A W/Brasil é a mais famosa agência de publicidade do Brasil,
ganhadora de mais de mil prêmios, nacionais e internacionais. Seu principal
acionista, Washington Olivetto, mudou a cara não só da propaganda brasileira,
mas até mesmo a própria visão do público a respeito dos publicitários,
tornando-se um pop star reconhecido nas ruas e que dá nome a pratos em
restaurantes chiques. É a história dessa agência e desse publicitário que
Fernando Morais conta em Na toca dos leões (Planeta).
A história começa com jeito de lenda, embora muitos, em
especial o protagonista, jurem que é verdade.
No dia 1º de abril de 1971, Washington Olivetto passeava com
seu Karmann-Ghia vermelho pela rua Itambé, no bairro de Higienópolis, em São
Paulo, quando o pneu furou. Até então, ele era simplesmente um hippie colorido,
de cabelos compridos e tamanco. Um aluno medíocre do curso de Publicidade
Propaganda da FAAP, que faltava a quase todas as aulas.
Sem ver nenhum borracheiro por perto, o rapaz de 19 anos
entrou no escritório da HGP Publicidade, para usar o telefone e chamar um
socorro. No último momento, mudou de ideia.
Pediu para falar com o dono.
- Eu sou o dono. – disse Juvenal Azevedo, um dos sócios.
- Olha, eu queria que o senhor me desse uma oportunidade de
trabalho aqui. Eu quero trabalhar em publicidade, estou até estudando isso...
Acho que posso bolar uns anúncios geniais para o senhor, tenho certeza de que
vou ser muito bom nisso. Só entrei aqui porque furou o pneu do meu carro na sua
porta. Acho melhor o senhor me dar esse emprego, porque meu pneu não costuma
furar duas vezes no mesmo lugar.
O papo convenceu e ele foi aceito como estagiário. Em pouco
tempo se destacaria. Um de seus primeiros anúncios foi para a fábrica de
televisores ABC, que lhe valeu como prêmio uma garrafa de licor. O colunista
Cícero Silveira, do jornal Shopping News costumava premiar a melhor propaganda
da semana com a tal garrafa. Veiculado no dia das mães, mostrava uma simpática
velhinha ao lado de uma televisão com a legenda: “Dê um televisor ABC para a primeira
mulher de sua vida”. Nas semanas seguintes, ele continuou chamando atenção:
“podia até faltar água na casa do publicitário. Cointreau, jamais, tal a
profusão de garrafas do licor que ele abiscoitou”, conta Morais.
Em menos de um ano, ficou claro que ele era bom demais para
a pequena agência. O patrão chamou-o: “É um pecado um cara como você ficar
perdido aqui e nós não vamos ter como te segurar”.
Já em nova agência,
ele conseguiria uma façanha incrível, ganhar O Leão de Bronze em Cannes antes
mesmo de completar um ano de profissão. O comercial era sobre uma nova
torneira, com um processo revolucionário de vedação. Filmado em macro, o
anúncio causava impacto ao mostrar uma torneira pingando com uma narração em
off: “A Deca está lançando a sua torneira com MVS, mecanismo de vedação
substituível, que faz com que sua torneira esteja sempre nova. Por isso, a
partir de agora, se a sua torneira Deca vazar, é porque você esqueceu de
fechar” e uma mão fechava a torneira, fazendo com que o último pingo fosse chupado
para dentro do cano.
Ao saber que tinha ganhado o prêmio mais importante da
propaganda mundial, Washington reagiu com incredulidade:
- Mas é o meu primeiro filme e eu só tenho vinte anos! Quem
errou: eu ou o júri?
Um começo mais do que promissor para quem pretendia ser o
melhor publicitário do Brasil, e provavelmente conseguiu.
Mas o livro, embora seja focado em Washington, também dá
destaque a duas outras pessoas que formaram com ele a W/Brasil: Gabriel
Zellmeister e Javier Llussá.
O tímido Gabriel vem de uma família judia marcada por
tragédias. Sua primeira irmã morreu na Europa, com um mês de vida, enquanto os
pais fugiam tanto dos nazistas quanto dos comunistas. A mãe e a avó materna
(escaldadas por décadas de progroms e campos de concentração) o criaram com a
constante paranóia de que estavam na iminência de uma nova perseguição: “Não se
apeguem”, “Não façam amigos”, “Não se vinculem a ninguém, nós podemos ter de
fugir”. Com uma criação dessas, é natural que ele fosse tímido e ficasse muito em
casa, onde lia o tempo todo, em português, polonês e alemão. Queria ser
artista.
Quando começou a crescer, entrou em uma rotina dura:
estudava de noite e de dia ganhava alguns trocados desenhando retratos de
pessoas. Depois de tentar ser desenhista de livros didáticos, resolveu que ia
entrar na publicidade. Conseguiu um estágio numa agência pequena, a Delta. Duas
semanas depois de chegar, viu os diretores de arte desenvolvendo uma nova logo
para um cliente e perguntou se podia apresentar também uma proposta. No final,
foi a sua proposta que foi aceita. A vida, como sempre, era dura. Para concluir
o ginasial, ele precisou aderir ao sistema Madureza, que permitia terminar o
segundo grau em menos tempo. Como não tinha tempo para o curso preparatório, se
arranjou com uma permuta: desenhou um novo logotipo para a escola. Logo se
tornaria um dos diretores de arte mais novos e mais criativos do mercado, sendo
contratado pela agência Casabranca, onde conheceu Washington Olivetto. O
primeiro contato dos dois não foi dos mais amistosos. Expansivo, Olivetto
começou tirando um sarro do rapaz magro, que desenhava sem camisa: “Pô, meu,
você é um atleta!”.
O catalão Javier Llussá, outro sócio da W/Brasil tem uma
história igualmente conturbada. A família praticamente passava fome na Espanha
quando o pai decidiu que iam embora. As cartas de um amigo que morava em
Araraquara, interior de São Paulo, o convenceu de que aqui era o paraíso.
Vieram de navio, com um bilhete de terceira classe, vomitando a maior parte da
viagem. Javier foi trabalhar em um laboratório e nas horas vagas varria o chão
da fábrica, pintava móveis e fazia pequenos reparos para ganhar mais alguns
trocados. Concluiu que a única forma de sair daquela vida era estudar.
Trabalhando de dia, estudando de noite e andando horrores para economizar o
dinheiro do ônibus, concluiu o ensino técnico de contabalidade e depois começou
a faculdade. Um dia viu um anúncio pedindo alguém para trabalhar com Marketing
na multinacional Colgate-Palmolive. Sua única exigência nesse e em outros
trabalhos era que as férias fossem divididas em dois momentos de 15 dias para
lhe permitir estudar para as provas da faculdade.
Na Colgate, Javier revolucionou o departamento de pesquisa
de mercado, mapeando São Paulo e Rio quarteirão por quarteirão, dividindo-os
por classes sócio-econômicas e sorteando as áreas que seriam pesquisadas. Hoje
esse procedimento é padrão em qualquer pesquisa de mercado, mas na época era
uma novidade que permitia resultados muito mais precisos. Seu excelente trabalho
o levou para a Kibon, para a área de desenvolvimento de novos produtos. Entre
suas inovações estão o Ki-suco e o chiclete em tiras.
Ele ainda iria ser sócio da Gelato, uma empresa pequena, que
conseguiu fazer concorrência à poderosa
Kibon e criou sucessos, como o sorvete Cornetto antes de se tornar sócio da
W/Brasil.
Na comparação com a biografia dos sócios, Washington
Olivetto parece não ter muitos dramas pessoais, o que não é verdade. O drama
passado pelo sócio majoritário da W/Brasil é narrado num dos momentos mais
fortes do livro de Fernando Morais. Em dezembro de 2001 ele foi vítima de um
seqüestro que duraria 53 dias e mobilizaria toda a opinião pública.
Se nos capítulos anteriores a principal atração do livro é
acompanhar a trajetória vitoriosa de Olivetto e a forma como ele criava seus
comerciais (era como ver Pelé jogando na sua frente, declarou um cliente,
referindo-se aos momentos em que Olivetto propunha idéias para propagandas), na
parte final, o livro toma ares de romance policial.
Na toca dos leões não desaponta. Deve agradar principalmente
profissionais de marketing, ou estudantes da área. Mas é indicado para qualquer
um que goste de boas biografias.
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