Nenhuma boa série se sustenta sem um bom vilão. Narcos tinha
Pablo Escobar, interpretado magistralmente por Wagner Moura. O Mecanismo tem Enrique
Díaz, como o doleiro em torno do qual gira a trama.
A série começa bastante irregular (a maioria das pessoas que
conheci que não gostaram assistiram apenas os dois primeiros episódios). A
começar pelo som, horrível. Tive que colocar no volume máximo para ouvir. Além
disso, Selton Melo parecia não se encontrar no personagem. Além disso, a
narração do próprio Melo era exagerada nesses primeiros episódios, com diversas
repetições da metáfora sobre o câncer.
É a partir do terceiro episódio que as coisas começam a se
ajustar: o som melhora, Selton Melo some da trama para só aparecer depois, a
narrativa se torna menos redundante.
Mas, desde o primeiro momento, Enrique Díaz parece à vontade
no papel: esperto, irônico, sarcástico, cínico. Seu personagem é o homem que
aprendeu a se virar, saindo da pobreza para se tornar rico lavando dinheiro. É
alguém que sabe como as coisas funcionam e resolveu tirar proveito – em todos
os sentidos. Logo no começo ele diz que com o dinheiro gasto para fazer uma
refinaria dava para fazer duas. Na boca de qualquer outro personagem pareceria
didático, forçado. Na boca dele parece natural.
Aos poucos, no entanto, a série vai tomando forma, torna-se
menos arrastada, trabalha melhor o suspense, a narração surge apenas em
momentos-chave, os atores vão se adequando melhor ao papel... e Enrique Díaz
continua roubando cena. Na verdade, ao contrário do filme sobre a Lavajato, que
tem algumas das atuações mais lamentáveis que já vi na minha vida, em O
mecanismo a maioria dos atores está muito bem, em especial após o terceiro
episódio. Enquanto no filme o personagem de Moro parece apenas um comediante
querendo parecer sério, no seriado há toda uma sutileza. Duas cenas destacam
essa sutileza de atuação: quando as pessoas começam a bater panela, o juiz vai
à sacada, seu sorriso e brilho no olhar são quase imperceptíveis, mas estão
ali, demonstrações de seu ego (e provavelmente de seu posicionamento político).
O roteiro oscila bem entre os vários fatos, muitas vezes em
narrativas paralelas que destacam o suspense ( recurso que Padilha já havia
usado bem em Narcos) e, tirando os dois primeiros episódios, a série pega um
bom ritmo.
A série provocou todo uma polêmica, em especial graças à
fala de Jucá (precisamos estancar a sangria), colocada na boca de Lula. O
roteirista poderia ter usado uma frase do próprio Lula, com sentido semelhante,
como “O Supremo está acovardado”, mas preferiu usá-la provavelmente como forma de criar aquilo que os marqueteiros
chama de buzz: burburinho. Deu certo. A polêmica foi enorme, o que levou muita
gente a assistir ao seriado por pura curiosidade, as ações da Netflix subiram e
a série foi confirmada para uma segunda temporada.
Apesar da estratégia de buzz, a verdade é que a série bate
bastante em vários partidos (em uma cena, Aécio Neves e Temer se encontram para
tramar a queda de Dilma e o fim da Lavajato) e até da imprensa (em uma
sequência, a Veja dá uma capa com a delação do doleiro como forma de criar
condições jurídicas para o fim da operação).
Sem comentários:
Enviar um comentário