sexta-feira, junho 19, 2009

Auto-preconceito

Quem acompanha meu blog está por dentro de toda a discussão envolvendo o repasse de 2.300.00 reais para a Tizuka Yamazaki vir filmar uma cena de seu novo filme no Amapá. Evidentemente, os realizadores amapaenses reagiram. Não existe nenhum edital de apoio ao audio-visual amapaense, mas várias produções de fora estão conseguindo dinheiro facinho facinho. É só pegar a senha. Depois do manifesto "Farinha pouca, meu pirão primeiro", alguns assessores se manifestaram defendendo a liberação de dinheiro para a Tizuka. Segundo eles, o dinheiro foi liberado porque a Tizuka tem melhores equipamentos e mais conhecimento da área para realizar um filme. Chegaram até mesmo a sugerir que fôssemos fazer cursos antes de pedir um edital para as autoridades amapaenses.


Escrevi um e-mail de resposta, que reproduzo aqui:


Essa questão de qualidade técnica ou mesmo formação é bem complexa. O Zé do Caixão é reconhecido internacionalmente e nunca estudou cinema. (Orson Welles dizia que tinha feito Cidadão Kane como foi feito porque não conhecia cinema e, portanto, não entendia suas limitações - ele achava que podia fazer tudo). Claro que nem todo mundo é o Zé do Caixão ou um Orson Welles, mas os exemplos demonstram que muita gente já tem o talento para a coisa mesmo sem fazer um curso, de modo que não cola a desculpa de "façam cursos" para depois darmos um edital para vocês.
Nada impede que as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo.
A desculpa qualidade técnica também é questionável. Dizer que o dinheiro foi liberado para a Tizuka porque ela tem um equipamento de melhor qualidade é um argumento non-sense. O movimento dogma revolucionou o cinema usando câmeras digitais e gerou pelo menos uma obra-prima (Dogville).
Um dos cineastas que revolucionaram o mercado blockbuster norte-americano foi o mexicano Robert Rodrigues, que começou com um filme de péssima qualidade técnica, El Mariachi.
Vale lembrar A bruxa de blair, um filme quase amador, mas que causou estrondo na indústria cinematográfica e influenciou de maneira direta a linguagem do cinema e TV. Dá para imaginar a câmera nervosa de 24 horas ou Lost sem A Bruxa de Blair? Dá para imaginar Cloverfield sem A bruxa de Blair?
A técnica pode melhorar à vontade, mas, no fundo, no fundo, o que vale é a idéia. Uma boa idéia, um bom roteiro, é a base de qualquer filme.
Nada impede que um cabôco amazônida tenha uma idéia melhor que a da Tizuka Yamazaki.
Portanto, dizer que a deram dinheiro para a Tizuka porque ela tem equipamentos melhores é balela.
Então como identificar isso? Como perceber quem tem melhor idéia? Simples, fazendo um edital aberto, no qual várias pessoas possam participar, inclusive o cabôco amazônida. Se a idéia da Tizuka for melhor, parabéns. Dinheiro pra ela.
Agora, simplesmente dar o dinheiro para a Tizuka alegando que ela tem equipamento melhor e melhor capacidade para fazer um filme é, apenas, preconceito. E, pior, auto-preconceito, já que as pessoas que tomaram essa decisão são também amazônidas.

É o que eu penso.

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