sexta-feira, outubro 11, 2019

A ciência dos signos

Charles Pierce, criador da Semiótica.
Certa vez fui a uma livraria procurar o livro O Signo, de Isaac Epstein. A moça da loja se espantou: “Você é o segundo professor que vem procurar esse livro. Por que vocês estão tão interessados em astrologia?”. O caso demonstra a compreensão que a maioria das pessoas tem da palavra signo. Na verdade, em nossa sociedade, quase tudo é signo de algo. Certas roupas são sinais de que a pessoa está na moda, certos carros são símbolos de status... é impossível realizar a maior parte de nossas atividade diárias sem o auxílio de símbolos. Até para ir ao banheiro precisamos interpretar símbolos (caso não, corremos o risco de entrarmos no banheiro errado). 

Na verdade, os signos foram uma das mais importantes e mais geniais invenções do ser humano. Antes dos signos, para nos referirmos a uma pedra, precisávamos mostrar a pedra. Imagine como seria incômodo levar várias pedras consigo para poder mostra-las toda vez que fosse necessário se referir a elas. É mais prático dizer o palavra pedra, não é mesmo. Os signos são isso mesmo: um substituto para as coisas. Eles estão no lugar das coisas, as representam. Claro que, além de falar pedra, eu também posso desenhar uma pedra. Essa é uma outra forma de representar a coisa pedra. 
Os signos sempre fascinaram os pensadores e são estudados desde a Grécia antiga, passando pela Idade Média e pelos filósofos iluministas. Mas uma ciência dos signos só foi se firmar no final do século XIX e início do século XX. Foi nessa época que Charles Sanders Pierce nos EUA e Ferdinand de Saussure na Europa começaram a produzir uma ciência dos signos. Os partidários de Pierce chamaram essa ciência de semiótica. Os adeptos de Saussure a chamaram de semiologia. A corrente saussureana se notabilizou pela análise dos signos lingüísticos, enquanto os pierceanos abriram sua análise também para outras formas de representação. 
 Pierce diz que signo é aquilo que está no lugar de outra coisa. A palavra pedra está no lugar da coisa pedra. Podemos dizer também que signo é tudo aquilo uma coisa que não seja ele mesmo. Uma pedra é apenas uma pedra, mas se uma empresa de construção convencionar que a pedra é seu símbolo, ela passa a ser um signo. 
Mas afinal, como funciona um signo? Como podemos nos referir a uma coisa sem a termos por perto? Muitos pensadores se debruçaram sobre essa questão e a maioria concluiu que um signo tem uma característica triádica, ou seja, é dividido em três partes. É o chamado triângulo semiótico.



Pierce chamou os três pontos da pirâmide de signo (a palavra pedra), imagem mental (a imagem da pedra que se forma em nossa mente) e objeto (a coisa pedra). 
Outros autores têm utilizado as expressões significante (a palavra pedra), significado (a imagem da pedra que se forma em nossa mente) e referente ( a coisa pedra).
O significante é o aspecto sensível do signo. Se estamos falando, são os sons que formam a palavra pedra. Se estamos escrevendo, é o conjunto de sinais gráficos que formam a palavra pedra. 
O significado é a compreensão que temos da mensagem. 
O referente é aquilo ao qual estamos nos referindo. Se dizemos a palavra pedra, o referente é a coisa pedra. Se dizemos praia, o referente é a coisa praia.
Há situações em que um significante tem mais de um significado. É o que acontece com as palavras que têm dupla interpretação. Por exemplo, a palavra bala pode ser de revólver ou de comer. Manga pode ser fruta ou pode ser manga de camisa. 
A poesia é essencialmente polissêmica. Quando o poeta diz “Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”, cada um de nós vê um significado na palavra pedra. Para uns podem ser as dificuldades da vida. Para outros pode ser uma pedra mesmo...
A polissemia é que permite os trocadilhos, um recurso muito usado pelos humoristas. Quando digo que a Rússia invadiu a Chechênia, essa frase pode ter tanto um significado político quanto sexual.
Por outro lado, pode haver erros de interpretação: o emissor está pensando em um referente, mas o receptor interpreta a frase com outro significado. É o caso de dizermos pedra e a pessoa entender Pedro. Esse fenômeno é chamado de ruído e é estudado pela teoria da informação. 
Um aspecto importante da semiótica é a necessidade de intérprete. Só temos signos quando há pessoas para interpretá-los. Qual o significado de uma árvore caindo em uma floresta deserta? Nenhum, pois não há ninguém ali para interpretar esse fato.
Por outro lado, os signos podem ser primários ou secundários. Signos primários são criados pelos homens para serem signos: palavras, desenhos, símbolos, sinais de trânsito...

Signos secundários são coisas que foram transformadas em signos. O arroz, por exemplo, é só um alimento. Mas no casamento, quando é jogado sobre o casal, ele representa a fertilidade. O automóvel é apenas um meio de transporte. Mas uma BMW é um símbolo de status, de que seu ocupante é uma pessoa rica e poderosa. Um pombo é apenas uma ave, mas nas manifestações pacifistas ele se torna um símbolo da paz e da liberdade. 
Um dos signos mais famosos de nossa sociedade é um signo secundário. Trata-se da cruz. A cruz, originalmente, era só um instrumento de tortura. Com o tempo, ele tornou-se o símbolo da religião e da fé cristã. Esse processe de transformação de coisas em símbolos é cultural e arbitrário. De repente alguém decide que algo vai representar tal coisa. Se pegar, aquilo passa a representar algo além dele mesmo. No início do cristianismo, por exemplo, o símbolo da fé cristã era um peixe. Foi um símbolo que acabou não pegando e os cristãos acabaram ficando com a cruz.
Segundo Pierce, se considerarmos a relação do signo com o referente, existem três tipos de signos: os ícones, os índices e os símbolos. 
Os índices, talvez os primeiros signos utilizados pelo homem, têm uma relação com contigüidade com a coisa representada. Ou seja, como sempre vemos um e outro juntos, passamos a associar uma coisa a outra. Por exemplo, como vemos sempre fogo e fumaça, logo associamos que onde há fumaça, há fogo. A fumaça virou índice do fogo. 

Os detetives trabalham essencialmente com índices: as pegadas no barro e a impressão são índices de que o ladrão fugiu por um determinado local. A pegada também pode ser um índice do tamanho do ladrão (uma pegada grande é índice de um homem alto, uma pegada pequena é índice de um homem baixo). 
A seguir, temos os ícones. 
Os ícones são signos que guardam uma relação de semelhança com a coisa representada. São o tipo de signo mais fácil de ser reconhecido. Não é necessário qualquer tipo de treinamento para identificar uma foto de um cachorro. Basta ter já visto um cachorro antes. Exemplos de ícones são fotos, desenhos, estátuas, filmes, imagens de TV. Um tipo especial de palavras também é considerada ícone: as onomatopéias, que representam os sons das coisas e dos animais.
Os símbolos são signos muito mais complexos. Imagina-se que eles só tenham surgido em uma fase mais avançada da civilização humana. Os símbolos não guardam qualquer relação de semelhança ou de contigüidade com a coisa representada. A relação é puramente cultural e arbitrárias. Para compreender um símbolo, é necessário aprender o que ele significa. As palavras, por exemplo. Para compreender que o conjunto de sinais PEDRA significa a coisa pedra, preciso ter sido alfabetizado, ou seja, passado por um treinamento.
Conta-se a história de um monge budista que, ao entrar em uma igreja católica, ficou chocado com aquela imagem de um homem sendo torturado. Ele codificou a cruz como um instrumento de tortura, e não como símbolo da fé cristã. 
São exemplos de símbolos as palavras, os símbolos matemáticos, os símbolos químicos, as bandeiras de países e clubes. Já se falou de coisas que podem ganhar o status de símbolo. É o caso do Tucano, que representa o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ou a estrela, que simboliza o Partido dos Trabalhadores (PT). 
Os símbolos são criados no momento da criação do código. É o código que diz os sinais que são válidos e os que não são. É também o código que nos diz como os símbolos devem se relacionar entre si.
Às vezes um signo pode ter mais de uma classificação. É o caso da cruz. Ela é um ícone (de um homem sendo torturado), um símbolo (da fé cristã) e pode ser um índice (quando chegamos em uma cidade e queremos saber onde fica a igreja).
Por outro lado, é possível que um símbolo tenha características de ícone. É o caso de uma poesia sobre a chuva em que as letras vão caindo como gotas de chuva. 
As logomarcas das empresas normalmente são símbolos que apresentam características de ícones. Isso é feito para que a compreensão da mensagem seja mais rápida e funciona tão bem que até mesmo crianças que ainda não foram alfabetizadas conseguem ler logomarcas. Elas lêm visualmente.
As letras da Coca-cola, por exemplo, procuram reproduzir as curvas da garrafinha. A rede Globo tem, na sua logomarca, o famoso símbolo visual que é um globo no formato de TV com um globo dentro. Ou seja, o planeta dentro da TV.
Também acontece de um signo contaminar o outro e passar suas características para ele. Essa contaminação pode ocorrer por similaridade ou contigüidade. Dois signos semelhantes podem transferir seu significado um para o outro. Ao ver uma foto de um tigre, uma criança pode achar que se trata de um gato, devido à semelhança dos dois.
A contigüidade ocorre quando colocamos dois signos próximos um do outro. A foto de um político encimada pela palavra LADRÃO dará a entender que o político é desonesto. Fotos de pessoas junto à palavra FELICIDADE darão a entender que essas pessoas são felizes.

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