quinta-feira, julho 31, 2025

Companheiros do Crepúsculo – O sortilégio do Bosque das Brumas

 


As histórias em quadrinhos sobre a Idade Média geralmente apresentam uma sociedade idealizada e idílica, com cavaleiros andantes belos e bem intencionados. Principe Valente, de Hall Foster, é o representante máximo desse paradigma. A série Companheiros do Crepúsculo, de François  Bourgeon foge completamente dessa imagem ao mostrar uma Idade Média extremamente violenta, mas ao mesmo tempo, mágica.

O impacto dessa quebra já pode ser percebido no primeiro álbum da série desde a primeira página com seu texto impressionante: “Diz-se que esta durou cem anos. Nada a distinguiu verdadeiramente daquela que a precedeu nem daquela que a seguiu. Como o granizo ou a peste, a guerra se abate sobre os campos quando menos se espera. De preferência quando o trigo está maduro e as moças bonitas” enquanto as imagens mostram a imagem idílica de um povoado e de campos. No final dessa página, aparece Mariotte, a protagonista.

O texto de abertura repete em todos os álbuns da série. 


A garota ruiva vive na floresta, com a sua avó, e são consideradas bruxas, pois não frequentam a missa e vivem colhendo plantas pra fazer remédios. Por conta disso, Mairotte é constantemente vítima de bullying dos moradores do vilarejo, como vemos na sequência inicial, em que os adolescentes jogam a garota no rio. Como vingança, ela indica o caminho da aldeia para soldados que passam por ali.

Mariotte é vítima das brincadeiras malvadas dos adolescentes da vila. 


Vale lembrar que nessa época, França e Inglaterra estavam em guerra há quase 100 anos e o conflito havia se transformado em um caos total, com várias milícias percorrendo a área de conflito, mantando e roubando os moradores. E é o que acontece aqui. Quando vai ver o que ocorre, Mariotte encontra todos mortos das maneiras mais cruéis – as mulheres haviam sido violentadas antes da morte. Há um único sobrevivente, Anicete, um rapaz, pendurado pelo pescoço em uma viga, equilibrando-se sobre um barril. Quem o salva é um cavaleiro misterioso, de rosto deformado.

Apesar do ato de misericórdia, o cavaleiro passa longe de ser um daqueles heróis das histórias de cavalaria.

Na série a Idade Média é mostrada em toda a sua violência. 

Descobrimos que ele é de origem humilde, mas que nos torneios acabava sempre vencedor, gerando inveja nos nobres. Assim, durante uma justa quando ele fica com o pé preso no estribo enquanto o cavalo dispara, ninguém interfere. O resultado é o rosto deformado.

Como forma de vingança, quando eclode a guerra, ele monta uma milícia especializada em sitiar castelos dos nobres. “Deixo que imagines como tratávamos, eles e suas malditas fêmeas. Mas posso afirmar isto: no momento de entregar a alma, não houve sequer um ou uma cujo rosto ficasse devendo alguma coisa à feiura do meu”.

O cavaleiro segue em uma jornada de vingança contra os nobres. 

Mas o destino reserva uma ironia para o cavaleiro rebelde. Uma única mulher nobre demonstrara compaixão por ele e cuidara de sua saúde após o acidente com o cavalo. Quando invadem um dos castelos, o cavaleiro misterioso descobre a dama empalada por seus homens. Assim, seu objetivo é encontrar a morte e ajustar contas com ela por esse golpe do destino.

A trama por si já faria desse álbum um clássico, mas há vários outros méritos. Bourgeon antes de adentrar no mundo dos quadrinhos fazia vitrais e trouxe essa experiência para quadrinhos em imagens destalhadas e historicamente precisas. Além disso, sua diagramação era constantemente inovadora.   

Mas o que mais me chamou atenção quando li o álbum pela primeira vez foi a forma como Bourgeon mistura sonho e realidade, fazendo com que o leitor raramente consiga distinguir um do outro. A linha que separa a fantasia da realidade é tão tênue a ponto de ser indistinguível.   

O trio é aprisionado por duendes. 


Os dois cavaleiros e mais Mariotte, que se juntara a eles, entram num bosque enevoado de onde não conseguem sair.  Eles acabam sendo aprisionados por duendes pelo fato dos cavalos terem destruído, com suas patas, casas e matado alguns seres.

Bourgeon diferencia os pequenos seres não só pela aparência, mas também pela forma de falar, sempre em rima, muitas vezes com palavras distorcidas para se encaixarem na rima, como se fazia na Idade Média.

Bourgeon usa o requadro como elemento narrativo. 


O trio é condenado a serem mortos e salgados e distribuídos entre os pequenos seres. Mas os jovens propõe que sejam libertados se livrarem a aldeia do monstro que os aterroriza. Para isso, tanto Anicet quanto Mariotte são mantidos como reféns enquanto um casal de jovens duendes mostra o caminho para o cavaleiro.

Entre as sequências mais impressionantes, entre muitas impressionantes, há aquela em que o cavaleiro entra numa caverna e o chão desaba sob seus pés. Bourgeon usa o requadro para simular o efeito de queda, com o cavaleiro indo para um lado e o requadro para o outro.

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