Lendo sobre São Tomás de Aquino, no livro Viagem na Irrealidade
Cotidiana, de Umberto Eco é que percebo a importância imprevista desse pensador
para a configuração do mundo em que vivemos hoje. Não fosse ele, talvez
fôssemos hoje mulçulmanos e falássemos árabe.
Eco conta que o santo era zombado pelos companheiros por sua
vagarozidade, chamado de boi mudo. Era tão gordo que precisava de duas cadeira
para acomodar suas gigantescas nádegas. Certa vez os frades brincalhões
gritaram que lá fora havia um asno voador. Tomás corre para a janela enquanto
os outros se escangalham de rir. Na volta, o futuro santo faz com que se calem
argumentando que achou mais verossímil um asno voar que um monge contar uma
mentira.
Para surpresa de todos, algum tempo depois ele se torna professor
adorado pelos alunos. E tem um objetivo em mente: resgatar a filosofia de
Aristóteles. Até então o Ocidente se contetava com Platão e Agostinho os livros
de Aristóteles eram proibidos. O grego é conhecido quase que exclusivamente
pelos árabes, muito mais adiantados que europeus tanto na filosofia quanto na
ciência. Exemplar é a criptografia: enquanto na Europa qualquer mensagem
codificada era considera segura, no Islã os pensadores já conheciam os
avançados métodos probabilísticos que considera a freqüência da aparição de
cada letra em cada língua. Os árabes da Idade Média eram sábios e refinados,
comparados com os europeus.
Agostinho e Platão poderiam dar contar muito bem do mundo
espiritual (ou mundo das idéias), mas pouco diziam sobre o mundo físico.
Aristóteles, ao contrário, estudava lógica, psicologia, física, classificação
de animais e os movimentos dos astros.
As idéias de Aristóteles traziam em seu bojo a razão, o estudo da
natureza e a possibilidade de determinar os eventos.
No mundo árabe, Averróis já recuparava as idéias do filósofo
grego. Para ele, Deus contruiu a natureza em sua ordem mecânica e em suas leis
matemáticas, reguladas pela determinação férrea dos astros. O mundo tem uma
ordem, orquestrada por Deus. Para o filósofo/cientista resta achar ordem em
meio ao caos.
Antes de Tomás de Aquino, ao copiar um texto antigo o comentador
ou copista, ao encontrar algo que não se encaixava com os ditames da religião
católica, simplesmente apagavam as frase “errôneas” ou as retiravam para as
margens para colocar em guarda o leitor. Tomás utiliza outro método. Primeiro
alinha as opiniões divergentes, esclarece o sentido de cada uma, questiona
tudo, até o dado da revelação, enumera as objeções possíveis e tenta a mediação
final. Tudo feito às claras, sob a ótica da razão.
Com isso podia ser demonstrado que o verdadeiro sentido da
filosofia aristotélica era católico apostólico romano. Tomás cristianizou
Aristóteles.
Consegue seu intento com rapidez tremenda para a lenta Idade Média
européia. Antes dele se afirmava que “O espírito de Cristo não reina onde reina
o espírito de Aristóteles”. Em 1210 todos os seus livros estão proibidos. Em
1255 toda a obra de Aristóteles está liberada e Aristóteles é considerado um
sábio que deve orientar a fé cristã.
A luta de Tomás permite que entre no espírito da Europa a razão, a
pesquisa empírica e o determinismo. Quando alguns séculos depois Descartes vai
formatar o pensamento cartesiano, isso só é possível graças à herança
aristotélica, resgatada pelo santo católico.
Ao mesmo tempo em que a Europa entrava na modernindade, Descartes
e depois Newton dão a base da metodologia científica, desenvolvem-se as grandes
navegações, o Islã fecha-se para novidades, enclausurado em uma fé religiosa
rígida, como era o catolicismo da Idade Média.
Como os povos árabes, tão sábios e cultos da Idade Média, foram
ultrapassados pelos incultos e fanáticos europeus? A resposta pode estar em São
Tomás de Aquino. Ele parece ter sido aquilo que os teóricos do caos chamam de
efeito borboleta: pequenos eventos que podem provocar grandes alterações. Não
fosse ele, talvez hoje estivéssemos falando árabe e rezando na direção de Meca.
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