Alan Moore amava as histórias
do Marvelman quando era criança. Era tão apaixonado pelo personagem que, quando
já tinha se tornado um roteirista de quadrinhos de relativo sucesso e lhe
perguntaram o que ele gostaria de escrever, não pensou duas vezes: queria
escrever histórias do personagem criado por Mike Anglo (que, na verdade, era
uma cópia do Capitão Marvel). Um editor viu essa entrevista e resolveu trazer o
super-herói de volta.
O personagem ficaria
conhecido como Miracleman graças a uma treta com a Marvel e foi publicado em
capítulos de oito páginas na revista Warrior.
Alan Moore descreve Miracleman como um deus. |
No Brasil essa histórias foram publicadas pela editora Tannos no ano de 1989. Coinscidentemente, foi no mesmo ano que comecei a escrever quadrinhos e também o ano em que descobri a obra de Alan Moore. Para mim foi um impacto tão estrondoso quando a transformação de Michael Moran. Miracleman foi uma influência duradoura tanto na construção do texto quanto na abordagem inovadora dos super-heróis (algo que eu e Bené iríamos colocar me prática na Família Titã).
Aqui, vamos analisar a
versão da Panini, a primeira a publicar a série completa no Brasil.
A história começa com um
pesadelo de Michael Moran, um jornalista decandente, que trabalha como
freelancer. Como o leitor descobrirá
pouco depois o pesadelo na verdade é uma lembrança de algo real – a situação em
que a família Miracleman enfrentou uma detonação atômica. “O poder corre por
suas veias como prata derretida. Seus músculos se movem com graça precisa sobre
a pele. Ele sabe que é invencível”, diz o texto. “É quando vê a enorme forma
cinza que flutua no vazio agitado. É então que o medo começa...”.
O tema atômico fica óbvio desde as primeiras páginas. |
É impressionante a
capacidade de Moore de expressar algo tão intangível quanto o poder. A metáfora
da prata derretida correndo nas veias é imponente, deixando claro que não se
está falando de alguém comum. O roteirista poderia usar chumbo derretido, mas a
prata dá um um ar de nobreza, reforçando a imagem de semi-deus de Miracleman.
Quando o pesadelo acaba,
descobrimos que o sonhador é Michael Moran, um homem de meia idade, um
jornalista decadente que não consegue se sustentar com seu próprio trabalho. “Liz,
já tivemos essa conversa. Seu trabalho mal dá para manter nós dois”, diz ele
para a esposa.
A primeira aparição do personagem: imponente como um deus. |
A matéria do dia é a
cobertura de um protesto em uma usina nuclear. É uma sacada interessante. Moore
constrói toda a trama da série em torno do perigo nuclear – e começar a história
em uma usina é uma forma de deixar isso claro.
O protesto é
interrompido por terroristas, que pretendem leiloar isótopos de plutônio e usar
o sequestro dos manifestantes como forma de garantir publicidade. Moran passa mal
e é arrastado para fora do local. no caminho, ele passa por por uma porta na
qual está escrito Central de energia atômica. Visto ao contrário, em inglês, a
palavra atômica, fica cimota e é a deixa para que o personagem se lembre da
palavra que o transformava no herói: Kimota. Realmente não sei se a intenção de
Mike Anglo era fazer uma referência à energia atômica ao escolher a palavra
Kimota, mas, seja qual for o caso, Moore aproveita essa semelhança para deixar
ainda mais claro que o perigo atômico é o mote da série.
Até mesmo um abraço em um super-herói seria algo diferente. |
Ao dizer a palavra, Michael Moran transforma-se no Miracleman. Só iremos saber o que acontece com os terroristas na história seguinte, que começa com a esposa de Michael, Liz, assistindo uma matéria de TV segundo a qual os terroristas estão no hospital, vítimas de graves concussões, um deles em estado grave, vítima de queimaduras (era o que estava perto do personagem quando ele se transforma). Quando olha, para trás, percebe alguém ali. É Miracleman.
Apesar do susto e da estranheza inicial, ela
acaba percebendo que aquele ser complementante diferente é seu marido. “Ela o
abraça e seu toque é tão sem atrito quanto mercúrio. O poder contido em seus
braços a faz sentir-se frágil como vidro”, diz o texto. Super-heróis existem
desde o final da década de 1930, mas, tirando as habilidades especiais, ninguém
nunca tinha pensado em descrevê-los de maneira diferente dos humanos. Moore
deixa claro: super-heróis, se existissem, seriam tão diferente de nós que até
um ato simples, como um abraço, pareceria alienígena.
Moore aproveita a primeira história para recontar a origem do herói. A esposa ri. |
O encontro com a esposa e a explicação sobre o que está acontecendo é usado por Moore para recontar a origem do personagem, fazendo uma breve retrospectiva da fase de Mike Anglo. A esposa ri: “Desculpa mesmo, Mike, mas isso é muito idiota!”. É como uma criança contando uma história para um adulto e este alertando para a falta de verossimilhança (vale lembrar que as histórias originais do personagem eram voltadas para crianças).
No final, vemos um
personagem misterioso vendo a matéria na TV e estraçalhando uma mesa com um
soco. Um gancho para a história seguinte.
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