Hector Oesterheld é certamente um dos maiores
escritores de quadrinhos de todos os tempos, rivalizando apenas como Alan
Moore. Alberto Breccia é um dos mais revolucionários desenhistas de todos os
tempos, tendo criado um estilo que influenciou diversos outros artistas, entre
eles Frank Miller. A união desses dois grandes talentos só poderia resultar em
uma obra-prima. E essa é a melhor expressão para descrever o álbum Mort Cinder,
publicado recentemente pela editora Figura após uma campanha no Catarse.
Mort Cinder poderia ser descrito como a
história de um homem imortal, mas essa é apenas uma simplificação grosseira.
Mort Cinder é uma história de realismo fantástico, um suspense inigualável, uma
obra com forte conteúdo político e histórico.
Quando a série começou a ser publicada na
revista Misterix, Breccia pediu a Oesterheld que atrasasse o surgimento do protagonista porque ainda não
havia se decidido quanto à sua caracterização. Mestre absoluto da narrativa,
Oesterheld transformou essa limitação em um dos maiores méritos da história.
Assim, acompanhamos um antiquário, Ezra Winston, e diversos fatos estranhos que
ocorrem com ele, fatos que irão se acumulando até o encontro com Mort Cinder,
renascido após ser enforcado. Mas para presenciar esse renascimento – e ajudar
o herói – Ezra precisará enfrentar os misteriosos olhos de chumbo. Isso
introduz um senso de mistério único na história e faz desse senso de mistério o
motor da narrativa. Também introduz uma espécie de realismo fantástico, que
lembra muito Jorge Luís Borges.
Soma-se isso ao texto poderoso de Oesterheld: “A
estrada se faz trilha. Os retalhos de neblina se alongaram à minha passagem. Rãs
coaxaram e era como avançar por um oceano morto, já decomposto. A sombra ao meu
lado se mexeu”. Quantos roteiristas de quadrinhos chegaram a esse nível de refinamento
do texto? Quantos conseguiram criar uma atmosfera tão opressiva apenas com
algumas palavras?
Por outro lado, a arte de Breccia é tão
impactante, tão inovadora em que cada quadro merece ser visto várias e várias vezes.
Breccia não tem limites: usa borrões, cortes de gilette, parece não existir
nada que ele não experimente para ajudar a criar o clima da HQ.
Então imagine uma HQ em que cada quadro é uma
obra de arte a ser vista e deleitada. E no qual cada balão tem a força e o
valor de uma poesia inteira. Esse é Mort Cinder.
O álbum tem 232 páginas, em formato em capa
dura, formato A4. É uma publicação de luxo, cujo formato permite apreciar
melhor a arte de Breccia. Há um inconveniente: como a publicação original da série,
a revista Misterix, variou do formato horizontal para o vertical, a leitura de
algumas páginas fica prejudicada, obrigando o leitor a virar o volume. Mas é
compreensível: isso foi feito para evitar adulterar a arte original.
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