Tenho percebido que em muitas instituições tem havido uma
valorização excessiva de itens como cumprimento de prazos acadêmicos. O bom
professor, para essas instituições, é aquele inicia suas aulas sempre
exatamente no horário, sempre termina exatamente no horário, entrega as notas
exatamente dentro do prazo. Até mesmo os questionários de avaliação dos
professores reforçam essa filosofia. A maioria das perguntas são do tipo: o
professor começa suas aulas sempre no horário correto? O professor nunca falta?
O professor entrega as notas na secretária dentro do prazo estipulado pelo
calendário acadêmico?
É claro que um professor relapso, que falta, chega sempre
atrasado, não cumpre prazos, na maioria das vezes é totalmente descomprometido
com a educação e dificilmente irá acrescentar algo ao aluno. Mas reduzir a
importância do professor a esses itens é esquecer os significado da educação.
A teoria dos modelos mentais, da psicologia cognitivista, nos
apresenta uma definição interessante de aprendizado. Para ela, percebemos o
mundo através de modelos. A perceberemos uma nova informação a encaixamos
dentro de um modelo já existente. Ao ver um beija-flor a pessoa a encaixará em
seu modelo mental de pássaro. O aprendizado, segundo essa teoria, consiste na
melhora, no enriquecimento de modelos mentais.
Imaginemos um indivíduo que desconhece completamente o que é um
avião. Ao ver uma aeronave, sua tendência será encaixar essa nova informação em
um de seus modelos. O avião, portanto, é um pássaro. Mas, conforme tiver
conhecimentos sobre o assunto, esse modelo irá evoluir para pássaro de metal e
finalmente para uma nova categoria, a de coisas que voam, mas não são pássaros.
O exemplo demonstra a evolução de um modelo mental, e, portanto, de
aprendizado.
Segundo Nilson Lage, enquanto o marketing objetiva, em geral, a
atualização de modelos mentais pré-existentes, com preferências pelos mais
gerais e primitivos, a educação pretende algo além disso. Quer influir sobre os
modelos mentais de modo a modificá-los radical e duravelmente.
Raramente as avaliações institucionais são capazes de perceber
essa dimensão, especialmente em decorrência de sua ênfase sobre a norma.
Há momentos em que aprender significa fugir da norma e,
portanto, dos modelos mentais pré-estabelecidos. Certa vez faltou energia no
horário de uma de minhas aulas. Como a sala estava excessivamente quente, levei
meus alunos para debaixo de uma árvore e continuamos ali, em círculo. Poucas
vezes tive uma aula com tanta participação de meus alunos e, curiosamente, essa
turma se saiu muito melhor na prova do que as outras, que haviam tido aula na
sala. Nesse caso, aprender significou também mudar o modelo mental de que só se
aprende em sala de aula.
Sócrates não cumpria carga horária, ou entregava diários de
classe na secretária, ou começava e terminava suas aulas sempre no mesmo e
específico horário. Entretanto, alguém duvida de que ele foi uma das figuras
universais mais eficientes em mudar os modelos mentais de seus alunos?
No livro Como Se Faz uma Tese, Umberto Eco nos diz que seu
modelo ideal de aula seria aquele em que o professor ministrasse uma
conferência, seguida de um momento em que cada aluno, de acordo com seu
interesse, o procurasse para discutir o assunto.
Muitas vezes o aluno aprende através de um livro que um
professor indica, ou uma conversa de corredor. Boa parte do que aprendi com meu
orientador de mestrado, aprendi em conversas durante o almoço. Sem a
obrigatoriedade de seguir um conteúdo programático, suas observações eram
guiadas pela minha curiosidade sobre o assunto.
Claro que não se trata de propor uma escola em que não haja
nenhum compromisso com horários ou prazos, mas o grande problema é que a ênfase
da maioria das escolas tem dado apenas para esse aspecto. Para essas
instituições, o bom professor é aquele que chega exatamente no horário, termina
exatamente no horário e entrega suas notas em dia na secretaria. Se houve
aprendizado é irrelevante. Normalmente, esse ponto de vista, positivista na sua
essência, é justificado, nas faculdades particulares, com o argumento de que o
aluno paga para ter 50 minutos de aula. Isso não é verdade. Ele paga para
aprender. Seja debaixo de uma árvore ou dentro da sala de aula. Seja nos 50 minutos
de aula ou em uma conversa na lanchonete.
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