Os códigos existem para facilitar a comunicação. São eles que nos dizem o que pode e o que não pode, o que representa algo e o que não representa nada. Sem eles, não seria possível se comunicar nem mesmo através de gestos, pois também esse tipo de comunicação passa por uma codificação. Mas existem situações em que códigos são criados com o objetivo específico de tornar o texto transparente para quem tem a chave e absolutamente incompreensível para quem não a tem. São as cifras secretas, utilizadas principalmente na política e na guerra.
O Livro
dos Códigos, de Simon Sigh, lançado recentemente pela editora Record, trata
desses últimos. O alentado volume de quase quinhentas páginas trata da história
dos códigos secretos e da luta entre dois times, os criptógrafos, que os
criavam e tinham como objetivo mantê-los inquebráveis, e os criptoanalistas,
que objetivavam descobrir a mensagem por trás de um emaranhado superficialmente
incompreensível.
É um
livro altamente aconselhável para quem gosta de história, mas principalmente
para quem gosta de exercitar a massa cinzenta. O Livro dos Códigos se
encaixa naquela categoria de livros que são para o cérebro o que Solange Frazão
é para a panturrilha.
O
aspecto histórico fica por conta dos momentos dramáticos que envolveram a
criação ou a quebra de códigos. Não por acaso, o volume começa com Maria, a
Rainha da Escócia, que, presa na Inglaterra, estava diante de uma corte, sendo
acusada de articular o assassinato da rainha Elizabeth.
Na
verdade, os católicos ingleses pretendiam de fato assassinar Elizabeth, a
rainha protestante, e colocar em seu lugar Maria. Mas queriam antes ter a
aprovação de Maria. Assim, escreveram para ela uma mensagem cifrada, pedindo
autorização para o levante. Maria respondeu positivamente, também através do
código secreto.
Acontece
que o primeiro secretário da rainha Elizabeth havia interceptado a mensagem e
prendido os revoltosos. Restava julgar Maria. Mas, embora desprezasse sua prima,
a rainha da Inglaterra tinha razões de sobra para não condena-la à morte.
Primeiramente porque a ré era uma rainha de outra nação e muitos contestavam a
autoridade de uma corte inglesa sobre ela. Além disso, a morte de Maria poderia
criar um precedente perigoso. Se um júri poderia enviar uma rainha à morte,
então talvez o populacho se sentisse tentado a fazer o mesmo com Elizabeth. Por
último, havia o laço de sangue.
A
condenação de Maria dependia de provas de que ela participava do plano e isso
só poderia ser conseguido com a quebra da cifra.
Os
revoltosos haviam criado um código em que cada letra era representada por um
símbolo. Além disso, havia nulos, ou seja, sinais que não tinham valor algum e
só serviam para complicar a vida de quem tentasse decifrar a mensagem.
Um
leigo que olhasse a mensagem acharia que seria impossível decodificá-la sem a
chave apropriada.
O
mesmo ocorreria com uma cifra de César. Essa forma de codificar mensagens,
criada pelo famoso estadista romano consistia em trocar as letras da mensagem
original pelas terceiras letras seguintes do alfabeto. Assim, o A virava D, o B
virava E e assim por diante. Mas, da mesma forma que a mensagem poderia ser
escrita deslocando-se três casas, o criador do código poderia deslocar cinco, seis
ou até vinte e cinco casas. Um general inimigo que interceptasse a mensagem
poderia ir tentando as combinações possíveis, mas existem
400.000.000.000.000.000.000.000.000 combinações possíveis. Isso significa que
ele levaria um bilhão de vezes o tempo do universo para verificar todas as
possibilidades. Parece impossível, não? No entanto, meus alunos mais espertos
conseguem realizar tarefa semelhante em muito menos tempo. O recorde é de cinco
minutos.
O
segredo para a decodificação está na redundância. Sabendo em que língua foi escrita a mensagem,
basta ter uma tabela de freqüência da língua e verificar no texto quais são os
sinais mais redundantes e os menos redundantes.
No
português, por exemplo, as letras mais redundantes são as vogais, especialmente
o A e o E. Letras como o X e o Z são as menos redundantes. Sabendo-se isso,
basta trocar os sinais mais redundantes pelas letras mais redundantes e ir
verificando as combinações. Além disso, há a redundância sintática. Em
português, geralmente temos uma estrutura de sujeito – verbo – predicado. O
sujeito geralmente é composto de um substantivo acompanhado de um artigo. Se o
artigo for composto de apenas um sinal, deve ser ou o O ou o A. Se forem dois
sinais, o artigo provavelmente está no plural: OS, AS, o que nos dá mais uma
letra (S). Se o criptoanalista tiver uma idéia do assunto da mensagem, ele pode
experimentar testar palavras que ele acredita constar na mensagem. Isso é
chamado de cola. Se, por exemplo, sabemos que a mensagem trata do horário em que
será feito um ataque podemos usar a palavra HORA como cola e testá-la na
mensagem em vários pontos, até chegar a um resultado positivo. Descoberta uma
palavra, o resto é fácil. Quem já jogou palavras-cruzadas sabe que não é tão
difícil descobrir o significado de palavras incompletas. Se temos, por exemplo,
o conjunto M_NS_GE_, é óbvio que se trata da palavra MENSAGEM.
Esse
método é chamado de análise de freqüência e foi precisamente a técnica
utilizada pelo primeiro secretário da rainha Elizabeth para decodificar a
mensagem e levar Maria ao cadafalso.
A
pobre rainha da Escócia morreu porque sua cifra era fraca, fácil de ser
decodificada.
Mas,
com o tempo, os codificadores foram sofisticando cada vez mais seu trabalho,
assim como os criptoanalistas e os códigos passaram a ser essenciais em
episódios de guerra.
Exemplo
disso foi o telegrama Zimmermann. Durante a I Guerra Mundial, os ingleses
fizeram todos os esforços possíveis para convencer os EUA a entrarem no
conflito. Sem sucesso. O presidente americano, Woodrow Wilson, não queria
sacrificar a juventude de seu país e estava convencido de que a guerra só
terminaria com um acordo negociado. Woodrow saudou a escolha do novo ministro
das relações exteriores da Alemanha, Arthur Zimmermann, que parecia querer uma
negociação. Os jornais norte-americanos publicaram manchetes como NOSSO AMIGO
ZIMMERMANN.
Mas,
na verdade, o novo ministro tinha outros planos em mente. Sua idéia era
fazer uma guerra marítima total. O Kaiser havia feito uma promessa ao presidente
norte-americano de que os submarinos emergiriam antes de realizar um ataque, o
que evitaria acidentes com navios dos EUA. Se permanecessem no fundo do mar, os
submarinos seriam invencíveis contra os navios ingleses. Como uma guerra
submarina total afundaria navios norte-americanos, forçando Woodrow a entrar no
conflito, Zimmermann planejava criar uma guerra na América, financiando uma
ofensiva do México contra os EUA.
O
plano foi enviado pelo rádio para o embaixador alemão no México, que deveria
negociar com as autoridades mexicanas.
Acontece
que os ingleses interceptaram a mensagem e a decifraram, passando-a para o
embaixador norte-americanos na Inglaterra. Os EUA não tiveram outra
alternativa, senão entrar na guerra. Segundo Sigh, “uma única descoberta feita
pelos criptoanalistas da Sala 40 conseguira sucesso onde três anos de
diplomacia tinham fracassado”.
Mas
o momento mais emocionante da atuação dos criptoanalistas foi a Segunda Guerra
Mundial.
Os
alemães haviam inventado uma máquina capaz de cifrar uma mensagem com grande
rapidez e enorme confiabilidade. Chamava-se Enigma e era parecida com uma
máquina de escrever, com a diferença de que uma letra, ao ser escrita, era
trocada por outra letra de um alfabeto codificado. Havia uma série de misturadores,
o que faziam com que a mensagem fosse codificada em vários alfabetos cifrados.
Além disso, havia cabos que trocavam as letras, assim o A poderia ser
codificado como B e assim por diante. A ordem interna dos misturadores e dos
cabos podia mudar completamente o código e isso era feito todo dia pelos
nazistas. Ou seja, a cada dia os germânicos tinham um código altamente seguro e
diferente do usado no dia anterior, o que fazia com que os ingleses tivessem
que decifrar o código diariamente. Além disso, a mesma máquina que era usada
para codificar, poderia ser usada para decodificar. Um texto cifrado
datilografado nela dava origem ao texto original.
Os
ingleses conseguiram com os poloneses uma cópia da máquina Enigma, mas isso não
ajudava muito, pois a Enigma poderia ser ajustada de acordo com
10.000.000.000.000.000 chaves diferentes. Seria necessário mais tempo do
que a idade total do universo para
chegar cada ajuste e, sinceramente, até lá a guerra já teria acabado.
A
Enigma seria indecifrável, não fosse pela genialidade de Alan Turing, um dos
autores que dariam origem ao ramo da ciência conhecido como cibernética.
O
maior inimigo de um código secreto é a redundância. É ela que permite ao
criptoanalista decifrar a mensagem. Na Enigma havia pouca redundância, mas,
observando os textos que haviam sido decifrados, Turing percebeu uma
redundância na mensagem. Muitas delas obedeciam a uma estrutura rígida. Ele
descobriu, por exemplo, que os alemães mandavam relatórios sobre a previsão do
tempo logo depois das seis horas da manhã. Dessa forma, uma mensagem
interceptada nesse horário certamente conteria a palavra alemã para tempo,
WETTER. Como havia um protocolo rigoroso sobre a formatação dessas mensagens,
Turing poderia ter idéia até mesmo de onde a palavra WETTER estaria na
mensagem. Descoberto o texto cifrado de WETTER, bastava ajustar a máquina que
transformariam a palavra no texto cifrado. Feito isso, a Enigma revelava
completamente seus segredos.
As
mensagens decifradas pelos ingleses foram fundamentais para a vitória aliada na
Segunda Guerra, tanto que Winston Churchill chegou a visitar o local em que
ficavam os decifradores, em
Bletchley Park.
Entretanto,
Turing jamais pôde coletar os frutos de seu trabalho. Em 1952 ele foi se
queixar em uma delegacia de que havia sido roubado. Ingênuo, ele revelou que
estava tendo um relacionamento homossexual no momento do furto. A polícia
prendeu-o, acusando-o de “Alta indecência, contrária à seção 11 da lei
Criminal, Emenda de 1885”. Os jornais divulgaram a notícia, Turing foi julgado,
o governo britânico tomou-lhe seu passe de segurança e o retirou dos projetos
de pesquisa relacionados com o desenvolvimento do computador. No dia 7 de julho de 1954 ele foi para seu
quarto, levando uma maçã e um jarro com cianeto. Mergulhou a maçã na solução e
comeu. Com apenas quarenta e dois anos morria um dos maiores gênios da
cibernética e da criptoanálise.
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