Na década de 1970, antes de ser substituído pelo
clone, Roberto Carlos, em parceria com o amigo Erasmo Carlos, produzia músicas
com letras extremamente profundas e psicológicas, que merecem ficar figurar em
qualquer lista das melhores da MPB. Entre elas uma música sobre o acidente que
o fez perder uma perna, hoje um tema tabu para ele – tanto que essa música foi
simplesmente eliminada dos shows.
A genialidade da música, gravada no álbum de 1972, começa pela abordagem: o
cantor está deitado no divã, contando a história para o psicólogo. Começa
falando de sua infância. O clima, embora nostálgico, é depressivo:
Relembro a casa com varanda
Muitas flores na janela
Minha mãe lá dentro dela
Me dizia num sorriso
Mas na lágrima um aviso
Pra que eu tivesse cuidado
Na partida pro futuro
Eu ainda era puro
Mas num beijo disse adeus.
Muitas flores na janela
Minha mãe lá dentro dela
Me dizia num sorriso
Mas na lágrima um aviso
Pra que eu tivesse cuidado
Na partida pro futuro
Eu ainda era puro
Mas num beijo disse adeus.
Minha casa era modesta mas
eu estava seguro
Não tinha medo de nada
Não tinha medo de escuro
Não temia trovoada
Meus irmãos à minha volta
E meu pai sempre de volta
Trazia o suor no rosto
Nenhum dinheiro no bolso
Mas trazia esperança.
eu estava seguro
Não tinha medo de nada
Não tinha medo de escuro
Não temia trovoada
Meus irmãos à minha volta
E meu pai sempre de volta
Trazia o suor no rosto
Nenhum dinheiro no bolso
Mas trazia esperança.
Roberto, ainda criança, perdeu a perna ao ser
atropelado por um trem durante uma festa em sua cidade, Cachoeiro do Itapemirim.
Sua narrativa do fato, embora curta, é pungente. Ele narra isso através de
fragmentos de pequenas cenas: a festa, o apito do trem, o homem que o socorre,
o terno de linho branco usado por ele, agora sujo de sangue, tudo isso
misturado aos seus próprios pensamentos:
Relembro bem a festa, o apito
E na multidão um grito
O sangue no linho branco
A paz de quem carregava
Em seus braços quem chorava
E no céu ainda olhava
E encontrava esperança
De um dia tão distante
Pelo menos por instantes
encontrar a paz sonhada.
E na multidão um grito
O sangue no linho branco
A paz de quem carregava
Em seus braços quem chorava
E no céu ainda olhava
E encontrava esperança
De um dia tão distante
Pelo menos por instantes
encontrar a paz sonhada.
A narrativa volta para o consultório e fica
patente a relação conflituosa entre o cantor e o psicólogo e até mesmo o
conflito interno do autor, que, se por um lado, diz que o problema é superado,
por outro, afirma que essas recordações o matam – sinal de que não, ele não
superou o trauma:
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Por isso eu venho aqui.
Essas recordações me matam
Essas recordações me matam
Por isso eu venho aqui.
Eu venho aqui me deito e falo
Pra você que só escuta
Não entende a minha luta
Afinal, de que me queixo
São problemas superados
Mas o meu passado vive
Em tudo que eu faço agora
Ele está no meu presente
Mas eu apenas desabafo
Confusões da minha mente.
Pra você que só escuta
Não entende a minha luta
Afinal, de que me queixo
São problemas superados
Mas o meu passado vive
Em tudo que eu faço agora
Ele está no meu presente
Mas eu apenas desabafo
Confusões da minha mente.
Difícil imaginar o Roberto Carlos de hoje, que tenta
censurar biógrafos, se mostrando de forma tão aberta em uma música ou mesmo
escrevendo sobre um momento tão dramático. A impressão que dá é que o Divã foi
uma música que, inexplicavelmente, passou pela censura do próprio Roberto
Carlos.
Uma curiosidade é que essa se tornou uma das músicas
mais obscuras do rei, sendo mais lembrada por ter servido de inspiração para o
nome de um jogador de futebol. Sim, a mãe do Odivan era fã do Roberto, mas
duvido que ela tenha entendido a letra.
Para ouvir a música, clique aqui
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