Jack, o estripador é uma das figuras mais famosas da cultura
pop. O psicopata que matou uma série de prostitutas no bairro pobre de
Whitechapel no final do século XIX foi retratado em dezenas de livros, filmes e
até quadrinhos. Assim, espantou a muitos quando Alan Moore, anunciou que faria
sua própria versão da história. Àquela altura não parecia possível acrescentar
mais nada à lenda do assassino.
Entretanto, Do Inferno, publicada em capítulos entre 1989 e
1996, com desenhos de Eddie Campbell, trouxe um olhar totalmente novo,
revolucionário para a história.
O primeiro ponto relevante foi o detalhismo. Moore fez uma
extensa pesquisa, e incluiu até mesmo referências bibliográficas ao final do
capítulo. Todas as sequências são devidamente referenciadas e, quando ficção,
isso é destacado no anexo.
O detalhismo da pesquisa se revela, por exemplo, na forma
como é retratado o modo de vida das prostitutas. Lendo a história e o apêndice
descobrimos, por exemplo, que a gíria inglesa para a genitália feminina, na
Inglaterra vitoriana, era “Hairy-Ford-Shire”, um torcadilho com “Hartfordshire”
e que o preço de uma rápida relação sexual era de três pêni. Geralmente o ato
consumava-se de encontro a uma parede ou cerca, com ambos os envolvidos em pé,
razão pela qual era chamado de “thrupenny uprght” (vertical três pêni). Como
método anti-concepcional, a mulher retinha o membro do homem entre as coxas,
evitando a penetração (claro que sem o conhecimento do cliente).
Com um
pagamento desses, dificilmente as moças conseguiam dinheiro o suficiente para
uma cama e acabavam dormindo em bancos de madeira. Para evitar que caíssem, o
dono do banco as amarrava e, no dia seguinte, desamarrava quando queria que
elas fossem embora, provocando um verdadeiro desmoronar de mulheres.
Moore transformou a história numa investigação social,
política, filosófica e mágica.
Em Do
Inferno, o capítulo que mostra a morte da primeira mulher em Whitchapel é
também o que mostra a concepção de Hitler. De fato, pela data de seu nascimento,
acredita-se que o futuro Füller teria sido concebido em agosto de 1888, mesmo
mês do primeiro assassinato.
A
coincidência não é apenas curiosidade. Alan Moore usa o fato para embasar a
idéia principal de sua obra: Jack, o estripador inaugurou o século XX.
Na história, ele Jack é o médico da família real, chamado
pela Rainha para resolver um possível escândalo: o princípe engravidou uma moça
e se casou com ela. O caso foi abafado, com a moça sendo internada em um asilo
e submetida a uma lobotomia. Mas agora suas amigas prostitutas estão fazendo
chantagem, ameaçando revelar o caso para a imprensa.
Ao invés de simplesmente matar as garotas, o médico resolve
transformar os assassinatos num ritual de magia, criando um século tão frio e
sanguinolento quanto ele. De fato, o século XX foi caracterizado por ditadores
sanguinolentos, que fizeram do assassinato em massa uma arte.
Aliás, o capítulo em que Jack, na companhia de sua cocheiro,
faz um passeio por Londres, dissertando sobre toda a magia envolvida na
arquitetura da cidade, é um dos melhores da série – senão o melhor. Para
escrevê-lo, Moore pesquisou tanto sobre magia que depois fez uma série
exclusivamente sobre o assunto: Promethea.
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