quarta-feira, março 28, 2018

O mecanismo



Nenhuma boa série se sustenta sem um bom vilão. Narcos tinha Pablo Escobar, interpretado magistralmente por Wagner Moura. O Mecanismo tem Enrique Díaz, como o doleiro em torno do qual gira a trama.
A série começa bastante irregular (a maioria das pessoas que conheci que não gostaram assistiram apenas os dois primeiros episódios). A começar pelo som, horrível. Tive que colocar no volume máximo para ouvir. Além disso, Selton Melo parecia não se encontrar no personagem. Além disso, a narração do próprio Melo era exagerada nesses primeiros episódios, com diversas repetições da metáfora sobre o câncer.
É a partir do terceiro episódio que as coisas começam a se ajustar: o som melhora, Selton Melo some da trama para só aparecer depois, a narrativa se torna menos redundante.
Mas, desde o primeiro momento, Enrique Díaz parece à vontade no papel: esperto, irônico, sarcástico, cínico. Seu personagem é o homem que aprendeu a se virar, saindo da pobreza para se tornar rico lavando dinheiro. É alguém que sabe como as coisas funcionam e resolveu tirar proveito – em todos os sentidos. Logo no começo ele diz que com o dinheiro gasto para fazer uma refinaria dava para fazer duas. Na boca de qualquer outro personagem pareceria didático, forçado. Na boca dele parece natural.
Aos poucos, no entanto, a série vai tomando forma, torna-se menos arrastada, trabalha melhor o suspense, a narração surge apenas em momentos-chave, os atores vão se adequando melhor ao papel... e Enrique Díaz continua roubando cena. Na verdade, ao contrário do filme sobre a Lavajato, que tem algumas das atuações mais lamentáveis que já vi na minha vida, em O mecanismo a maioria dos atores está muito bem, em especial após o terceiro episódio. Enquanto no filme o personagem de Moro parece apenas um comediante querendo parecer sério, no seriado há toda uma sutileza. Duas cenas destacam essa sutileza de atuação: quando as pessoas começam a bater panela, o juiz vai à sacada, seu sorriso e brilho no olhar são quase imperceptíveis, mas estão ali, demonstrações de seu ego (e provavelmente de seu posicionamento político).
O roteiro oscila bem entre os vários fatos, muitas vezes em narrativas paralelas que destacam o suspense ( recurso que Padilha já havia usado bem em Narcos) e, tirando os dois primeiros episódios, a série pega um bom ritmo.
A série provocou todo uma polêmica, em especial graças à fala de Jucá (precisamos estancar a sangria), colocada na boca de Lula. O roteirista poderia ter usado uma frase do próprio Lula, com sentido semelhante, como “O Supremo está acovardado”, mas preferiu usá-la provavelmente como  forma de criar aquilo que os marqueteiros chama de buzz: burburinho. Deu certo. A polêmica foi enorme, o que levou muita gente a assistir ao seriado por pura curiosidade, as ações da Netflix subiram e a série foi confirmada para uma segunda temporada.
Apesar da estratégia de buzz, a verdade é que a série bate bastante em vários partidos (em uma cena, Aécio Neves e Temer se encontram para tramar a queda de Dilma e o fim da Lavajato) e até da imprensa (em uma sequência, a Veja dá uma capa com a delação do doleiro como forma de criar condições jurídicas para o fim da operação).

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