Black Mirror é uma série
curiosa. Gostar ou não gostar está diretamente relacionado ao que reverbera em
cada expectador. O que é genial para uns, é decadência para outros. Episódios de
outras temporadas que foram apontados como prova da decadência da série, hoje são
apontados por muitos como pontos altos. Talvez o fato de falar de um fenômeno que
está à nossa volta torne uma análise mais fria impossível – daí as críticas
apaixonadas.
Nesta temporada temos
apenas três episódios, todos escritos pelo criador da série, Charlie Brooker. Em
pelo menos dois o tema principal é o mundo de simulacro hiper-real em que
vivemos. Abaixo as análises episódio por episódio.
“Striking Vipers” mostra
dois amigos unidos pelo vídeo-game. O episódio foi gravado em São Paulo, mas
uma Sampa de FC no qual o protagonista faz um churrasco em seu aniversário com
hamburgeres e salshicas e em determinado momento atende o celular em pleno
viaduto de santa Ifigênia. Essa incoerência parece refletir, sem querer, o
cerne de alguns dos melhores episódios de BK: o mundo irreal que nos chega através
da mídia, mas que parece tão fascinante e interessante. Ou seja: black mirror
acaba sendo aquilo que ela mesma denuncia. O roteiro mostra os protagonistas
apaixonados por personagens de vídeo-game – quem joga diz que já viu algo
assim. O final poderia ter sido mais interessante, mas a discussão levantada é
realmente válida: quando o simulacro se torna tão importante que é capaz de
provocar sentimentos de amor e paixão que o mundo real não consegue.
“Smithereens” mostra um
homem que sequestra um funcionário da mais famosa rede social do mundo e exige
falar com o dono. É um bom triller, muito bem construído, com atuações
realmente de destaque, que seguram a atenção do expectador mesmo ocorrendo
dentro de um carro e essencialmente com duas pessoas. Mas fica a impressão de: “afinal,
por que ele está realmente fazendo isso?” - algo confirmado no momento em que o
sequestrador diz, ao dono da rede social, que pouco importa como ele vai usar
isso.
“Rachel, Jack e Ashley Too”
é o mais interessante e mais controverso. Pode ir do pior episódio da temporada
ao melhor, dependendo de como se encara. Na história, a identidade de uma
cantora pop é transferida para uma boneca – com um bloqueador que deixa que ela
diga apenas frases motivacionais. O episódio alterna entre narrativas
paralelas: de um lado a garota que comprou a boneca, do outro a cantora pop,
interpretada por Miley-Cyrus. A discussão é muito interessante: num mundo de
simulacro até que ponto os ídolos são pessoas reais ou produtos fabricados pela
mídia? E o que sobra da pessoa real por trás desse produto? Mas, como o episódio
é protagonizado por Miley-Cyrus, ela mesma uma cantora pop (que provavelmente Charlie
Brooker tentou agradar) a crítica não vai
muito longe e o roteiro passa a ter um tom de “vamos salvar o dia” e acaba tendo um final otimista que destoa do
tom distópico do restante da série. É possível que, retiradas essas limitações,
com a abordagem, por exemplo, do drama de uma pessoa real aprisionada em uma
boneca, fosse um dos melhores episódios de todas as temporadas. Aliás, bastava
uma cena a mais para resignificar aquele final, deixando-o realmente com a cara
de Black Mirror.
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