Uma das inovações da Marvel era o fato de que vilões
poderiam se regenerar e se transformar em heróis, o que de fato, combinava com
a proposta de realismo das histórias. A espiã Viúva Negra e o Gavião Arqueiro
são exemplos disso, mas o vilão-herói mais famoso da editora seria o Surfista
Prateado, um personagem tão bom que virou cult, ganhando a simpatia dos setores
mais intelectualizados da população. Afinal, o surfista era um herói filósofo.
O
surfista surgiu na revista Fantastic Four 48, em 1966, no arco conhecido como
Trilogia de Galactus. Stan Lee escreveu uma sinopse sobre um ser super-poderoso
que vinha à Terra para sugar a energia do planeta e deu para Jack Kirby
desenhar. Quando Jack trouxe as páginas para que Lee colocasse os textos e
diálogos, havia uma novidade ali, um personagem que não aparecia na sinopse
original. Ele justificou dizendo que um ser tão poderoso quanto Galactus
deveria ter um arauto, que procurasse mundos a serem devorados. Stan Lee adorou
a idéia e o visual do personagem, que parecia ter uma postura nobre: ¨Quando
chegou a hora de estabelecer o seu padrão de discurso, comecei a imaginar de
que forma um apóstolo das estrelas se expressaria. Parecia haver uma aura
biblicamente pura no nosso Surfista Prateado, algo altruísta e magnificamente
inocente¨.
Ao
final da trilogia, a editora começou a receber cartas de fãs pedindo uma
revista daquele novo personagem, mas Stan Lee e Jack Kirby estavam muito
ocupados para pegar mais essa empreitada. Quando Roy Thomas entrou na Marvel
como assistente editorial, Lee se viu com tempo para se dedicar ao novo
projeto. A revista estreou em 1968 e
foi, aos poucos, contando a história do amargurado herói.
Assim,
o Surfista é Norrin Radd, um jovem cientista do planeta Zenn-La que aceita
tornar-se arauto de Galactus afim de que ele poupasse sua terra natal. Ao se
voltar contra seu mestre quando ele tentava devorar a Terra, Galactus condena-o
a ficar eternamente preso ao nosso planeta. Isso para ele é uma tortura dupla,
pois ele não pode voltar ao seu planeta natal, nem rever sua amada Shalla bal.
Além disso, vindo de um local mais avançado eticamente e tendo uma alma
extremamente nobre, ele sofre ao ser obrigado a conviver com os ambiciosos
humanos, que o caçam por ser diferente.
As
aventuras do Surfista permitiram a Stan Lee exercitar o lado humano de seus
roteiros ao trabalhar com um personagem angustiado. Para desenhar as histórias
ele chamou John Buscema, que era muito influenciado por Jack Kirby, mas tinha
uma melhor capacidade para mostrar dramas humanos.
Os
monólogos angustiados do protagonista, geralmente no início das histórias
tornaram-se a marca da série. Como esse, publicado no número 6 da revista: ¨Até
quando devo continuar aprisionado no selvagem planeta Terra? Não! Este não pode
ser meu destino eterno! Não foi para isso que renunciei ao meu mundo, minha
vida e meu amor! Por certo, em todo o universo não pode haver ironia mais cruel
do destino! Eu, que detenho um poder além da compreensão de qualquer ser
humano... estou fadado a viver confinado e sem esperanças... tal qual o mais
frágil dos animais! Aqui eu sou odiado... e temido... pelos mesmos seres que
meu coração só deseja ajudar! Meu coração! Eu disse... coração? Como poderia
ser... se não tenho mais coração? Afinal, eu o abandonei no planeta Zenn-la...
a inúmeras galáxias de distância... com aquela a quem amarei para sempre!
Zenn-la... onde meu mundo começa e termina... ondeu eu deixei minha amada
Shalla Bal!¨.
A
revista era avançada demais para uma época em que predominavam heróis violentos
e fez pouco sucesso, durando poucos números, mas ganhou fãs fervorosos.
Nos
anos 1980 o herói virou cult ao ser citado pelo personagem Richard Gere no
filme A Força do amor, refilmagem de Acossado, de Godard. Desde então, críticos
e fãs redescobriram o personagem, que acabou sendo a grande estrela do segundo
filme do Quarteto Fantástico.
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