Muitos conhecem o personagem Frankenstein, especialmente
graças às suas adaptações cinematográficas, mas poucos conhecem sua origem. Uma
quantidade ainda menor de pessoas sabe que o livro que lançou o mito foi um dos
primeiros a discutir a ética científica.
A história tem sua origem em uma noite sombria do ano de
1816. O poeta Lord Byron, que havia fugido da Inglaterra, encontrava-se em um
castelo à beira do lago de Genebra, na Suíça, e junto com ele estavam vários
outros intelectuais e escritores, entre eles Percy Shelley e a sua mulher Mary.
O grupo divertia-se contando histórias de fantasmas e
estabeleceu-se um concurso para saber quem escreveria a história mais
aterrorizante.
Para espanto de todos, foi Mary, uma desconhecida até então,
que conseguiu vencer o concurso. Ela se ba-seou nas pesquisas do anatomista italiano
Luigi Galvani com a eletricidade. Enquanto dissecava uma rã, ele descobriu,
acidentalmente que os músculos da mesma se contraiam quando percorridos por uma
corrente elétrica.
Intrigado, Galvani repetiu o experimento, publicando os
resultados no livros De Verbis Eletricitatis.
Uma consequência imediata da descoberta foi a percepção de
que a eletricidade parecia ter uma relação íntima com a vida. Alguns começaram
até a cogitar a possibilidade de se criar vida artificial através dela.
Mary partiu dessa idéia para construir sua história. Nela, o
doutor Victor (Von Frankenstein (ao contrário do que pensa a maioria das
pessoas, esse é o nome do cientista, e não do monstro) rouba cadáveres e,
juntando os órgãos de um e de outro, monta um novo ser, que é trazido à vida
graças a uma descarga elétrica. Vendo o resultado de sua experiência, Victor se
arrepende e abandona a criatura, que passa a persegui-lo.
O livro, além de ser o marco fundador do chamado romance
científico (mais recentemente denominado de ficção científica), traz outras
caraterísticas interessantes. A principal delas é a discussão sobre o limite
ético da pesquisa científica. O extraordinário é que tal discussão se desse em
plena modernidade.
O pensamento científico surge na era moderna como uma
utopia. Não só o mundo, como a vida de cada pessoa seria melhorada com os
avanços tecnológicos. A era da razão, propagada pelo iluminismo, tiraria a
civilização das trevas da ignorância representadas pela Idade Média.
Essa crença cega na razão e na ciência é predominante na
modernidade. Entretanto, essa visão idílica foi totalmente abalada com a
explo¬são da bomba atômica sobre Hiroshima. Ficou claro, então, que a mesma ciência
que trazia conforto, saúde e felicidade, poderia trazer horror, morte e
destruição.
Mais tarde os estudantes rebeldes de maio de 68 também
criticaram o caráter ideológico da ciência, seu envolvimento com o poder e a
manutenção do status quo.
Boa parte dessa discussão pós-moderna é antecipada por
Shelley em seu livro. O Dr. Frankenstein não tem o senso ético que deveria
nortear sua pesquisa. Para ele, o conhecimento visando apenas o conhecimento,
sem uma preocupação com os resultados sociais. Tanto que, ao ver o monstro, ele
simplesmente o abandona, deixando-o à própria sorte.
O livro de Mary é cada vez mais atual. Afinal, com o
desenvolvimento da genética, o homem pode, afinal, criar um ser humano
artificial, Os obstáculos para tal experiência não são técnicos (a tecnologia
para tal, se ainda não existe, existirá em pouco tempo), mas éticos.
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