Ópera de sabão, de Marcos Rey
Em 1954, após uma crise política
gigantesca provocada por um atentado ao jornalista Carlos Lacerda, o presidente
Getúlio Vargas suicidou-se. O ato provocou uma grande comoção nacional e fez
reascender a chama do getulismo. Marcos Rey situa a ação de seu romance Ópera
de Sabão, escrito em 1980, nos três dias após a morte do presidente.
A ação é centrada em uma família
de origem italiana, os Manfredi. O pai, ao saber da morte de Getúlio, fecha a
transportadora e sai armado de um revólver, disposto a matar Carlos Lacerda,
mas na verdade, acaba se encontrando e vivendo dias idílicos e sexuais com uma
professora de piano.
A situação mostra bem a ótica do
livro: uma mistura de história do Brasil com dramalhão e comédia. Marcos Rey foi
redator do rádio e coloca sua experiência no meio a serviço da história, a
começar pelo título, Opera de sabão, uma referência direta às soap operas,
melodramas radiofônicos quase sempre patrocinados por marcas de sabonete, daí o
nome.
Os personagens são impagáveis.
Hilda, a esposa, transforma-se na Madame Zohra, conselheira radiofônica cujo
programa já foi uma das maiores audiências da agora decandente Rádio Ipiranga.
Como Madame Zohra, Hilda é porta voz de uma rigorosa campanha contra o aborto,
mas se vê em uma cinuca ética quando seu filho engravida uma menina e esta, sem
saber, envia-lhe uma carta pedindo conselhos.
O filho mais velho chama-se
Benito, homenagem a Mussoline de quando o pai era fascista. O mais novo,
Lenini. “Quando Leinie nasceu, meu pai era comunista”, explica a outra filha do
casal, Adriana, à certa altura da história. “E não é mais?” “Não, agora está
nos transportes”. Uma sequência que exemplifica o humor afinado de Marcos Rey.
O autor, que foi roteirista de
rádio, televisão e cinema, constrói sua mistura de melodrama com comédia de
erros como se fosse um roteiro de rádio, a começar pela abertura:
SPEAKER1 – No ar...
SPEAKER2 – sob o alto patrocínio
do sabão minerva...
SPEAKER1 - ... a Rádio Ipiranga,
PRG-10, 2000 quilociclos, canal exclusivo, apresenta...
TÉCNICA – Sobe o prefixo (La vie
em Rose). Cai em bg.
SPEAKER2 - ... sonhos de
juventude!
SPEAKER1 – Radionovela de Marcos
Rey
Isso soma ao livro mais um
aspecto, o metalinguísticos. Há momentos, por exemplo, em que o autor comenta a
história, descrevendo a estratégia utilizada pelo roteirista: “Ainda a perigosa
criatividade do radioautor. Faça os personagens sofrerem, coloque-os em
situações aparentemente sem saída e a audiência se multiplica”.
E como bom roteirista, Marcos Rey
nos surpreende no final quando a história dá uma guinada, mudando completamente
de tom: sai o humor, a crítica de costumes, a metalinguagem, e entra uma
sequência emocionanente e arrebatadora acontecida dez anos depois, quando do
golpe militar.
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