Alan Moore é considerado hoje um dos mais revolucionários roteiristas de quadrinhos de todos os tempos, já tendo trabalhado com vários personagens importantes, de Superman a Batman. Mas antes de ficar famoso, ele usou sua genialidade para reformular um herói pouco conhecido fora da Inglaterra.
Marvelman
surgiu como um simples plágio do Capitão Marvel, personagem de maior sucesso da
Era de Ouro dos super-heróis. Quando o Capitão deixou de ser produzido por
causa de um processo movido pela DC (que acusava a Fawcett de ter copiado o
Superman), Leen Miller, que publicava o herói na Inglaterra, ficou, de repente,
sem o seu gibi mais popular. Sua solução foi ligar para Mike Anglo, cujo
estúdio fazia capas para a editora e perguntar se ele conseguiria fazer algo
para substituir o Capitão. Eles não foram muito longe da ideia inicial: eliminaram
a capa, que dava um efeito bonito, mas não era prática e esqueceram os vilões
modernos, substituindo-os por vilões lendários em histórias simples. Além
disso, o Capitão ganhou um penteado diferente e um novo nome, Marvelman.
O
capitão Marvel júnior deixou de ser um jornaleiro deficiente de cabelos escuros
para se tornar um mensageiro loiro perfeitamente saudável. A palavra que os
transformava deixou de ser Shazan para se tornar Kimota (um anagrama de atomic)
e o vilão principal transformou-se em Dr. Gargunza.
Alan Moore lia Marvelman na sua infância
e, em 1981, numa entrevista à revista da Society
of Strip Ilustrator, mencionou que gostaria que alguém trouxesse o herói de
volta para que ele pudesse escrevê-lo. A entrevista provavelmente fez com Dez
Skin o convidasse a escrever o personagem para a revista Warrior (mais tarde,
quando a série foi publicada nos EUA, teve o nome mudado para Miracleman, para
evitar problemas com a Marvel).
O que Moore fez com o personagem foi
uma antecipação do que seria Watchmen. Ele partia de uma idéia simples: como
seria o mundo se um super-herói realmente existisse? Como ele se comportaria de
verdade? A idéia veio-lhe quando ele ainda era criança e lia as paródias do
Super-Homem que Harvey Kurtzman publicava na revista Mad, que mostravam, por
exemplo, o super-herói fazendo compras no supermercado. Mas Moore queria usar o
recurso com efeito dramático, e não humorístico.
O resultado
foi revolucionário. Mesmo as histórias de Stan Lee pareciam tão realistas:
Moore mostrou Michael Moran, um jornalista de meia idade descobrindo que é a na
verdade o herói Miracleman, resultado de uma experiência secreta do governo
inglês. Moore explicou as histórias
bobinhas desenvolvidas por Mike Anglo como memórias falsas implantadas pelo
cientista Gargunza, que os mantinha em animação suspensa esperando o momento de
colocá-los em ação. Mas, quando a experiência ameaçou sair do controle, o
governo resolveu eliminá-los com uma bomba atômica.
Miracleman
sobreviveu, transformando-se em sua contrapartida humana, mas Kid Miracleman
jamais deixou de ser o herói poderoso. Ao contrário, usou suas habilidades para
construir um império econômico e político. A volta do antigo mentor ameaça seus
planos. O confronto entre os dois foi um choque na época. Kid Miracleman é um
vilão absoluto, um homem que se desligou de sua humanidade e não dá valor algum
à vida humana. O texto de Moore deixa claro que não se trata apenas de homens
uniformizados trocando sopapos: “Por um momento de cristalino silêncio, a
tempestade prende sua respiração. E tudo começa... (...) Eles são titãs, e nós
jamais entenderemos o inferno alienígena que queima na fornalha de suas almas”.
Por um
descuido, ele diz a palavra que o transforma de volta num garoto inocente, mas
depois ele voltará e provocará milhares de mortes em Londres.
Além do
aspecto narrativo, Miracleman foi revolucionário por trazer questões políticas
para os quadrinhos, como, por exemplo, o perigo atômico (em uma das histórias,
o herói encontra um garoto que esconde na floresta mantimentos para o caso de
uma guerra atômica).
Além disso,
o herói resolve interferir diretamente na política global: ele destitui os
governos da Terra, acaba com o dinheiro, desativa os arsenais nucleares e dá
início a uma nova era em que não existe miséria ou fome. Até então, nunca um
herói havia se aventurado a provocar mudanças políticas tão radicais no mundo,
embora muitos deles tivessem poderes para tanto.
Depois da
fase escrita por Alan Moore, a revista passou para as mãos de Neil Gaiman, que
pegou um verdadeiro abacaxi: como escrever histórias em um mundo perfeito.
Gaiman saiu-se bem em histórias intimistas, mostrado detalhes desse novo mundo,
como, por exemplo, um grupo que acreditava que Kid Miracleman era na verdade o
herói.
Infelizmente,
o personagem foi comprado por Tod McFarlane, criador do Spaw, que prometeu
repassar os direitos para Neil Gaiman em troca de roteiros para seu personagem
Spaw. Como o acordo não foi respeitado, o herói virou objeto de uma ação
judicial, e passou anos sem ser publicado. Recentemente, Miracleman foi
comprado pela Marvel, que trouxe o personagem de volta.
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