginas trata da história dos códigos secretos e da luta entre dois times, os criptógrafos, que os criavam e tinham como objetivo mantê-los inquebráveis, e os criptoanalistas, que objetivavam descobrir a mensagem por trás de um emaranhado superficialmente incompreensível.
              É um livro altamente aconselhável para quem gosta de história, mas principalmente para quem gosta de exercitar a massa cinzenta. O Livro dos Códigos se encaixa naquela categoria de livros que são para o cérebro o que Solange Frazão é para a panturrilha.
              O aspecto histórico fica por conta dos momentos dramáticos que envolveram a criação ou a quebra de códigos. Não por acaso, o volume começa com Maria, a Rainha da Escócia, que, presa na Inglaterra, estava diante de uma corte, sendo acusada de articular o assassinato da rainha Elizabeth.
              Na verdade, os católicos ingleses pretendiam de fato assassinar Elizabeth, a rainha protestante, e colocar em seu lugar Maria. Mas queriam antes ter a aprovação de Maria. Assim, escreveram para ela uma mensagem cifrada, pedindo autorização para o levante. Maria respondeu positivamente, também através do código secreto.
              Acontece que o primeiro secretário da rainha Elizabeth havia interceptado a mensagem e prendido os revoltosos. Restava julgar Maria. Mas, embora desprezasse sua prima, a rainha da Inglaterra tinha razões de sobra para não condena-la à morte. Primeiramente porque a ré era uma rainha de outra nação e muitos contestavam a autoridade de uma corte inglesa sobre ela. Além disso, a morte de Maria poderia criar um precedente perigoso. Se um júri poderia enviar uma rainha à morte, então talvez o populacho se sentisse tentado a fazer o mesmo com Elizabeth. Por último, havia o laço de sangue.
              A condenação de Maria dependia de provas de que ela participava do plano e isso só poderia ser conseguido com a quebra da cifra.
              Os revoltosos haviam criado um código em que cada letra era representada por um símbolo. Além disso, havia nulos, ou seja, sinais que não tinham valor algum e só serviam para complicar a vida de quem tentasse decifrar a mensagem.
              Um leigo que olhasse a mensagem acharia que seria impossível decodificá-la sem a chave apropriada.
              O mesmo ocorreria com uma cifra de César. Essa forma de codificar mensagens, criada pelo famoso estadista romano consistia em trocar as letras da mensagem original pelas terceiras letras seguintes do alfabeto. Assim, o A virava D, o B virava E e assim por diante. Mas, da mesma forma que a mensagem poderia ser escrita deslocando-se três casas, o criador do código poderia deslocar cinco, seis ou até vinte e cinco casas. Um general inimigo que interceptasse a mensagem poderia ir tentando as combinações possíveis, mas existem 400.000.000.000.000.000.000.000.000 combinações possíveis. Isso significa que ele levaria um bilhão de vezes o tempo do universo para verificar todas as possibilidades. Parece impossível, não? No entanto, meus alunos mais espertos conseguem realizar tarefa semelhante em muito menos tempo. O recorde é de cinco minutos.
              O segredo para a decodificação está na redundância.  Sabendo em que língua foi escrita a mensagem, basta ter uma tabela de freqüência da língua e verificar no texto quais são os sinais mais redundantes e os menos redundantes.
              No português, por exemplo, as letras mais redundantes são as vogais, especialmente o A e o E. Letras como o X e o Z são as menos redundantes. Sabendo-se isso, basta trocar os sinais mais redundantes pelas letras mais redundantes e ir verificando as combinações. Além disso, há a redundância sintática. Em português, geralmente temos uma estrutura de sujeito – verbo – predicado. O sujeito geralmente é composto de um substantivo acompanhado de um artigo. Se o artigo for composto de apenas um sinal, deve ser ou o O ou o A. Se forem dois sinais, o artigo provavelmente está no plural: OS, AS, o que nos dá mais uma letra (S). Se o criptoanalista tiver uma idéia do assunto da mensagem, ele pode experimentar testar palavras que ele acredita constar na mensagem. Isso é chamado de cola. Se, por exemplo, sabemos que a mensagem trata do horário em que será feito um ataque podemos usar a palavra HORA como cola e testá-la na mensagem em vários pontos, até chegar a um resultado positivo. Descoberta uma palavra, o resto é fácil. Quem já jogou palavras-cruzadas sabe que não é tão difícil descobrir o significado de palavras incompletas. Se temos, por exemplo, o conjunto M_NS_GE_, é óbvio que se trata da palavra MENSAGEM.
              Esse método é chamado de análise de freqüência e foi precisamente a técnica utilizada pelo primeiro secretário da rainha Elizabeth para decodificar a mensagem e levar Maria ao cadafalso.
              A pobre rainha da Escócia morreu porque sua cifra era fraca, fácil de ser decodificada.
              Mas, com o tempo, os codificadores foram sofisticando cada vez mais seu trabalho, assim como os criptoanalistas e os códigos passaram a ser essenciais em episódios de guerra.
              Exemplo disso foi o telegrama Zimmermann. Durante a I Guerra Mundial, os ingleses fizeram todos os esforços possíveis para convencer os EUA a entrarem no conflito. Sem sucesso. O presidente americano, Woodrow Wilson, não queria sacrificar a juventude de seu país e estava convencido de que a guerra só terminaria com um acordo negociado. Woodrow saudou a escolha do novo ministro das relações exteriores da Alemanha, Arthur Zimmermann, que parecia querer uma negociação. Os jornais norte-americanos publicaram manchetes como NOSSO AMIGO ZIMMERMANN.
              Mas, na verdade, o novo ministro tinha outros planos em mente. Sua idéia era fazer uma guerra marítima total. O Kaiser havia feito uma promessa ao presidente norte-americano de que os submarinos emergiriam antes de realizar um ataque, o que evitaria acidentes com navios dos EUA. Se permanecessem no fundo do mar, os submarinos seriam invencíveis contra os navios ingleses. Como uma guerra submarina total afundaria navios norte-americanos, forçando Woodrow a entrar no conflito, Zimmermann planejava criar uma guerra na América, financiando uma ofensiva do México contra os EUA.
              O plano foi enviado pelo rádio para o embaixador alemão no México, que deveria negociar com as autoridades mexicanas.
              Acontece que os ingleses interceptaram a mensagem e a decifraram, passando-a para o embaixador norte-americanos na Inglaterra. Os EUA não tiveram outra alternativa, senão entrar na guerra. Segundo Sigh, “uma única descoberta feita pelos criptoanalistas da Sala 40 conseguira sucesso onde três anos de diplomacia tinham fracassado”.
              Mas o momento mais emocionante da atuação dos criptoanalistas foi a Segunda Guerra Mundial.  
              Os alemães haviam inventado uma máquina capaz de cifrar uma mensagem com grande rapidez e enorme confiabilidade. Chamava-se Enigma e era parecida com uma máquina de escrever, com a diferença de que uma letra, ao ser escrita, era trocada por outra letra de um alfabeto codificado. Havia uma série de misturadores, o que faziam com que a mensagem fosse codificada em vários alfabetos cifrados. Além disso, havia cabos que trocavam as letras, assim o A poderia ser codificado como B e assim por diante. A ordem interna dos misturadores e dos cabos podia mudar completamente o código e isso era feito todo dia pelos nazistas. Ou seja, a cada dia os germânicos tinham um código altamente seguro e diferente do usado no dia anterior, o que fazia com que os ingleses tivessem que decifrar o código diariamente. Além disso, a mesma máquina que era usada para codificar, poderia ser usada para decodificar. Um texto cifrado datilografado nela dava origem ao texto original.
              Os ingleses conseguiram com os poloneses uma cópia da máquina Enigma, mas isso não ajudava muito, pois a Enigma poderia ser ajustada de acordo com 10.000.000.000.000.000 chaves diferentes. Seria necessário mais tempo do que  a idade total do universo para chegar cada ajuste e, sinceramente, até lá a guerra já teria acabado.
              A Enigma seria indecifrável, não fosse pela genialidade de Alan Turing, um dos autores que dariam origem ao ramo da ciência conhecido como cibernética.
              O maior inimigo de um código secreto é a redundância. É ela que permite ao criptoanalista decifrar a mensagem. Na Enigma havia pouca redundância, mas, observando os textos que haviam sido decifrados, Turing percebeu uma redundância na mensagem. Muitas delas obedeciam a uma estrutura rígida. Ele descobriu, por exemplo, que os alemães mandavam relatórios sobre a previsão do tempo logo depois das seis horas da manhã. Dessa forma, uma mensagem interceptada nesse horário certamente conteria a palavra alemã para tempo, WETTER. Como havia um protocolo rigoroso sobre a formatação dessas mensagens, Turing poderia ter idéia até mesmo de onde a palavra WETTER estaria na mensagem. Descoberto o texto cifrado de WETTER, bastava ajustar a máquina que transformariam a palavra no texto cifrado. Feito isso, a Enigma revelava completamente seus segredos.
              As mensagens decifradas pelos ingleses foram fundamentais para a vitória aliada na Segunda Guerra, tanto que Winston Churchill chegou a visitar o local em que ficavam os decifradores, em Bletchley Park.

              Entretanto, Turing jamais pôde coletar os frutos de seu trabalho. Em 1952 ele foi se queixar em uma delegacia de que havia sido roubado. Ingênuo, ele revelou que estava tendo um relacionamento homossexual no momento do furto. A polícia prendeu-o, acusando-o de “Alta indecência, contrária à seção 11 da lei Criminal, Emenda de 1885”. Os jornais divulgaram a notícia, Turing foi julgado, o governo britânico tomou-lhe seu passe de segurança e o retirou dos projetos de pesquisa relacionados com o desenvolvimento do computador.  No dia 7 de julho de 1954 ele foi para seu quarto, levando uma maçã e um jarro com cianeto. Mergulhou a maçã na solução e comeu. Com apenas quarenta e dois anos morria um dos maiores gênios da cibernética e da criptoanálise.

Mulher-Maravilha – corporação da vilania

 


Entre todos os personagens surgidos na DC na Era de Ouro, a Mulher Maravilha se destacou tanto que se tornou popular até hoje, formando, junto com o Superman e Batman, a tríade da DC.
E não sem razão. Suas histórias da década de 1940 eram extremamente inventivas e originais, fruto direto da mente genial de William Moulton Marston. Exemplo disso é a saga conhecida como Corporação vilania, publicada em Wonder Woman 28, no ano de 1948.
Na história, Maligna, uma das mulheres saturninas que tentaram invadir a terra consegue não só se libertar, mas também libertar vários dos vilões da série,como Giganta, Rainha Cléa, O Homem azul das neves, Zara e Mulher Leopardo,  formando a tal Corporação Vilania.
Moulton não só criou a personagem Mulher Maravilha, mas criou toda uma rica mitologia ligada à ela. Exemplo disso são os cinturões de Vênus, mecanismos que removem da pessoa todo o desejo de fazer o mal e a faz obedecer a uma autoridade benigna. Outro é a máquina da evolução do Dr. Zool, capaz, por exemplo, de transformar uma gorila em mulher (que irá se tornar Giganta, uma das opositoras da Mulher Maraviha) ou involuir humanos para macacos (claro que essa é uma visão bastante equivocada da teoria da evolução, mas ainda assim, criativa).

A primeira coisa que salta aos olhos é a profusão de cordas e correntes que aparecem na história. Se dois personagens se encontram, a chance de que um deles saia amarrado é enorme.
Para a Era de Ouro, em que os roteiros eram geralmente infantilizados, as reviravoltas e subtextos da história estão muito à frente de seu tempo, assim como as splash pages a cada doze páginas, que marcam o início dos capítulos da história.
Sobre as reviravoltas, são muitas: As rebeldes conseguem dominar a ilha da transformação, sequestrar Hipólita, dominar todas as amazonas, incluindo a própria Mulher Maravilha, mas acabam sendo derrotadas pelas próprias saturnianas que haviam sido regeneradas pelo cinturão de Vênus.
Mas Zara, hipnota e Giganta fogem com o tesouro das amazonas e planejam comprar um submarino para fugir. Para isso criam um culto ao Deus da Chama, que seduz garotas e forçam a Mulher Maravilha a roubar um submarino para elas.
A experiência de Moulton como roteirista de cinema fez com que ele soubesse equilibar bem os elementos e conseguir fazer com que o leitor pensasse que a heroína estava finalmente derrotada, até apresentar uma reviravolta no roteiro. E ele faz isso mais de uma vez na mesma história!
Uma curiosidade é que a personagem nem de longe parecia tão forte e poderosa quanto é atualmente e seu laço, além de forçar a pessoa presa a falar a verdade, ainda a obrigava a obecer a quem o empunhava.
Aqui no Brasil essa aventura foi publicada na coleção DC 70 anos, da Panini.

As duas formas de meditação budista

 


No budismo existem duas formas básicas de meditação.

A primeira delas é a Samatha, também chamada de meditação da tranquilidade, ou meditação dirigida. Esse tipo de meditação é focada em algo, sejam sons, mantras, um objeto, um pequeno texto, uma mensagem que pode ser dita antes ou durante a meditação e até frases/desejos a serem repetidas mentalmente. Esse tipo de meditação conduz à calma e à tranquilidade.

A meditação Samatha já existia muito antes do budismo, e o próprio Buda Shakyamuni a praticou diversas vezes sob a orientação de diversos mestres. Com o tempo, no entanto, Buda percebeu que, embora trouxesse felicidade, era uma felicidade momentânea. Além disso, embora meditasse dessa forma continuamente, ele não conseguia alcançar o estado de iluminação/nirvana.

Esse estado só foi alcançado com um novo tipo de meditação, chamado de Samadhi, ou meditação da atenção plena.

Essa meditação é tão importante para a prática budista que mereceu um sutra apenas para ela, o Satiphattana Sutra. “Este é o caminho para a purificação dos seres, para superar a tristeza e a lamentação, para o desaparecimento da dor e da angústia, para alcançar o caminho verdadeiro, para a realização do nirvana”, diz o sutra.

E no que consiste esse tipo de meditação? Essencialmente, ele é um treinamento para que foquemos no aqui agora, no momento presente, de modo que estejamos totalmente conscientes, despertos para o momento presente, vigilantes a tudo que fazemos e pensamos.

Isso foi resumido no famoso verso do Buda Shakiamuni:

“Não corra atrás do passado

Não busques o futuro

O passado passou

O futuro ainda não chegou.

Vê, claramente, diante de ti, o Agora.

Quando o tiveres encontrado,

Viverás o tranquilo e imperturbável estado mental”

Na maioria das vezes vivemos na ignorância da realidade que nos cerca, num mundo de ilusão que nos fazer sermos dominados pelo apego. Como resultado vivemos uma vida de ódio, desespero, negação, lamentação.

“Somente vivendo com plenitude o momento que passa, conscientes de todas as vivências, será possível seguir o conselho de todos os Budas: Evitar o mal, fazer o bem e purificar a mente”, afirmam Georges da Silva e Rita Homenko no livro livro Budismo, psicologia do autoconhecimento.

E como é feita essa meditação?

“Dirigindo-se à floresta, ou à sombra de uma árvore, ou a um local isolado, senta-se com as pernas cruzadas, mantém o corpo ereto estabelecendo a plena atenção à sua frente, inspira com plena atenção justa, expira com atenção justa. Inspirando ele compreende: Inspiração. Expirando ele compreende: expiração”, ensina o Satipattahana Sutra.

Em outras palavras, a meditação é feita com o foco na atenção plena à respiração. Sinta o ar entrando e o ar saindo dos pulmões. Para isso, como ensina o sutra, ajuda muito pensar em marcas mentais, como entrando, saindo ou inspira/expira.

“Quando meditamos, devemos fazê-lo com a mais despreocupada das intenções, com a naturalidade de um descanso à sombra de uma árvore depois de uma longa caminhada. Sem intenções, sem medos nem pressa, ficaremos apenas como observadores da nossa mente e do nosso corpo, sem aversão ou apego à sensações ou pensamentos agradáveis, desagradáveis ou indiferentes que nela apareçam”, explicam Georges da Silva e Rita Homenko.

Ou seja, apenas observamos nossa mente e nossos pensamentos, assim como nosso corpo e nossas sensações, como um expectador no teatro. Com o tempo nos tornamos cada vez mais conscientes com relação a esses pensamentos e sensações.

Buda aconselha atenção aos quatro fundamentos da doutrina da atenção plena: atenção ao corpo (respiração, postura, movimentos); atenção às sensações (agradáveis, desagradáveis, indiferentes); atenção à mente e aos estados mentais (desejo, apego, sono, raiva, tristeza); atenção ao Dharma (a verdade sobre o nosso ser).  

O surgimento da Marvel

 

Em 1961, uma partida de golfe mudaria a história dos quadrinhos de super-heróis. Os jogadores eram Martin Goodman, da Atlas (atual Marvel) e Jack Liebowitz, da National (atual DC Comics). Liebowitz comentou que a revista da Liga da Justiça, recentemente lançada, era um sucesso entre os leitores.
Goodman despediu-se e foi para a editora, pedir a Stan Lee que criasse uma cópia da Liga para aproveitar aquele interesse dos leitores por heróis clássicos reunidos num grupo.
Acontece que Stan Lee já estava de saco cheio daquilo. Ele se sentia mal, num campo editorial enfraquecido pela concorrência da televisão e perseguido por pais e professores. Além disso, queria fazer algo diferente. Ele tinha algumas idéias em mente, mas tinha medo de apresentá-las. Foi sua esposa que o convenceu que aquela era uma oportunidade de fazer o que queria: ¨Querido, se não der certo, o pior que pode acontecer será Goodman demiti-lo¨.
Então, ao invés de promover uma reunião de personagens clássicos, como Namor e o Capitão América, ele propôs algo completamente diferente. O novo grupo era um quarteto de astronautas que, ao fazer uma viagem espacial, foram bombardeados por raios cósmicos e ganharam incríveis poderes: o Quarteto Fantástico! O grupo era composto por um cientista que conseguia se esticar como elástico, uma moça que podia se tornar invisível, um rapaz que pegava fogo e virava uma tocha humana e um ser grotesco, o Coisa. Esse último personagem foi o mais diferente, e logo cativou os leitores. Até então, os heróis pareciam muito felizes com seus poderes, mas Bem Grimm não. Os raios cósmicos o haviam transformado num monstro de pedra. Inconformado, ele vivia resmungando pelos cantos e comprando brigas com os outros.
Isso era uma novidade: até então os heróis pareciam coroinhas ou escoteiros: todos muito bonzinhos e afáveis. Um herói ranzinza e um grupo que se parecia mais com uma família (inclusive com suas brigas) foi algo que provocou estranhamento, mas logo conquistou os leitores. Além disso, as histórias começaram a apresentar uma cronologia. Até então as histórias eram sempre isoladas e não havia uma continuidade. Nas histórias do Quarteto, se um personagem pegava uma gripe numa história, na história seguinte ele continuaria gripado. Para arrematar, Lee deu a seus heróis um caráter humano que permitia uma identificação dos leitores: os heróis Marvel, a despeito de seus incríveis poderes, eram pessoas normais, que levavam fora das namoradas, sentiam ciúmes, eram esnobados, ficavam doentes... e até morriam.
A revista do Quarteto Fantástico tinha desenhos de Jack Kirby, o rei dos quadrinhos de super-heróis. Seu traço expressionista influenciou praticamente todos os artistas americanos a partir de então e criou as bases do visual dos super-heróis.
Kirby era um mestre épico, das grandes sagas intergaláticas e dos heróis super-poderosos. Já Lee era o mestre do lado humano, dos dramas e comédias da vida normal. Os leitores se identificavam com a humanidade colocada nas histórias por Lee e se projetavam no grandioso, especialidade de Kirby.
Stan Lee era um roteirista e editor querido por todos os artistas. Era um um gente-boa, que dava liberdade criativa para seus artistas e conseguia deles o seu melhor. Ele também usava e abusava da promoção pessoal, colocando em destaque o seu nome e o dos artistas nas páginas das revistas.  Além disso, ele criou o chamado método Marvel de escrever roteiros. Como exercia a função de editor e escrevia diversas revistas, ele não tinha tempo de produzir scripts completos, então fazia apenas um resumo da história e entregava para o desenhista. Este ilustrava, entregando depois para que Lee colocasse os textos e diálogos. Esse aspecto fez com que alguns colocassem em dúvida a verdadeira importância de Stan Lee, mas hoje são poucos os pesquisadores que descartam a relevância desse roteirista para o sucesso da editora que ficou conhecida como ¨A casa das idéias¨.

Demolidor – Condenados

 

Confesso que quando comprava a Superaventuras Marvel, as histórias do Demolidor de Frank Miller estavam entre o material que eu lia primeiro, mas, entre todas as HQs, duas me chamaram mais a atenção. A primeira é “Onde os anjos temem caminhar”, em que o Demolidor enfrenta demônios internos. A segunda, “Condenados”, no qual o herói desce para o submundo de Nova York.

Publicada em Daredevil 1980, essa história faz parte da saga na qual o Rei tenta eleger um prefeito e Matt Murdock e Bem Urich tentam impedir. Na edição anterior, o repórter havia descoberto que a esposa do Rei, Vanessa, ainda estava viva, embora desmemoriada e transformada em uma mendiga. Os dois, então, descem ao esgoto para resgatá-la e tentar usá-la para fazer o mafioso desistir de seus planos políticos.

A primeira página é uma amostra de como Miller sabia jogar com a narrativa visual. 


A primeira página em uma série de quadros horizontais, que mais escondiam do que revelavam, mostrava um rei dos esgotos, um homem gordo e branco (o que revela que ele não sobe à superfície há muito tempo). Ele começa matando sua esposa: “A rainha não me agrada, então ela morre!”. Ele escolhe como nova rainha exatamente Vanessa. O texto diz: “Eles se amontoam um em cima do outro. Ajoelham-se sobre hematomas e bolhas... e idolatram seu rei”.

A visão de Miller do submundo do NY era impactante. 


Essa visão do submundo de Nova York, com legiões de mendigos, era revolucionária e impactante, especialmente do ponto de vista visual.

Há um detalhe implícito nessa história. Quando desce aos esgostos, o Demolidor se deixa capturar pelos seres andrajosos para que eles o levem ao seu governante. O texto diz: “Talvez ele pertença a esse lugar. Afinal, talvez esteja tão perdido, desesperado e louco quanto os habitantes daqui. Apenas um louco desejaria descer ao inferno”.

Miller antecipava os problemas psicológicos do herói. 


Era Frank Miller atencipando os problemas mentais do personagem, que seriam o mote principal de A queda de Matt Murdock.

Conan – A torre do elefante

 

 

Sucesso absoluto da Marvel durante mais de duas décadas, a revista do Conan, quando surgiu, demorou para acertar. O texto de Roy Thomas, embora fosse competente, ainda parecia muito preso ao gênero super-heróis e o desenho de Barry Windsor-Smith titubeava, imitando Jack Kirby e guardando pouca relação com as histórias de espada e magia. O número 3 ficou tão fraco que Thomas preferiu não publicá-lo na sequência, dando tempo para que Windsor-Smith pudesse fazer as alterações no desenho.
A adaptação do conto A torre do elefante, publicada no número quatro da revista foi o ponto de virada que fez com que o título começasse a seguir o estilo pelo qual ficou conhecido.
Segundo Roy Thomas, “ilustrar um texto do próprio Howard em vez de trabalhar apenas com meus enredos deve ter sido extremamente inspirador para Barry Smith, cuja arte ficou maravilhosa. Esse foi o nosso divisor de águas, ambos nos demos conta de que podíamos esquecer os três primeiros números, pois em CB 4 estabelecemos o padrão de qualidade a ser mantido”.  
A qualidade do desenho melhorou muito no quarto número. 


O padrão de qualidade estava não só na arte, mas também no roteiro. Nas histórias anteriores, Conan parece um personagem convencional de espada e magia, um benfeitor que livra fazendeiros de um feiticeiro, por exemplo. O Conan anti-herói, puramente bárbaro, cuja moralidade se distancia da moralidade civilizada, vai surgir nos quadrinhos nessa adaptação da Torre do elefante.
Os desenhos de Barry Windsor-Smith também melhoram muito, em especial na sequência da subida da torre. O detalhamento das pedras encrustadas na parede da torre é um dos pontos altos da HQ, sendo superior, inclusive à versão que seria feita, anos depois, por John Buscema. Tínhamos ali uma antecipação do que o desenhista viria se tornar.

segunda-feira, dezembro 02, 2024

Um conto de duas cidades

 


Comprei o livro Um conto de duas cidades, de Charles Dickens em maio de 1999. Era uma edição de banca, da Nova Cultural. Tirando a capa mole, era uma publicação interessante, com biografia do autor e muitas notas sobre o texto. Por alguma razão eu comecei a ler e abandonei antes de terminar o primeiro capítulo. Isso é comum para quem é professor: você começa um romance e logo uma outra leitura, mais urgente, geralmente um texto técnico, o obriga a abandonar a ficção.

O livro ficou lá, escondido na estante, por mais de 10 anos, até que mudei de casa e comecei a arrumar a nova estante. Colocar livros numa estante pode parecer uma atitude simples para quem não gosta de leitura. Para um leitor assíduo, é algo demorado. É difícil resistir à tentação de dar uma folheada e ler um parágrafo ou outro.

Foi assim que comecei a ler Um conto de duas cidades. Considerando-se o início, é difícil imaginar porque eu o abandonei da outra vez. O livro tem uma das melhores aberturas da história da literatura:

"Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da luz, a estação das trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o paraíso, íamos todos direto no sentido contrário".

O livro apresenta uma trama que começa um pouco antes da Revolução Francesa e vai até a era de terror, em que dezenas, às vezes centenas de pessoas eram mortas diariamente, a maioria apenas pelo crime de serem nobres ou pela simples suspeita de serem traidores da pátria. As duas cidades do título são Paris e Londres, locais percorridos pelos personagens (embora os melhores momentos são aqueles passados na França revolucionária).

A trama inicia com o resgate do médico Manette, preso durante anos na Bastilha. Solto, sua filha, Lucie e um funcionário do banco Tellson seguem para Paris a fim de levá-lo para a Inglaterra, uma vez que ele pode vir a ser preso novamente se continuar em solo francês.

Dickens, baseando-se no livro de Carlyle, The French Revolution, aproveita-se do fato de que os nobres mais influentes da época tinham cartas que lhes permitiam capturar e encarcerar na Bastilhas qualquer desafeto para construir sua trama. O Doutor Manette teria sido vítima de uma dessas cartas, mas a razão pela qual ele foi preso só será revelada no final do livro, provocando uma nova tragédia.

Embora seja anterior a ele, Dickens parece ter lido o conselho de Edgar Alan Poe: imaginar primeiro o final e fazer todas as tramas e personagens se enlaçarem. Aliás, os últimos capítulos são uma aula de suspense. Como num filme de Hitchcock, acompanhamos as várias tramas avançando na direção da tragédia representada pela guilhotina.

Dickens tinha um olhar de fotógrafo: sua capacidade de ambientar o leitor através da visão de pequenos acontecimentos é única e pode ser bem apreciada no primeiro capítulo V, o primeiro em que aparece o bairro de Santo Antônio, onde é focada a maior parte da narrativa da era do terror. Um grande tonel de vinho tomba na rua e se quebra. O populacho se embriaga com o líquido, que escorre pelo calçamento acidentado: homens e mulheres cavoucam as poças com canecas de barro lascadas ou com lenços de cabeça das mulheres, que são torcidos para derramar gotas do líquido precioso na boca das crianças. O episódio, sem menor importância, torna-se um prenúncio do que virá quando um rapaz usando barrete vermelho usa o vinho para escrever no muro: "Sangue".

Dickens usa esses instantâneos para ambientar sua historia e criar expectativa, preparando o leitor para o que virá. Isso é feito de maneira lenta, própria de uma época em que se podia ler calmamente um livro: a narrativa avança aos poucos e há capítulos apenas com o objetivo de antecipar a carnificina que virá. O capítulo VI, por exemplo, é usado quase que só para descrever o local em que o Doutor e sua filha moram em Londres e um curioso efeito acústico, que lhes permite ouvir vozes e passos vindos de outras ruas, como se fossem uma multidão invisível: "Talvez vissem também a grande multidão de pessoas com seu ímpeto e seu rugido avançando sobre eles".

O leitor que resistir a essa narrativa lenta será recompensado não só pela bela prosa de Dickens ou pelo final de tirar o fôlego, mas também por uma análise interessante sobre uma época: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou Morte; a última muito mais fácil de conceder do que as outras, ó Guilhotine!".

Suas descrições da carnificina são um verdadeiro estudo da natureza humana sob a influência da multidão. Em determinado ponto do livro, um dos prisioneiros é restituído à liberdade exatamente na noite em que os jacobinos decidem matar centenas de nobres que entulham as prisões. No meio da confusão, ele acaba sendo apunhalado. Chamado para atendê-lo, o doutor o encontra sendo atendido por um grupo de samaritanos sentados sobre os corpos de suas vítimas. Eles o ajudam com total solicitude, improvisam uma padiola e mandam uma escolta tirá-lo dali. Depois empunham suas armas e voltam a se dedicar à hedionda carnificina.

As notas do final do livro ajudam a entender melhor o sentido de algumas passagens ou acrescentam informações aos episódios. Sobre a noite referida, a nota cita Mercier, detalhando o assassinato da princesa de Lamballe: "Tendo os assassinos dividido os pedaços sangrentos do corpo dela, um desses monstros arrancou-lhe os pelos pubianos e fez um bigode para si mesmo com eles".

Dickens, que chegou a fazer uma reportagem sobre uma execução na guilhotina (na Itália) mostra a todo momento sua ojeriza aos crimes cometidos durante a era do terror. Mas não faz uma acusação cega dos revoltados. Ao contrário, deixa claro que tal estado de coisas só foi possível em decorrência da situação absurda em que vivia a França na época pré-revolução, com uma nobreza de poderes absolutos gastando fortunas em luxo enquanto a população miserável passava fome: "Seis carros mortuários rodam com estrondo pelas ruas de Paris. Faça-os regressar ao que eram antes, ó Tempo, poderoso mago, e eles serão vistos como luxuosas carruagens de monarcas absolutos, como equipagens de nobres feudais, como toucadores de mulheres deslumbrantes como Jezebel, como igrejas que não a casa do meu Pai, mas um covil de ladrões, como a choupana de milhões de camponeses esfaimados!".

A edição da Nova Cultural já está fora de catálogo, mas existe uma outra, da Estação Liberdade, para os que ficarem interessados.

Quarteto Fantástico – surge o Pantera Negra

 

O Pantera Negra é um dos heróis mais famosos da Marvel atualmente. Mas quando surgiu, era um personagem secundário do Quarteto Fantástico. O herói africano surgiu nos números 52 e 53 do título do Quarteto e a narrativa dava a entender que se tratava de um vilão. 
Na história, o Quarteto ganha de presente do rei de Wakanda um veículo extremamente tecnológico que viaja através de ondas magnéticas (Kirby e Lee adoravam essas explicações pseudo-científicas). 
Os heróis ganham de presente um carro super tecnológico, mas em troca devem visitar Wakanda. 


Em troca, o Pantera pede que os heróis viagem para seu reino. Intrigados, os heróis aceitam o convite e levam junto um colega de quarto do Tocha, Wyatt Wingfoot, um personagem que passa a maior parte do tempo dormindo, mas quando acorda é pau para toda obra. 
Em Wakanda, os heróis se deparam com uma série de armadilhas que os aprisionam um a um. A história em nenhum momento explica porque o Pantera faz isso – aparentemente só por diversão. Mas na verdade é apenas para cumprir a regra básica do universo Marvel: sempre que heróis se encontram, eles brigam.
Os cenários tecnológicos de Kirby eram deslumbrantes. 


Na edição seguinte, T'Challa conta sua história – que difere em alguns pontos do que hoje conhecemos sobre o personagem. Naquela primeira versão, por exemplo, Tchalla foi o primeiro a usar o uniforme do Pantera e Wakanda só se tornou um reino tecnológico recentemente. Mas já existem as ricas reservas de vibranium. Além disso, o uniforme do herói também tem um capa, que seria esquecida nas encarnações posteriores do personagem. 
Algumas coisas chamam muita atenção na história. A primeira delas é a forma encadeada com que Lee e Kirby faziam as histórias. No meio da trama do Pantera Negra aparece uma página inteira de gancho para uma história futura com os Inumanos (o que certamente deveria dar uma dor de cabeça sem tamanho para editores de outros países que não adotassem a cronologia Marvel). 
Qual é a regra, crianças? Sempre que dois heróis Marvel se encontram, eles brigam. 


Outro fator é o fato de que Kirby era minimalista nos uniformes. O uniforme do Pantera é todo preto, ainda mais minimalista que o do Quarteto. Coisa de quem tinha que desenhar vários gibis todo mês e não podia perder tempo desenhando detalhes em uniformes. 
Mas o cenário em especial os mecanismos são extremamente detalhados, como se Kirby não conseguisse segurar sua imaginação quando os desenhava. Vale destacar, no entanto, que, embora minimalista, os uniformes funcionavam muito bem.

Mister Bean e a comédia

 


Aristóteles dizia que a comédia é a imitação das pessoas inferiores. Enquanto a tragédia mostraria pessoas superiores, cujo comportamento era louvável, a comédia mostraria pessoas cujo comportamento é reprovável. Portanto, rimos daquilo que reprovamos. Mas o comportamento reprovável muda de cultura para cultura. Um exemplo perfeito disso é o seriado Mister Bean, um dos maiores sucessos da TV britânica.
Além da ótima atuação de Rowan Atkinson, que nos faz rir sem dizer uma única palavra, há um outro fator que fez com que os ingleses se deliciassem com o seriado: o caráter do protagonista.
Mister Bean é alguém que quer sempre levar vantagem em tudo, que encontra sempre um jeitinho diferente para fazer as coisas. Se está no café da manhã de um hotel, quer comer mais que os outros hóspedes (e, na pressa de levar vantagem, acaba comendo ostras estragadas). Ao invés de contratar um serviço de entrega para levar seu sofá novo, ele o coloca acima do carro, o que acaba se revelando um desastre. Se perde o elevador, faz questão de atrasá-lo para que os que estão dentro demorem a chegar a seus andares.
Os episódios têm quase que um padrão fixo: Mister Bean geralmente tenta “dar um jeitinho em algo” ou levar vantagem em uma determinada situação e, invariavelmente, se dá mal – o humor surge exatamente dessa dinâmica.
É sintomático que Mister Bean seja uma série inglesa. Na Inglaterra, seguir as regras e pensar no bem comum é considerado o correto. Por isso Mister Bean se torna risível para os britânicos: ele é a pessoa que sempre tenta levar vantagem.
Aí vemos a diferença cultural entre Brasil e Inglaterra: aqui o comportamento risível é justamente o oposto: rimos do “otário”, daquele que parece ingênuo por não querer tirar vantagem das situações. O herói na grande maioria das vezes é o malandro, o que dá um jeitinho. É a lei de Gerson.

Leo

 


Há obras que não parecem nada promissoras e nos surpreendem. Um exemplo disso é Leo, animação lançada pela Netflix e dirigida por Robert Smigel, David Wachtenheim e Robert Marianetti.

A premissa parece receita para dar sono. O personagem principal é uma iguana que vive em um aquário, ao lado de uma tartaruga, em uma sala de uma escola infantil norte-americana. Leo passou dos 70 anos e acredita que irá morrer em breve, razão pela qual pretende realizar um antigo sonho: conhecer a vida natural, a floresta. A oportunidade surge quando uma nova professora implementa uma tarefa para as crianças: levar um dos animais para casa durante a semana e cuidar dele.

Na primeira visita, a criança descobre que Leo consegue falar, mas ao invés disso se tornar um desastre, torna-se uma oportunidade: ao conversar com o réptil a criança consegue compreender a si mesma e recebe conselhos que a ajudarão no seu cotidiano.

A fórmula se repete diversas vezes: Leo é acolhido por uma criança e a ajuda em algum dificuldade ajudando-a a superar dificuldades.

A grande capacidade de Leo é saber ouvir e compreender, algo que parece faltar para todas as crianças, o que se reflete em comportamentos pouco saudáveis, como do menino que é acompanhado o tempo todo por um drone que deve “cuidar de sua segurança”, mas que o impede de manter relações sociais.

Leo tem pouquíssimas cenas de ação (e as as poucas são realmente é ótimas), sendo calcado principalmente na envolvente relação do protagonista com as crianças.

É um filme emocionante sem ser piegas, sendo divertido na medida certa. Um filme com várias camadas, que vai agradar pais e filhos.

Superamigos

 


Exemplares da minha coleção da melhor revista DC publicada pela Abril. 

 


A revista Superamigos surgiu em 1985 para substituir as revistas Heróis em ação e Batman. A quantidade de páginas era o maior da época (134) , um verdadeiro tijolão, pelo menos no seu começo.
Superamigos se tornou rapidamente a mais relevante revista DC da Abril, principalmente em seus primeiros números. E não era para menos: algumas das mais importantes séries DC eram publicadas nela, com destaque para Esquadrão Atari, da dupla Gerry Conway e José Luís Garcia-Lopez, uma das melhores HQs de FC já publicadas e Camelot 300, com a arte impressionante de Brian Bolland e roteiros de Mike Baar. Camelot 300 vinha sendo publicada em Batman e Esquadrão Atari em Heróis em ação. Ao juntar as duas em uma só revista, a Abril colocou na mesma publicação as mais vibrantes e revolucionárias séries da época.
Superamigos publicava ainda os Novos Titãs, de George Perez e Marv Wolfman, Batman de Steve Englehart e Marshall Rogers, Lanterna e Arqueiro Verde de Denny O´Neil e  Neal Adams, Guerreiro, de Mike Grell e futuramente até mesmo o Monstro do Pântano de Alan Moore. Na época você poderia não colecionar qualquer outra revista DC da Abril, mas tinha que comprar Superamigos.
A revista durou 44 números. A desculpa para cancelá-la tinha a ver com o título, que remetia ao desenho animado da Hanna Barbera, em que os heróis da Liga da Justiça eram mostrados de maneira infantilizada. Mas a qualidade da revista era tão boa que a maioria dos leitores não fazia essa correlação.