quinta-feira, novembro 22, 2018

Para que serve a metodologia científica?

Uma pergunta comum de meus alunos é: “Para que serve a metodologia científica?”. A resposta mais simples, e também a mais reducionista é que a metodologia serve para que o aluno possa fazer o trabalho de conclusão de curso, o famoso TCC.
         Mas reecuso-me a acreditar que a metodologia científica sirva só para isso. Na verdade, espero que a disciplina desperte nos alunos o espírito científico. Não quero dizer com isso que pretenda transformá-los em cientistas (embora alguns provavelmente sigam essa carreira), mas que utilizem os critérios científicos no seu dia-a-dia.
         Segundo Humberto Maturana, a ciência é uma forma de explicar o mundo. É através dela que compreendemos a realidade em que vivemos. Existem outras formas de explicações, algumas das quais são até superiores à ciência em determinados recortes da realidade. Mas a ciência se destaca por seguir uma metodologia que foi construída ao longo de séculos, e critérios específicos para distinguir o que é uma boa explicação e o que não é.
         Quando tinha oito anos, meu filho se viu em dúvida sobre qual é o animal mais rápido do mundo. Alguns diziam que era guepardo; já para outros, era o falcão.
         Quem estava com a razão? Eu o orientei a verificar a fonte de cada informação. Nesse assunto, por exemplo, a opinião de um zoólogo tem muito mais validade que a opinião de um leigo. Ao se deparar com duas informações controversas, o ideal é verificar qual das fontes tem mais credibilidade. A revista Superinteressante é mais confiável que a Recreio. Por sua vez, a Scientific American é mais confiável que a Super. Por outro lado, uma revista científica, editada por uma sociedade de pesquisa, é mais confiável que a Scientific American.
         Diante de informações contraditórias sobre fontes igualmente confiáveis (digamos que a Galileu diga uma coisa e a Super outra), o ideal é procurar uma terceira fonte.
         Isso vale até para informações que recebemos oralmente. Se um amigo me diz que o supermercado foi assaltado e outro afirma que a vítima foi a padaria, e se estou interessado no assunto, devo procurar uma terceira pessoa, de preferência alguém  que estivesse presente ao acontecimento (uma fonte, portanto, mais confiável).
         Esse princípio básico, que jornalistas, administradores e profissionais em geral, usam em seu dia-a-dia é um critério científico que remonta ao filósofo René Descartes, segundo o qual nunca devemos aceitar como verdade, algo que não conhecemos evidentemente como tal e, antes de chegar a uma conclusão sobre um assunto, fazer todas as revisões e verificações necessárias.
         Um aspecto que costuma assustar os estudantes que se deparam com a metodologia científica é o projeto de pesquisa. Talvez porque ele seja ensinado como um modelo rígido que deve ser seguido sem que seja necessário compreender muita coisa.
         Acontece que cotidianamente fazemos, informalmente, projetos de pesquisa.
         Um exemplo corriqueiro: quero fazer uma receita de bolo. Eu tenho consciência de que um bolo é uma junção sólida de uma série de ingredientes, tais como ovos, farinha de trigo e leite, mas percebo que sou incapaz de fazer algo comível sem uma receita. Então me lembro que minha avó me conseguiu uma receita de um delicioso bolo de milho com queijo.
         Surge um problema: onde está a receita? O problema é uma pergunta, que deve ser respondida através de uma pesquisa. É um ponto básico de qualquer projeto científico.
         Mas não basta ter um problema, também é necessário ter uma hipótese, uma resposta provisória, que irá orientar minha pesquisa. Senão corro risco de passar anos procurando pela receita.
         Minha hipótese é: a receita está dentro de um dos livros de minha biblioteca. Quando mais específica for minha hipótese, melhor. A hipótese “A receita do bolo está dentro do livro O nome da rosa” é melhor que a anterior, pois é mais específica.
         Bem, resta pesquisar, mas para isso é necessário ter um método. Posso decidir, por exemplo, que o melhor método para encontrar a receita é abrir o livro e folheá-lo.
         Em seguida, faço a pesquisa, que pode confirmar ou falsear a hipótese.
         Estão aí os elementos básicos de um projeto: o tema (o bolo); um problema (Onde está a receita de bolo?); uma hipótese (a receita de bolo está dentro do livro O nome da rosa) e uma metodologia. Poderíamos acrescentar o objetivo (encontrar a receita de bolo).
         O exemplo, espero, demonstra que a metodologia não é uma coisa misteriosa, que deve ser decorada para passar de ano e depois esquecida. Ao contrário, o espírito científico e sua forma de agir (a metodologia) são essenciais para lidarmos com boa parte das questões com as quais nos deparamos no nosso cotidiano, seja a indagação sobre onde está a receita de bolo ou a decisão, por parte de um administrador, se acredita ou não em determinada informação.
         Os grandes autores aos quais a metodologia científica é devedora (René Descartes, Karl Popper, Thomas S. Kuhn, Humberto Maturana, Edgar Morin) não estavam pensando em criar um método que deveria ser seguido apenas por cientistas, mas uma forma de pensar que ajudasse as pessoas, em geral, a compreenderem o mundo em que vivem. 

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