Lobato foi o homem das revoluções. O arranco que deu
na indústria livreira nacional foi uma delas. As outras foram a luta pelo
petróleo e a literatura infantil. Antes dele não existia a literatura como atividade
comercial. Escrevia-se para entrar na Academia, para se tornar imortal. Para
isso, escrevia-se numa linguagem empolada que tinha como objetivo não agradar
ao leitor, mas fazer gênero.
O
criador do Sítio odiava isso. “A desgraça da maior parte dos livros é o excesso
de literatura”. Com isso ele se referia à terrível mania de escrever carro de
Apolo, ao invés de Sol.
É
esse um dos traços mais modernistas de Lobato. Ele também abre caminho para o
modernismo ao romper com a literatura açucarada, comum no Brasil do início do
século. Uma literatura para moças, na qual não cabiam cenas mais fortes. Era um
eterno pisar em ovos para não afetar a sensibilidade do leitor. É por horror a
isso que Urupês tem tantas mortes.
À
noite, quando todos os literatos se reuniam nos salões elegantes para conversar
sobre os sonetos de Olavo Bilac, Lobato encontrava-se com os amigos no Café
Guarani para tomar um chope. Nenhum deles sabia que o companheiro de copo era
escritor. Certa vez um deles pergunto-lhe:
- É
verdade, Lobato, que você tem um livro? Ouvi dizer.
O
escritor gargalhou: “Se eu tivesse um livro, Gama, punha-o num sebo. Não tolero
livros, nem gente que escreve livros”.
Mas,
apesar dessa horror à literatura oficial, Lobato ia se firmando no gosto
popular e se tornando um dos escritores mais conhecidos do Brasil. O que fosse
lançado com seu nome vendia. Sem tempo, ele era obrigado a lançar mão de coisas
antigas, do tempo do minarete e do promotorado em Areias. De novo mesmo,
só os infantis: Narizinho Arrebitado, O Saci...
Por
esses tempos a convivência com as gentes da cidade haviam-no convencido que o
melhor que tínhamos no Brasil era mesmo o tal do Jeca Tatu que ele tanto
desancara em Urupês. Se
o Jeca não produzia, era porque não tinha segurança (podia ser expulso da terra
a qualquer momento) e porque tinha a barriga repleta de vermes. As condições de
higiene no campo eram precárias e o local se tornava próprio para o
alastramento de doenças.
Lobato
escreveu vários artigos para O Estado de São Paulo, chamando atenção para o
problema. Atacou até pelos quadrinhos. Até alguns anos era distribuído nas
casinhas do interior o Almanaque Fontoura, com a história em quadrinhos do
Jeca-tatuzinho. A HQ, baseada num texto de Lobato, orientava os caboclos a usar
sapato e tomar medidas básicas de higiene, como lavar as mãos após defecar.
Resultado:
o público passou a pensar que Lobato era um médico sabidíssimo. Tanto que,
certa noite, às altas horas, telefonaram para sua casa:
- É
o doutor Monteiro Lobato?
-
Sim.
-
Doutor, minha mulher está sentido dores. Poderá vir atendê-la?
Lobato
teve de explicar que não era médico....
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