Assim, a culpa da péssima qualidade da educação brasileira não é o salário de fome dos professores (que os obriga a trabalhar em várias escolas, com cargas horárias massacrantes, em turmas lotadas) ou da total falta de estrutura das escolas (a maioria das quais não tem nem mesmo biblioteca). A culpa é dos "professores comunistas" (e aqui, como sempre, o comunista é um guarda-chuva que serve para abarcar os mais variados tipos, incluindo quem ensina teoria da evolução).
A culpa da crise econômica é da política do BNDES de bolsa-empresário, que emprestava dinheiro para empresários com juros baixíssimos em conjunto com isenções fiscais e, para cobrir o rombo, pegava dinheiro emprestado a juros altíssimos, provocando endividamento público e inflação? Claro que não, a culpa é do genérico "comunismo". A culpa da crise é da corrupção que campeia no meio político? Claro que não, a culpa é do genérico "comunismo".
Comunismo passou a ser uma palavra genérica usada pela grande mídia para se referir a praticamente tudo...
Essa estratégia, no, entanto, saiu do controle e uma ótima demonstração disso foi a fanática que invadiu o Congresso nacional e fez um vídeo dizendo que a bandeira do Japão era um exemplo do comunismo modificando nossa bandeira. Aliás, a própria invasão do congresso. Os manifestantes diziam que estavam ali para acabar não com a corrupção, mas com o comunismo (e, para eles, quase todos os deputados eram comunistas, do PSDB ao PT). O comunismo virou uma palavra tão genérica que é capaz de incluir até mesmo a bandeira do Japão.
Essa narrativa criou o indivíduo que acredita que FHC é comunista, que a Veja é comunista, que Feliciano é comunista (sim, há memes circulando entre grupos de direita que afirmam isso).
Então, não espanta, por exemplo, o grupo de extrema-direita atacando Caco Barcelos e comemorando no Facebook - para eles, a Globo é comunista. Não vai demorar para quem comecem a agredir jornalistas da Veja (e não faltará muito para que a sede da Abril seja invadida).
Dois exemplos, mais pessoais.
Dia desses estava na fila da panificadora e de repente um homem que se chegou antes, ficou fora da fila, enervou-se com uma moça que teria ocupado seu lugar. A moça simplesmente disse que ele podia ser atendido primeiro, mas ele começou gritar que ela era comunista. Só parou quando a esposa e filha chegaram e o puxaram para longe. Não havia qualquer indicação de que a moça fosse de fato comunista, mas na cabeça dele, ela era e por pouco isso não gerou uma agressão.
Outro exemplo: quando visitei a Argentina, comprei uma camisa com um macaco de boina com a frase "Viva la evolucion". Achei bem sacada a anedota ao juntar uma sátira da famosa camisa de Chê com a teoria da evolução e o filme O planeta dos Macacos (vale lembrar, que não, a teoria da evolução não diz que viemos do Macaco, mas dentro de um contexto de paródia, a imagem funcionava). Dia desses quase fui agredido por um senhor que achava que eu era comunista por causa da camisa. Não adiantou muito explicar que era um paródia e que na verdade, a camisa fazia referência à teoria da evolução e ao Darwinismo. Na cabeça dele, eu era comunista. Aliás, percebe-se que a confusão entre darwinismo e marxismo é grande, principalmente em sites e páginas de direita.
Durante algum tempo achei curioso e até risível. Costumava dizer que tinha meus bolsonetes de estimação e me divertia com essa visão de mundo absurda, em que tudo pode ser enquadrado em comunismo.
Mas mudei de ideia. O que me parecia uma extravagância agora vejo que é uma doença social. Como ficou claro no caso do pai que matou o filho ou dos fanáticos que agrediram Caco Barcelos´( e principalmente pelas dezenas de páginas que comemoraram tais fatos), para essas pessoas e sua filosofia de ódio a única forma de lidar com aqueles que eles consideram comunista é a eliminação física, a agressão, o homicídio. Quero distância dessa gente. A partir de agora, bloqueio ao menor sinal de que a pessoa faz parte desse grupo. Não se discute com a multidão ensandecida pedindo por sangue. A única coisa a fazer é manter distância.
Em tempo: sobre a camisa, está devidamente guardada no armário, esperando por tempos menos sombrios.
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