domingo, dezembro 15, 2024

Miracleman – Um sonho de voar

 


Alan Moore amava as histórias do Marvelman quando era criança. Era tão apaixonado pelo personagem que, quando já tinha se tornado um roteirista de quadrinhos de relativo sucesso e lhe perguntaram o que ele gostaria de escrever, não pensou duas vezes: queria escrever histórias do personagem criado por Mike Anglo (que, na verdade, era uma cópia do Capitão Marvel). Um editor viu essa entrevista e resolveu trazer o super-herói de volta.

O personagem ficaria conhecido como Miracleman graças a uma treta com a Marvel e foi publicado em capítulos de oito páginas na revista Warrior.

Alan Moore descreve Miracleman como um deus. 

No Brasil essa histórias foram publicadas pela editora Tannos no ano de 1989. Coinscidentemente, foi no mesmo ano que comecei a escrever quadrinhos e também o ano em que descobri a obra de Alan Moore. Para mim foi um impacto tão estrondoso quando a transformação de Michael Moran. Miracleman foi uma influência duradoura tanto na construção do texto quanto na abordagem inovadora dos super-heróis (algo que eu e Bené iríamos colocar me prática na Família Titã).

Aqui, vamos analisar a versão da Panini, a primeira a publicar a série completa no Brasil.

A história começa com um pesadelo de Michael Moran, um jornalista decandente, que trabalha como freelancer.  Como o leitor descobrirá pouco depois o pesadelo na verdade é uma lembrança de algo real – a situação em que a família Miracleman enfrentou uma detonação atômica. “O poder corre por suas veias como prata derretida. Seus músculos se movem com graça precisa sobre a pele. Ele sabe que é invencível”, diz o texto. “É quando vê a enorme forma cinza que flutua no vazio agitado. É então que o medo começa...”.

O tema atômico fica óbvio desde as primeiras páginas. 

É impressionante a capacidade de Moore de expressar algo tão intangível quanto o poder. A metáfora da prata derretida correndo nas veias é imponente, deixando claro que não se está falando de alguém comum. O roteirista poderia usar chumbo derretido, mas a prata dá um um ar de nobreza, reforçando a imagem de semi-deus de Miracleman.

Quando o pesadelo acaba, descobrimos que o sonhador é Michael Moran, um homem de meia idade, um jornalista decadente que não consegue se sustentar com seu próprio trabalho. “Liz, já tivemos essa conversa. Seu trabalho mal dá para manter nós dois”, diz ele para a esposa.

A primeira aparição do personagem: imponente como um deus. 


A matéria do dia é a cobertura de um protesto em uma usina nuclear. É uma sacada interessante. Moore constrói toda a trama da série em torno do perigo nuclear – e começar a história em uma usina é uma forma de deixar isso claro.

O protesto é interrompido por terroristas, que pretendem leiloar isótopos de plutônio e usar o sequestro dos manifestantes como forma de garantir publicidade. Moran passa mal e é arrastado para fora do local. no caminho, ele passa por por uma porta na qual está escrito Central de energia atômica. Visto ao contrário, em inglês, a palavra atômica, fica cimota e é a deixa para que o personagem se lembre da palavra que o transformava no herói: Kimota. Realmente não sei se a intenção de Mike Anglo era fazer uma referência à energia atômica ao escolher a palavra Kimota, mas, seja qual for o caso, Moore aproveita essa semelhança para deixar ainda mais claro que o perigo atômico é o mote da série.

Até mesmo um abraço em um super-herói seria algo diferente. 


Ao dizer a palavra, Michael Moran transforma-se no Miracleman. Só iremos saber o que acontece com os terroristas na história seguinte, que começa com a esposa de Michael, Liz, assistindo uma matéria de TV segundo a qual os terroristas estão no hospital, vítimas de graves concussões, um deles em estado grave, vítima de queimaduras (era o que estava perto do personagem quando ele se transforma). Quando olha, para trás, percebe alguém ali. É Miracleman. 

Apesar do susto e da estranheza inicial, ela acaba percebendo que aquele ser complementante diferente é seu marido. “Ela o abraça e seu toque é tão sem atrito quanto mercúrio. O poder contido em seus braços a faz sentir-se frágil como vidro”, diz o texto. Super-heróis existem desde o final da década de 1930, mas, tirando as habilidades especiais, ninguém nunca tinha pensado em descrevê-los de maneira diferente dos humanos. Moore deixa claro: super-heróis, se existissem, seriam tão diferente de nós que até um ato simples, como um abraço, pareceria alienígena.

Moore aproveita a primeira história para recontar a origem do herói. A esposa ri. 

O encontro com a esposa e a explicação sobre o que está acontecendo é usado por Moore para recontar a origem do personagem, fazendo uma breve retrospectiva da fase de Mike Anglo. A esposa ri: “Desculpa mesmo, Mike, mas isso é muito idiota!”. É como uma criança contando uma história para um adulto e este alertando para a falta de verossimilhança (vale lembrar que as histórias originais do personagem eram voltadas para crianças).

No final, vemos um personagem misterioso vendo a matéria na TV e estraçalhando uma mesa com um soco. Um gancho para a história seguinte.

Sem comentários: